Por Mariana M. L. Camargo*
Pensar em política externa atualmente é pensar nos diversos atores presentes nos níveis nacionais e internacionais, levando em consideração seus interesses e como estes estão representados nas negociações entre líderes políticos nacionais. Segundo Freire e Vinha (2011, p.13);
“A política externa, tradicionalmente associada aos Estados, mas crescentemente associada a outros atores, como a União Europeia (UE), projeta interesses e objetivos domésticos/internos para o exterior. É assim entendida como uma ferramenta essencial no posicionamento dos atores no sistema internacional.”
A interação entre os interesses presentes no nível doméstico e no nível internacional é realizada por meio dos líderes políticos nacionais, que devem ser capazes de negociar com ambos os níveis.
Para Putnam (1988, p. 427-460), dentro da agenda da política externa há um tabuleiro de negociação. De cada lado do tabuleiro há um Estado, que interagem no nível 1, o nível internacional, onde ocorre a barganha entre os negociadores de cada Estado. O nível 2, doméstico, por sua vez, é interno a cada Estado, onde ocorrem as discussões na esfera nacional acerca do consentimento para a ratificação dos acordos, além de trazer qual o interesse nacional a ser buscado pelo Estado. Os dois níveis são relevantes e interferem diretamente um no outro, determinando os rumos da cooperação interna e externa dos Estados.
É importante ressaltar que, apesar dos líderes políticos nacionais serem a figura principal representando cada Estado no nível 1, estão presentes por detrás deles figuras partidárias, parlamentares, porta-vozes das agências domésticas, representantes de grupos-chave de interesses e dos assessores políticos do próprio líder. Essa complexidade apresentada no tabuleiro faz com que cada negociação demande uma ação racional diferente de cada Estado.
Uma vez estabelecido o conjunto de posições com os grupos de interesse do nível 2, visando alcançar todos os acordos possíveis do nível 1 onde o Estado sairia vitorioso, pode-se determinar o conjunto de vitórias2 de cada Estado. Por conta disso, é possível que cada lado faça do tabuleiro um espaço de manobras, já que há a possibilidade de alterar comportamentos não só de outro Estado como também se utilizar desse meio para conseguir mudanças dentro do nível 2 (que não seriam possíveis se não fosse por motivo de barganha de um acordo no nível 1).
O conjunto de vitórias é considerado maior quando o maior conjunto de vitórias no âmbito nacional coincide com o internacional; consequentemente, o Estado tende a ser mais flexível nas negociações do nível 1, cedendo a barganhas, já que seus interesses nacionais já estão atingidos. Ao contrário, o conjunto de vitórias é menor quando os grupos de interesse no nível 2 possuem ideias heterogêneas, não concordando com o que está sendo posto no nível 1; por isso, as concessões são menores e usa-se a barganha para conseguir a ratificação do acordo.
No que tange a União Europeia, sua personalidade jurídica e disposições gerais acerca da sua ação externa foram reforçadas em 2009 pelo Tratado de Lisboa, estando enunciadas no título V do Tratado da União Europeia (TUE). Dentre seus principais objetivos, é possível destacar a busca pelo desenvolvimento de relações e constituição de parcerias com países terceiros e com as organizações internacionais, regionais ou mundiais que partilhem dos mesmos princípios da UE.
Na opinião de Gomes Cravinho (2017, p.15-16);
“Aquilo que começou então como uma união essencialmente econômica evoluiu, ao longo das décadas, para uma instituição abrangendo áreas políticas, desde a política externa, segurança e defesa, desenvolvimento e ajuda humanitária às alterações climáticas, ambiente e saúde, justiça e migração. É algo jamais visto em qualquer parte do mundo. Tem dificuldades, desafios, complexidades. Mas um olhar mais isento não pode deixar de reconhecer que enormes avanços tiveram lugar na Europa devido ao projeto europeu, um projeto que continua a ter profundo potencial para o futuro.”
Norteada pelos princípios da ação externa, a Política Externa de Segurança Comum (PESC) engloba todos os domínios da política externa, assim como as questões relativas à segurança da União, incluindo a definição gradual de uma política comum de defesa. Além disso, está sujeita a regras e procedimentos específicos, onde os Estados membros da UE são os verdadeiros detentores do poder no que tange ao domínio da mesma; por isso, devem atuar de forma concertada a fim de reforçar e desenvolver a solidariedade política mútua, abstendo-se de realizar ações contrárias aos interesses da União ou suscetíveis de prejudicar a sua eficácia como força coerente nas relações internacionais.
Complementar a PESC, a UE conta com o Serviço Europeu para Ação Externa, voltado a diplomacia, que assiste o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança. Este, sendo o cargo do líder político que representa a UE frente aos tabuleiros da política externa, têm como responsabilidade: conduzir a PESC; presidir o Conselho dos Negócios Estrangeiros; realizar suas atividades como vice-presidente da Comissão Europeia, dando cumprimento às responsabilidades que lhe incumbem no domínio das relações externas; liderar o Comitê Político e de Segurança (COPS), composto por 28 embaixadores dos países membros da União; dentre outros.
Após o exposto e aplicando os jogos de dois níveis de Putnam a ação externa da UE, quando a mesma negocia tratados, acordos e convenções no nível 1, nota-se a complexidade das negociações a serem realizadas no nível 2, já que, por detrás do líder político, existe uma série de instituições e instrumentos que conduzem em conjunto a política externa, além dos grupos de interesse internos a cada Estado membro.
Exemplo dessa complexidade pode ser notada no cumprimento do Acordo de Paris sob a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, em 2015; a EU comprometeu-se a diminuir, até 2030, a emissão de gases do efeito estufa em pelo menos 40% abaixo dos níveis de 1990. Entretanto, em 2019 o Parlamento Europeu (exercendo a função legislativa da UE) votou uma resolução recomendando a Comissão Europeia o aumento do objetivo proposto, adotando uma posição de dedicar pelo menos 35% das despesas de investigação para apoiar os objetivos climáticos.
Sendo assim, dadas as ideias gerais sobre a lógica dos jogos de dois níveis e o caso particular da política externa da União Europeia, pode-se afirmar a complexidade da formulação e aplicação da mesma, sendo uma política inerente aos Estados e ao sistema internacional. Este último, por sua vez, é marcado pelos mais diversos tabuleiros de negociação, cada qual com diferentes Estados, objetivos, princípios e desfechos.
*Trabalho apresentado a disciplina de Análise de Política Externa e das Relações Internacionais, ministrado pela Profª. Dra. Janiffer T. G. Zarpelon. Turma do 5º período noturno do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Curitiba, 2020.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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processo de tomada de decisão. Brasil: Em poucas palavras, 2017. p 15-16.
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA. Política Externa: As Relações
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PUTNAM, Robert. Diplomacy and Domestic Politics: The Logic of the Two-Level
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Disponível em <https://eur-lex.europa.eu/legalcontent/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:02016M/TXT-20190501&from=EN>. Capítulo V. Acesso em 08/04/2020.
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