Mostrando postagens com marcador Mercosul. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Mercosul. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 25 de março de 2021

30 anos de Assunção: O Processo de Integração do Mercosul

Por Yuri Oliveira*

    Em 26 de março de 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram o Tratado de Assunção, colocando-se dispostos a criar um Mercado Comum na região, o Mercosul. Assim, estavam decididos a atuarem em prol da coordenação de políticas macroeconômicas, endereçados ao cenário internacional e regional, marcado pela evolução e avanço dos grandes espaços econômicos. O tratado entrou em vigor dia 29 de novembro do mesmo ano. 
    O Mercosul chega aos seus 30 anos, em meio a uma situação diferente da imaginada pelos Estados-partes quando assinaram o acordo. Com isso, é preciso entender em que ponto esse acordo está, e o que dinamiza essa estrutura, ou no caso não. Onde está sua gênese? E o que aconteceu? 
    Primeiramente, o fator essencial para a coordenação de políticas é o entendimento entre os membros. A progressão ou a paralisação de um processo de integração é consequência desta relação. Sendo assim, dentro das formulações teóricas acerca do Mercosul, considerasse o protagonismo das relações bilaterais entre Brasil e Argentina, atores que, no entendimento das relações em eixo, tiveram semelhante atuação quando comparado a relação entre França e Alemanha dentro do processo de integração na Europa (PATRICIO, 2007). As potências regionais, nestes dois casos, interferiram de modo decisivo. 
    Em 1991, o sistema internacional passa por mudanças, a caracterização da economia decorre principalmente do cenário que se põe com o colapso da União Soviética. A queda do Muro de Berlim marca a inclinação para cooperação, propício para formação dos blocos (GUIMARÃES, 2017). Em analogia ao que está acontecendo com os Estados nesta situação, tanto na Europa como na América do Sul passam superar atritos, no caso europeu bem mais que isso, para então avançar em direção aos acordos.



    No continente sul-americano, o fim da Guerra do Paraguai marca o começo de rivalidades entre Brasil e Argentina. Ainda, os regimes militares nos dois Estados geraram em parte acanhamento nas relações, característica do momento, receios das intenções de cada Estado na região. Já na década de 80, o cenário econômico tornou-se determinante para a construção de um caminho que se voltava à cooperação. Em 1988, Alfonsín, o presidente argentino, e Sarney assinaram atos bilaterais de caráter econômico, entre eles o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, em que concordaram com a supressão gradual das barreiras à livre circulação de bens (PATRICIO, 2007). O impulso pela revisão da convergência decorre da democratização; essa convergência é econômica e política. As expansões dos mecanismos bilaterais conduziram ao processo de integração, transbordando as fronteiras do Brasil e Argentina, chegando e suscitando as reações no Paraguai e Uruguai. A política externa dos membros foi se consolidando e assumindo certo papel de destaque em matéria comercial. Em 1994 foi instituído o Protocolo de Ouro Preto, caracterizando a União Aduaneira na região, dando personalidade jurídica ao bloco.
    Neste período de 30 anos, Bolívia, Peru, Colômbia, Chile, Equador, Guiana e Suriname aderiram como membros associados, e a Venezuela como membro pleno. O Estado da Venezuela passou a ser membro pleno em 2012, e encontra-se suspenso desde 2017, em razão do descumprimento do Protocolo de Ushuaia sobre o Compromisso Democrático do Mercosul.



    No primeiro momento, o acordo bilateral teve caráter desenvolvimentista, enquanto no Mercosul é claro o caráter comercialista (CAMARGO, 2006). O bloco expandiu-se em certos momentos e recuou em outros. Na década de 90 houve avanços com o impulso da abertura de mercados. Em 1999 a desvalorização do Real o mergulhou em uma situação difícil, seguido pela crise na Argentina. 

A Integração. Onde Estamos?

    A estrutura institucional veio com o Tratado de Ouro Preto em 1994. Trazendo o alinhamento das políticas de comércio entre os membros, previsto pela Tarifa Externa Comum (TEC), tornando viável cobrar uma mesma alíquota sobre operações de comércio com base na Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM). Na etapa intermediária desse processo, os Estados concordaram em criar a União Aduaneira. Isso implica internamente na eliminação de restrições aduaneiras, ou medidas equivalentes e, externamente, na relação e atuação comunitária com a criação da TEC. A TEC possui função de uniformizar questões de alfândega, como uma etapa seguinte no modelo integracionista, indo em direção a um Mercado Comum. Contudo, a TEC no Mercosul é imperfeita, ou seja, existem exceções e não é totalmente aplicada, com vista a proteger determinados produtos e setores dos membros do bloco (MARTINS, 2002).
    Cada país tem uma quantidade específica para tornar exceções às regras, permitindo o tratamento diferenciado dos produtos no comércio no bloco. Os membros possuem margem para restringir e dessa forma protegem estrategicamente os setores. Desse modo, a lista de exceções à TEC funciona freando o movimento de progressão do Mercosul, pois, desde 1991 o que foi entendido é que o bloco iria construindo gradativamente a integração até chegar a sua finalidade. Porém, esse modo de tratamento é prorrogado continuadamente, num movimento em que a proposta de União Aduaneira de 1994, estágio intermediário e atual da integração, funcione ainda como uma Zona de Livre Comércio (GUIMARÃES & SIQUEIRA, 2011, pag. 406). 
    As assimetrias se tornam evidentes na relação competitiva do quarteto. As desproporções entre e dentro de cada Estado travam o movimento de intensificação. Mesmo com as assimetrias, o comércio e os investimentos mostram-se com um fluxo relevante. Existem claras desigualdades entre os Estados-partes e, tomando consciência disso, foi criado em 2004 o Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul, um mecanismo próprio de financiamento para diminuí-las. Aqui, países que têm mais, pagam mais e recebem menos. Países que têm menos, recebem mais e pagam menos. 
    A TEC em muito evidencia como a política adotada pelo bloco enreda os traços de desconcertos. Com isso, a implicação imposta ao Mercosul, da coordenação das políticas macroeconômicas na sua criação se realizou de modo parcial.

Edifício Mercosul em Montevidéo, Uruguai.

O Brasil

    Na atualidade, a atuação brasileira com a abdicação de sua liderança frente a esse processo já deixa marcas. O movimento insuficiente da maior potência do bloco deixa aberturas a outros atores influírem na região. É claro que estamos falando da China, pois os movimentos já sinalizam o avanço nas relações bilaterais com a Argentina. Ineditamente, nos saldos de comércio exterior, a China já desbancou o Brasil como maior parceiro comercial da Argentina. Vale ressaltar que essa aproximação vai além do comércio.

Base espacial chinesa em Neuquén, Argentina

E agora?

    Existem muitas exceções à TEC, fazendo com que os países tomem decisões unilaterais. Ainda, as crises enfrentadas pelos Estados-membros trouxeram mais desconcertos para estruturação e institucionalidade do Mercosul. Com isso, a falta de instituições densas entre os Estados, logo se colocaram como dificuldades. Também fica a indagação quanto ao processo de integração buscado, espelhado e parametrizado pelo velho mundo.
    Briceño Ruiz (2018) interpreta que a experiência europeia de regionalismo não deve ser entendida como universalista. Assim, valoriza a práxis e características do sul global. O regionalismo ganhou uma dimensão totalmente europeia, mas ele aponta para as múltiplas manifestações dos movimentos de integração no globo. Ter a Europa como referência não é um problema, mas ele surge quando adquire caráter exclusivo, de via única, prescritivo e normativo, exportando aquilo que acontece em muitas outras situações. O eurocentrismo no entendimento das outras iniciativas de integração regional. Portanto, é preciso considerar que existem contradições nas formulações das políticas de integração quando aplicadas às realidades sul-americanas.
    Os frágeis mecanismos e instituições da comunidade intensificam os embaraços no processo de integração. Desde a primeira década, o Mercosul mostra bastante dificuldade ao avanço para se converter no que foi proposto em 1991. A institucionalidade, na situação atual, é muitas vezes questionada considerando a quase absoluta dimensão comercial adotada, isso se mostrou incapaz de desfazer as distorções. Assim, no cenário proposto existe um jogo que em muitos momentos revela interesses antagônicos dos aliados. Neste jogo, movimentos independentes modificam as regras, somando-se ao caráter da instável política da América do Sul.

*Yuri Oliveira é estudante do quarto período do curso de Relações Internacionais no Unicuritiba.

Referências

PATRÍCIO, Raquel Cristina de Carla. As relações em eixo franco-alemãs e as relações em eixo argentino-brasileiras: gênese dos processos de integração. Lisboa: ISCSP, 2007.
COSTA Vaz, Alcides. Cooperação, integração e processo negociador: a construção do Mercosul. Brasília: Funag, 2002.
BRICEÑO RUIZ, José. Las teorías de la integración regional: más allá del eurocentrismo. Bogotá: Universidad Cooperativa de Colombia: Centro de Pensamiento Global, 2018.
MARTINS, Ives Gandra (Coord.). Tributação no MERCOSUL. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
GUIMARÃES, A. C., & SIQUEIRA, R. B. Tarifa externa comum (TEC): Universitas Relações Internacionais, p. 406, 2011. 
GUIMARÃES, L. R. Trajetória do Mercosul e União Europeia: reflexo das crises. Instituto de Relações Internacionais, Universidade de Brasília, 2017.
CAMARGO, S. Mercosul: crise de crescimento ou crise terminal? Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 2006.
MARCIA, C. (2020). 'ArgenChina': por que a China desbancou o Brasil como maior parceiro comercial da Argentina. BBC News Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53862542.

Leia Mais ››

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Entrevista com Luiz Carlos Martins: deputado estadual e presidente da Comissão do Mercosul e Assuntos Internacionais da Assembleia Legislativa do Estado do Paraná



Por Fernando Yazbek

               Luiz Carlos Martins foi primeiramente eleito deputado estadual em 1990, dois anos depois de se eleger vereador por Curitiba com quase 14 mil votos. Foi reeleito para a Assembleia por mais três vezes até 2006, quando angariou a confiança de 54 mil eleitores paranaenses. Teve um pequeno hiato nas eleições de 2010, ano em que ficou como suplente, mas foi novamente alçado parlamentar nos pleitos de 2014 e 2018. 
            Antes de se consolidar como um deputado no oitavo mandato, Martins, hoje aos 71 anos, passou a infância e juventude pelos interiores de São Paulo e Paraná. Paulista de Bilac, o radialista teve seu primeiro contato com os microfones ainda aos 17 anos em Birigui, no noroeste do estado.  Em 1977, trouxe sua voz a Curitiba, cidade que ouve desde então os famosos bordões da “grande voz” da Rádio Banda B.
            Na vida político-partidária, Luiz Carlos Martins ajudou a fundar o Partido Social Democrático (PSD) no Paraná, em 2013. Cinco anos depois, Martins foi para o Progressistas (PP) a convite do ex-ministro da Saúde Ricardo Barros e de sua mulher, a então vice-governadora Cida Borghetti – que concorreria ao Palácio do Iguaçu contra o atual governador, do PSD, Ratinho Júnior. Cabe ao radialista a presidência da Comissão do Mercosul e Assuntos Internacionais da Assembleia Legislativa desde a saída da deputada Maria Victoria (PP), filha de Ricardo Barros e Cida Borghetti. 
            Por telefone, o deputado estadual conversou com o Blog Internacionalize-se antes de uma das sessões plenárias remotas da Assembleia. Comentou, na sua voz inconfundível, os impactos da pandemia do novo coronavírus na atividade parlamentar, os acordos entre Mercosul e União Europeia, as relações da China com a América do Sul, a suspensão da Venezuela e a política externa do governo federal brasileiro.  
            Lamentando que desde a suspensão das atividades presenciais do parlamento paranaense não houve mais reuniões da Comissão do Mercosul, o presidente ressalvou que as últimas conversas da comitiva foram bastante produtivas. Em especial, o deputado sublinhou os esforços conjuntos entre Brasil e Paraguai na binacional de Itaipu, cujo “novo ritmo” tem sido favorável a integração da região fronteiriça. As ações conjuntas na hidrelétrica são novidade, segundo Martins, e vêm num contexto de acelerada ligação entre os dois países. Uma nova ponte está sendo construída sobre o rio Paraná entre Foz do Iguaçu e Presidente Franco, no país vizinho, e será “bastante benéfica” tanto para a infraestrutura e escoamento e, principalmente, para a fiscalização. 
            No Marco das Três Fronteiras, Luiz Carlos Martins comentou as declarações do presidente argentino Alberto Fernández, em que o portenho afirmou que iria rever todos os acordos comerciais do Mercosul assinados com a Europa. Em meio à pandemia, a Argentina abandonou negociações do bloco para priorizar sua própria economia interna. Apesar disto, o deputado minimizou o distanciamento da Casa Rosada: “Fernández sabe que a Argentina depende do Brasil e que o Brasil depende da Argentina. Serão sempre parceiros apesar de rusgas eventuais”. Para Martins, as relações entre Brasília e Buenos Aires são tão fortes e necessárias que independem, inclusive, do Mercosul.
            Provocado pelo dado de que a China se tornou, no mês de abril, o maior parceiro comercial da Argentina – posto historicamente brasileiro – o radialista demostrou preocupação. Para ele, o governo chinês tem de alimentar 1,3 bilhão de pessoas e, no contexto da pandemia, a economia foi duramente afetada, notoriamente nos fluxos de importação e exportação. Em comparação com abril de 2019, a Argentina exportou 50% a mais para Pequim, em especial soja e carne bovina, o que corrobora a percepção de Martins sobre a busca chinesa para segurança alimentar num contexto econômico “bagunçado” pelo novo coronavírus. 
            O deputado lastimou as controvérsias nas quais “vozes do Palácio do Planalto” acusaram a China de inventar o Sars-Cov2 em laboratório e de se beneficiar geopoliticamente do espalhamento da covid-19. Quando se referiu genérica e implicitamente ao ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub, Martins foi diretamente questionado sobre o tuíte racista de Weintraub que zombava a pronúncia dos chineses que falam português, comparando-os ao personagem Cebolinha da Turma da Mônica – de Maurício de Souza. Martins, então, não poupou palavras para criticar o ex-ministro: “fez muito mal para o Brasil”. Apesar de assegurar o direito de expressão de Weintraub, o deputado afirma que o bolsonarista, por satisfação meramente pessoal, pôs o país em risco e desconsiderou a política internacional. 
            Outra questão polêmica e sensível ao Brasil e ao Mercosul é a situação da Venezuela, suspensa do bloco desde 2016. A crise em Caracas afeta direta e especialmente o Estado do Paraná, mesmo que a mais de quatro mil quilômetros de distância. Curitiba é a quarta cidade brasileira que mais recebe imigrantes e refugiados venezuelanos e, para o deputado estadual, isto se deve a “grife” que a capital carrega internacionalmente. Os curitibanos, para ele, menosprezam o tamanho da fama que a cidade tem mundo a fora. Por isto, o radialista afirmou que sempre faz questão de pôr o nome de Curitiba destacado em todos os panfletos e anúncios publicitários da rede Banda B. 
            Luiz Carlos Martins se disse “espantado” com os recentes acenos da Casa Branca de Donald Trump ao presidente venezuelano Nicolás Maduro. “Antes, Maduro era o diabo e agora, de repente, virou um santo”, comentou presidente da Comissão do Mercosul sobre a possível reaproximação dos dois países. Trump vem construindo uma ponte de diálogo com o governo bolivariano e se distanciando do autoproclamado presidente Juan Guaidó, anteriormente apoiado e reconhecido por Washington. Martins, então, criticamente questiona qual vai ser a posição do Brasil em meio a este imbróglio: “e agora que apostamos todas as nossas fichas no Guaidó, junto com os EUA?”, comparando a situação de alinhamento brasileiro aos norte-americanos como no caso da cloroquina, hoje já desaconselhada nos Estados Unidos para o tratamento da covid-19. 
            Elencando os esforços, o experiente deputado lamenta as limitações institucionais da Comissão que preside: “queria que fôssemos muito mais atuantes, mas não temos como. Eu posso mandar dois deputados pra ouvir o governo paraguaio em Assunção, mas aí vão dizer que a Comissão foi feita só pra viajar”. A cúpula para assuntos internacionais tem uma fragmentação partidária bastante notável. Além do presidente do Progressistas, compõem as reuniões o vice-presidente pedetista Goura e os deputados Arilson Maroldi do PT, Galo do Podemos, Luiz Fernando Guerra do PSL, Mauro Moraes do PSD e Soldado Fruet do Pros. “Uma maravilha. Ali não tem confusão ideológica, todo mundo contribui”, avalia o presidente sobre a diversidade de sua comissão. Martins, inclusive, rasga elogios ao deputado Goura, de partidarismo completamente diferente: “ele ajuda muito e ainda vai percorrer todo o Mercosul de bicicleta”, disse em tom de brincadeira com o colega, famoso cicloativista do PDT. Neste sentido, a Comissão do Mercosul e Assuntos Internacionais se diferencia de outras comissões predominantemente ocupada por bancadas temáticas.  Na de Segurança Pública, por exemplo, figuram apenas deputados militares ou delegados, presididos pelo deputado Coronel Lee (PSL) e pelo vice Delegado Recalcatti (PSD). Luiz Carlos Martins comemora que sua comissão seja pluralizada, ainda mais por tratar de temas de abrangência internacional: “toda unanimidade é burra. É preciso divergência para progredir”. 
            Antes de desligar o telefone e encerrar a entrevista, o deputado se preparava para uma sessão virtual da Assembleia. Muito bem-humorado, contou causos de parlamentar que esqueceu o microfone aberto e falou o que não devia. “Quando vai começar a sessão fica todo mundo contando história. Cada um em casa, pela internet, acaba que todo mundo ri junto”. Apesar das dificuldades que a pandemia impõe a atividade legislativa, o deputado Luiz Carlos Martins parece otimista que, na retomada do parlamento e no reaquecimento das relações internacionais, a Comissão do Mercosul terá muito o que discutir no mundo pós-pandemia. 
Leia Mais ››

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Análise sobre barreiras comerciais no Mercosul



Por Othon Feliciano*

MERCOSUL: BARREIRAS COMERCIAIS, BRASIL E ARGENTINA  SOB O PRISMA DA TEORIA DA INTERDEPENDÊNCIA.

O ano de 2011 trouxe felicitações para a comunidade Latino-Americana, comemorando o vigésimo aniversário do MERCOSUL - Mercado Comum do Sul - no mês de Março de 1991 fora realizado a ratificação do Tratado de Assunção, o qual constituía um mercado comum entre a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, porém os encontros entre esses estados mostravam-se presente – sendo de cunho flexível, em questões do embasamento nacional do produto – no ano de 1960 e 1980, pela Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) e associação Latino-Americana de Integração (ALADI) respectivamente, visando paulatinamente a criação de um mercado comum.
No entanto, de forma mais robusta, é criado o MERCOSUL, entendendo o bom resultado da aplicação de recursos disponíveis para o melhoramento das interconexões e do equilíbrio, modernizando a economia para o aumento da oferta, qualidade dos bens de serviços e demais.

Leia Mais ››

domingo, 30 de outubro de 2011

MERCOSUL: uma crítica construtiva.

Por Carlos-Magno Esteves Vasconcellos

A integração econômica, política, social e cultural dos países latinoamericanos é uma necessidade incontornável para o desenvolvimento dos países da região. A integração a que me refiro tem de se realizar como um processo agregador, incorporador, solidário. Nessa perspectiva, a integração deve ser construída a partir de consensos regionais, nascidos e costurados pela grande massa das populações e trabalhadores dos países nela envolvidos.  A integração dos países latinoamericanos deve, também, servir para fortalecer e efetivar o potencial criativo dos homens e mulheres que aí vivem, assim como fomentar o seu desenvolvimento sócio-econômico e cultural. Unidos e solidários talvez consigamos realizar o sonho de prosperidade social que acalentamos desde nossa “independência política” e que até hoje não alcançamos pelo caminho do individualismo.
Mas essa não é a integração que está em curso no momento. A integração atual, lançada por iniciativa dos presidentes Sarney (Brasil) e Alfonsín (Argentina) nos anos de 1985 e 1986, e selada com a assinatura do Tratado de Assunção de 1991, nasceu – assim como as demais experiências frustradas do passado – como um projeto das elites econômicas e políticas carcomidas de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Além disso, como o próprio nome indica (MERCOSUL – Mercado Comum do Sul), trata-se de uma iniciativa meramente econômica, cujo objetivo principal é arrancar as economias da região de uma crise estrutural de grandes proporções que as persegue desde o início da década de 1980. As populações dos países envolvidos estão completamente marginalizadas do “processo integracionista”.
O Brasil, com a maior e mais sofisticada economia da região, é o país mais interessado no avanço e sucesso do processo integracionista tal como vem sendo conduzido há pouco mais de vinte anos. O país vem empenhando grandes esforços financeiros e políticos para sustentar o processo. É, de longe, o país mais ativo e propositivo na construção do Mercosul. Mas as elites econômicas dos demais países integrantes desse projeto também estão engajadas em sua construção, porque é um projeto conservador, e não transformador. Vinte e poucos anos após seus primeiros passos, a integração latinoamericana não conseguiu modificar em nada a posição dos países da região na divisão internacional capitalista do trabalho.
As avaliações sobre a integração latinoamericana são meramente quantitativas. Fala-se muito do aumento do comércio e dos investimentos intra-regionais. O planos e realizações de alargamento e melhoria das infra-estruturas econômicas, principalmente dos sistemas de transporte, também são tidos como uma grande conquista da integração. Mas tudo isso é de inspiração burguesa, projetos cujo objetivo é o revigoramento econômico dos países da região. Projetos que visam dar sustentação ao modelo econômico excludente que prevalece desde sempre na região.  
As populações latinoamericanas não se pensam, não se conversam, não dialogam. Por isso, estão marginalizadas do processo de integração ora em andamento. Quem as dirige são as elites econômicas, autóctones e estrangeiras. Mas essas têm um olhar enviesado, de classe, excludente. Os trabalhadores e suas condições de trabalho e de vida, os jovens e seus sonhos de lazer e cultura, os artistas e os intelectuais inundados de criatividade são pouco relevantes em seus planos.
As relações de produção e a superestrutura da sociedade burguesa contemporânea – sobretudo a democracia burguesa tal como a conhecemos – tornaram-se estreitas demais para responderem aos anseios de desenvolvimento das forças produtivas que ajudaram criar. Elas terão de ceder, mas não cederão pela mecânica do acaso. Da mesma forma que um dia foram erigidas, hoje terão de ser desconstruídas pela ação dos homens e mulheres da região. É esse o grande desafio que se apresenta diante dos povos latinoamericanos, e disso dependerá o futuro de sua integração.        

Carlos-Magno Esteves Vasconcellos é doutor em Economia pela Escola Superior de Economia de Varsóvia, Polônia, professor das disciplinas de Economia Política Internacional e Empresas Transnacionais do Curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.
Leia Mais ››

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Mercosul aos 20 anos: a evolução dos papéis do bloco e a inserção internacional do Brasil

George Sturaro

Em 2011, o Tratado de Assunção de 1991, acordo criador do Mercosul, completará 20 anos. Tal ocasião convida à reflexão a respeito do bloco, dos seus avanços e retrocessos, dos seus efeitos concretos, das suas perspectivas e do papel que ele desempenha nas estratégias de inserção internacional dos Estados-membros. Seguindo por esta última linha, pretendo aqui desenvolver reflexão a respeito da evolução dos papéis que o bloco desempenha nos marcos da inserção internacional do Brasil.

Numa revisão da literatura sobre o Mercosul, é possível identificar ao menos quatro papéis atribuídos ao bloco pelos estudiosos. São eles: (i) o econômico, (ii) o negociador, (iii) o securitário e (iv) o geopolítico. Esses papéis são exercidos em diferentes dimensões das relações internacionais, em diferentes escalas geográficas e, com maior ou menor destaque, em diferentes períodos. Todos eles têm grande relevância para a inserção do Brasil no cenário internacional contemporâneo.
1. O papel econômico: promoção do desenvolvimento
A grande atenção conferida ao papel econômico do Mercosul na literatura deve-se a que o bloco foi originalmente concebido para servir de instrumento do desenvolvimento econômico dos Estados-membros, pelo livre-comércio, inicialmente, e pela integração dos mercados, numa etapa posterior.  Esse instrumento, a despeito dos reveses que sofreu a sua efetiva implementação, foi responsável por resultados econômicos expressivos durante a maior parte da década de 1990, dos quais o Brasil foi um dos grandes beneficiados. O comércio intra-bloco quadruplicou no período 1991-1998, duplicou no 1994-1998 e, ao fim do período, contabilizou cerca de 23% do comércio exterior dos países-membros (PAMPLONA e FONSECA, 2009, p. 12). Em valor, o comércio intra-bloco cresceu duas vezes mais que o extra-bloco (HOFFMANN et al., 2008, p. 106).
A parte que coube ao Brasil nessas transações é expressiva e teve grande peso na conta comercial do país. Em 1998, 17,4% do total das exportações brasileiras tiveram por destino os países do Mercosul, contra 4,2% em 1991 (KUME e PIANI, 2005, p. 375). O bom desempenho do Mercosul e, por extensão, do Brasil terminou em 1998, quando iniciou a crise financeira no mundo em desenvolvimento. A crise chegou ao Brasil em 1999 e corroeu a âncora cambial do Plano Real do governo Fernando Henrique Cardoso. Nos anos seguintes (2000-2002), ela afetou, de um modo particularmente grave, a Argentina. O efeito imediato foi a redução do comércio intra-bloco e a introversão das economias dos Estados-membros, que implementaram medidas de proteção a setores estratégicos, a exemplo do automobilístico.
No período subsequente, o desempenho do Mercosul e a participação do Brasil no comércio intra-bloco, embora tenham ultrapassado o recorde histórico, não se recuperaram em termos percentuais (HOFFMANN et al., op. cit., p. 106; 112-113).
2. O papel negociador: incremento do poder de barganha nas negociações internacionais
O papel negociador teve origem com a Cúpula de Ouro Preto do Conselho Mercado Comum de 1994 e com o Protocolo homônimo, assinado na mesma ocasião. A Cúpula, que criou a TEC (Tarifa Externa Comum), converteu o bloco em união aduaneira. Neste estágio, a integração veio a exigir a harmonização das políticas econômicas dos Estados-membros para o resto do mundo e, assim, tornou obrigatório que eles assumissem posições unívocas nos fóruns internacionais e nas negociações bi-regionais.
Por sua vez, o Protocolo dotou o Mercosul de personalidade jurídica internacional, pré-requisito para que o bloco pudesse negociar e assinar acordos. Em 1998, a criação do Foro de Consulta e Coordenação Política (FCCP), cujo propósito é favorecer a construção de consensos entre os Estados-membros em matéria de política externa, acrescentou mais força política e legitimidade ao papel negociador do bloco (HOFFMANN et al., ibid., p. 108).  Fortalecido institucional e politicamente por essas inovações, o Mercosul passou a representar os seus membros nas negociações internacionais, os quais, até então, tinham de fazê-lo sozinhos, sem contar com o poder que advém do peso do conjunto (HIRST, 2001, p. 5).
Esse atributo instrumental do bloco conveio aos interesses da elite política brasileira, sempre em busca de meios e recursos que lhe confiram maior margem de manobra nas negociações com as potências do mundo desenvolvido (VIGEVANI et al., 2008, p. 8). O poder de barganha do Mercosul jogou papel importante no período Cardoso, quando o Brasil travou negociações difíceis com os EUA, para definir o formato que a ALCA deveria assumir, e com a EU, para a criação de zona de livre comércio entre os dois blocos.
3. O papel securitário: consolidação das democracias e estabilização política regional
Embora pouco estudado, o papel securitário do Mercosul é um dos pilares centrais do bloco. Em meados dos anos 1980, quando decidiram pela integração, os governos da Argentina e do Brasil, presididos respectivamente por Raúl Alfonsín e José Sarney, não perseguiam objetivos exclusivamente econômicos. A integração que se pôs em marcha naquele momento visava, antes de tudo à superação da rivalidade histórica, à construção da confiança recíproca, à estabilidade política regional e à consolidação das reformas democráticas em ambos os países (OLIVEIRA e ONUKI, 2000, p. 110-113).
A integração das economias contribuiria com esse esforço ao fortalecer as bases materiais das novas democracias, ampliando-lhes as oportunidades de comércio e investimento (GÓMEZ, 1991, p. 227). Após esse período inicial, ao longo da década de 1990, o papel securitário do Mercosul foi atualizado, agora em defesa da democracia nos Estados-membros. A Declaração Presidencial de Las Lenãs de 1992 estipulou que a plena vigência das instituições democráticas é condição indispensável para a existência e o desenvolvimento do Mercosul.
O Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul, Bolívia e Chile, de 1998, reafirmou o que foi estipulado pela Declaração de Las Lenãs e consagrou, entre outras medidas, a expulsão do bloco de membro que não respeitar a ‘cláusula democrática’. Em duas ocasiões, 1999 e 2001, sob liderança do Brasil governado por Cardoso, esses instrumentos foram acionados para assegurar a ordem democrática no Paraguai (SANTISO, 2002, p. 406-409).
4. O papel geopolítico: plataforma de projeção da ‘potência regional’
O papel ‘geopolítico’ do Mercosul, diferentemente dos demais, não foi objeto nem motivação dos primeiros acordos entre os Estados-membros. Ele sobressai apenas recentemente, à medida que o bloco vai se fortalecendo econômica e politicamente, e diz respeito às ambições regionais do Brasil. Parte da elite política e diplomática brasileira, de orientação desenvolvimentista e autonomista, vê no Mercosul um instrumento da afirmação do país como ‘potência regional’. Segundo essa elite, a ampliação paulatina do bloco viria a trazer os demais países sul-americanos para a esfera de influência política do Brasil e abriria caminho para a criação de uma grande zona de livre-comércio, da qual muito se beneficiaria a economia do país (SARAIVA e BRICEÑO, 2009, p. 156).
Ao mesmo tempo, um Mercosul forte e coeso funcionaria como articulador de cooperação Sul-Sul entre blocos regionais e outros agrupamentos de países em desenvolvimento (SARAIVA, 2007, p. 51-52). A partir de 2000, quando é lançado o projeto de integração sul-americana com a CASA, futura UNASUL, o Mercosul começa a aparecer no discurso diplomático brasileiro como a plataforma que levará à realização daquele projeto maior (SANTOS, 2005, p. 17-19). O grande impulso ao ‘Mercosul geopolítico’ é dado pelo governo Lula da Silva.
Vinte anos após a assinatura do Tratado de Assunção, verificamos que, num balanço geral, os papéis que o Mercosul desempenha na inserção internacional do Brasil evoluíram positivamente. O papel econômico, a despeito dos percalços provocados por crises financeiras, é significativo: desde a sua criação, o Mercosul tem sido um dos principais destinos das exportações do Brasil e um dos seus principais fornecedores.
O papel negociador passou no teste de resistência contra a ALCA no formato norte-americano, a qual, caso fosse aceita, teria tido consequências deletérias para a economia nacional. O papel securitário, acionado durante as crises institucionais no Paraguai, assegurou a estabilidade política regional, sem a qual o Mercosul é inviável. Por fim, o papel geopolítico vem articulando a configuração de um espaço econômico e político sul-americano, no interior do qual o Brasil será a potência principal. O Mercosul, próximo dos seus vinte anos, é um dos mais importantes instrumentos de inserção internacional à disposição do Brasil.

George Wilson dos Santos Sturaro é graduado em Relações Internacionais pelo UNICURITIBA e mestrando em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
  • GÓMEZ, José. María (1991). “Democracia Política, Integração Regional e Contexto Global na América Latina (Repensando Alguns “Nós Problemáticos”).” Contexto Internacional, vol. 13. n. 2, p. 227-245.
  • HIRST, Monica (2001). “Atributos e Dilemas Políticos do Mercosul.” Cadernos do Forum Euro-Latino-Americano, fevereiro, p. 1-16.
  • HOFFMANN, Andrea Ribeiro; COUTINHO, Marcelo; KFURI, Regina (2008). “Indicadores e Análise Multidimensional do Processo de Integração do Cone Sul.” Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 51, n. 2, p. 98-116.
  • KUME, Honório; PIANI, Guido (2005). “Mercosul: O dilema entre união aduaneira e área de livre-comércio.” Revista de Economia Política, vol. 25, n. 4, p. 370-390.
  • OLIVEIRA, Amâncio Jorge de; ONUKI, Janina (2000). “Brasil, Mercosul e a segurança regional.” Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 43, n. 2, p. 108-129.
  • PAMPLONA, João Batista; FONSECA, Julia Fernanda Alves da (2009). “Avanços e Recuos do Mercosul: Um Balanço Recente dos seus Objetivos e Resultados.” PROLAM, vol. 1, p. 7-23.
  • SANTISO, Carlos (2002). “Promoção e Proteção da Democracia na Política Externa Brasileira.” Contexto Internacional, vol. 24. N. 2, p. 397-341.
  • SANTOS, Luís Cláudio Villafañe dos (2005). “A América do Sul no discurso diplomático brasileiro.” Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 48, n. 2, p. 185-204.
  • SARAIVA, Miriam Gomes (2007). “As estratégias de cooperação Sul-Sul nos marcos da política externa brasileira de 1993 a 2007.” Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 50, n. 2, p. 42-59.
  • SARAIVA, Miriam Gomes; BRICEÑO, José. Ruiz (2009). “Argentina, Brasil e Venezuela: As diferentes percepções sobre a construção do Mercosul.” Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 52, n. 1, p. 149-166.
  • VIGEVANI, Tullo; FAVARON, Gustavo de Mauro; RAMANZINI, Haroldo; CORREIA, Rodrigo Alves (2008). “O papel da integração regional para o Brasil: universalismo, soberania e percepção das elites.” Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 51, n. 1, p. 5-27.
Leia Mais ››