sexta-feira, 29 de julho de 2016

Relações Internacionais em Destaque: A Guerra Civil Síria, a Intervenção Humanitária e a Cooperação Internacional

Artigo apresentando na disciplina de Teoria das Relações Internacionais, ministrado pela profa Dra Janiffer Zarpelon, na disciplina de Teoria das Relações Internacionais I.


Por: * Diana Lumi Nishida

Introdução
       A Guerra Civil Síria tem perdurado por cinco anos e é a maior crise humanitária do século XXI, em que milhões tiveram de deixar suas casas, e muitos desses são agora refugiados que moram no exterior e enfrentaram obstáculos a fim de obter segurança, enquanto a a intervenção humanitária internacional é falha em auxiliá-los.

           Esse conflito se iniciou após uma série de grandes protestos da população a partir do mês de janeiro de 2011. Um mês depois, as manifestações ficaram mais violentas e elas se tornaram revoltas armadas influenciadas por diversos protestos simultâneos no Oriente Médio: a Primavera Árabe.
           Os grupos de oposição alegam estar lutando com o objetivo de derrubar do poder o presidente do país Bashar al-Assad, para instalar um processo de renovação política mais democrática na Síria. No entanto, o governo sírio acredita que o Exército Sírio Oficial, por meio de ações agressivas contra os manifestantes, estão apenas combatendo os terroristas que pretendem desestabilizar a nação. Devido a isso, várias facções formaram a oposição combatendo tanto o governo quanto umas às outras, disseminando-se para outras regiões, como o Iraque e o Líbano. Iniciou-se uma mobilização social e midiática, que exigiram mais transparência dos políticos, liberdade de imprensa, direitos humanos e promulgação de um novo conjunto de leis.
           A Síria encontra-se em estado emergencial desde 1962, uma vez que naquele ano, foram suspendidas as proteções constitucionais para os cidadãos do país. Hafez al-Assad, sendo considerado um ditador, manteve-se no poder da nação durante trinta anos, passando o posto para o seu filho Bashar al-Assad, que tem mantido o poder com mão-de-ferro desde 2000.
           As manifestações da população síria começaram em frente as embaixadas estrangeiras de Damasco (capital) e ao parlamento sírio. Para diminuir os protestos, o governo mandou suas tropas militares contra as cidades revoltosas. Então iniciaram-se os conflitos entre a população e os soldados sírios, que foram resultando em centenas de mortes, sendo a grande maioria de civis.
           No entanto, muitos militares foram contrários às ações do exército para conter a população, alguns sendo até mesmo expulsos das forças militares depois que se recusaram a atirar nos manifestantes. Esse grupo de civis e desertores opositores formaram uma ação conjunta e criaram o Exército Livre da Síria para lutar contra as ações violentas do governo. No segundo semestre do ano de 2011, eles se reuniram em uma organização representativa que foi batizada pelo nome de Conselho Nacional da Síria.
           A partir disso, a luta armada tornou-se ainda mais brutal e teve início um processo de incursão das tropas do governo em territórios controlados pela oposição. Em 2012, a Cruz Vermelha Internacional classificou esse conflito como guerra civil, de forma, que abriu-se um caminho para o emprego de investigações referentes à crimes de guerra e à aplicação do Direito Humanitário Internacional e das decisões nas convenções de Genebra.
A Crise Humanitária

           De acordo com dados de ativistas de direitos humanos, a quantidade de mortes causada pelo conflito é de mais de 250 mil pessoas, sendo que 130 mil teriam sido detidas pelas forças armadas do governo sírio. Além disso, mais de 4 milhões de cidadãos buscaram refúgio em outros países a fim de fugir da violência, gerando uma grande onda migratória de refugiados no Líbano, nação vizinha da Síria, bem como na Europa.
           Segundo a ONU e outras organizações internacionais, tem ocorrido inúmeros crimes de guerra, como massacres de civis, assassinatos e abusos contra a população por parte das forças militares apoiadas pelo governo Assad. Porém, também foram cometidas várias atrocidades pelos grupos de oposição, incluindo o Exército Livre da Síria.

           A situação na Síria reflete a necessidade de uma intervenção humanitária no país para auxiliar a população refugiada, e consequentemente, a importância da cooperação entre os atores estatais, pois os países vizinhos estão restringindo cada vez mais suas fronteiras devido ao enorme fluxo de refugiados procurando resguardo. Assim, milhares de pessoas estão fragilmente retidas dentro da Síria, sem poder deixar o país.
           Paralelo a isso, as nações européias, que já receberam parte da população síria, estão agora restringindo a entrada e a fronteira de seus países e se recusando a recebê-los devido ao avanço crescente de refugiados que buscam segurança nesse continente, o que acarretou em um acúmulo de milhares de refugiados na Grécia. A União Europeia negociou um acordo com a Turquia para conter esse fluxo migratório, enviando os refugiados de volta ao país.

           Já os refugiados que se encontram nos países vizinhos da Síria estão completamente vulneráveis, correndo riscos para sobreviver, embarcando em viagens perigosas para a Europa ou recorrendo a estratégias arriscadas de sobrevivência – como o trabalho infantil, o casamento precoce ou a exploração sexual.

Reações e auxílios exteriores

           Tendo em vista essa situação delicada da população síria, bem como as milhões de pessoas que são obrigadas a fugir de guerras, violências, calamidas naturais, perseguições e mudanças climáticas em seus respectivos países; 60 chefes de Estado e de Governo com mediação da ONU, discutiram sobre como auxiliar os refugiados, na primeira Conferência Humanitária Mundial realizada em Istambul na Turquia. O local escolhido para esse encontro foi simbólico, uma vez que a Turquia abriga em torno de três milhões de refugiados da Síria e do Iraque que desejam chegar à Europa.

           Eles consideraram que o atual sistema de ajuda humanitária necessita de uma profunda mudança, pois há uma divisão desigual, em que o peso fica apenas com alguns países, devendo todo o mundo assumir suas responsabilidades. Então, a reunião procurou partilhar essas responsabilidades, definindo ações e compromissos concretos para ajudar os países a enfrentarem as crises, prevenir de possíveis futuros conflitos, respeitar o direito internacional e garantir o financiamento de projetos humanitários.

Instucionalismo neoliberal, regimes internacionais, cooperação e sua importância

           Com base na Guerra Civil Síria, tal como a importância necessária de como o sistema internacional deve auxiliar e intervir na população vulnerável, relacionamos o conceito sobre regimes e cooperação internacional de
Robert Keohane, um cientista político norte-americano, que é encontrado em seu livro After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy”, uma obra de grande contribuição para as relações internacionais, tendo sido associada à perspectiva institucionalista neoliberal.

           Segundo essa perspectiva,
o sistema internacional é caracterizado por um ambiente anárquico, e para a resolução dos conflitos, procura-se uma cooperação das instituições e dos regimes internacionais. Porém, os regimes internacionais não existem se não for do anseio dos Estados e se não for possível existir cooperação. E ainda, não há um regime internacional voltado exclusivamente para o direito humanitário. Quando as questões relacionadas à proteção humana estão em pauta, não há estímulos para se ter uma cooperação entre os Estados. 

          
Isso possivelmente ocorre devido a própria natureza anárquica do sistema internacional e da existência, que ainda perdura fortemente, de soberania. Cada Estado procura atuar de maneira racional, buscando a defesa de seus próprios interesses. Então, os problemas internacionais não são tratados internacionalmente, porque os Estados não se relacionam harmonicamente e consequentemente, não cooperam entre si. Podemos ainda pensar que o comportamento racional dos Estados tende a produzir conflitos no sistema internacional, pois todos almejam maximizar os seus interesses e minimizar os custos de participação no plano internacional.


          
Apesar desse ambiente anárquico, os Estados tem interesses complementares, sendo um ato de mútua ajuda entre dois ou mais atores estatais que possuem um objetivo em comum e são potencialmente benéficas, podendo ser dos mais varidos tipos: políticos, culturais, estratégicos, humanitários, econômicos e sociais. Deve-se ressaltar que nem sempre a cooperação envolve altruísmo entre os agentes envolvidos, ou seja, nem todo projeto de cooperação possui fins pacíficos e benéficos, como, por exemplo, as alianças militares.

           As instituições podem estimular a cooperação entre os atores racionais ao mesmo tempo em que se reduzem o custo das transações, ordenam informações e estabilizam expectativas, mudando a relação custo/benefício. A cooperação seria então possível mediante a ação coletiva dentro de um ambiente anárquico, não implicando em uma transformação estrutural. Os autores institucionalistas neoliberais acreditam que a expansão de poder no sistema internacional não é favorável à geração de instituições, pois a maioria dos atores estatais não estão dispostos a arcar com seus custos, afastando-se da premissa, básica para os neo-realistas, de que os atores sempre buscam ganhos relativos. Dessa forma, nas situações em que se distanciam de jogos soma zero, a cooperação pode aumentar.


Diferença entre cooperação, harmonia e discórdia

           A cooperação deve ser diferenciada de harmonia, pois esta refere-se à situação em que as políticas governamentais (que visam seus próprios interesses, independentemente dos outros) facilitam automaticamente o objetivo de outros governos, o que é difícil de ocorrer. Como exemplo, temos no sistema econômico, o equilíbrio de mercado de oferta e procura, que é representado pela mão invisível de Adam Smith, ou seja, a oferta e a demanda sempre tende colocar a economia em equilíbrio. Dessa forma, a busca de seu próprio interesse não afeta os interesses alheios, o que significa que quando tem-se a harmonia, não há a necessidade de cooperar.
           A discórdia ocorre quando os atores não buscam adaptar suas políticas aos objetivos dos outros e, ainda, vêem as políticas dos outros países como sendo um obstáculo para atingir seus objetivos. Isso significa que a cooperação possui conflitos, mas tenta superá-los em direção a um acordo, cooperando cada vez mais. Porém, se não conseguir superar esse conflito, prevalece a discórdia. 

           Se as políticas dos outros países não oferecerem obstáculos, tem-se automaticamente a harmonia, mas se houver obstáculos, é preciso analisar se há um processo de negociação entre os Estados, que é normalmente visto como um processo de “coordenação de políticas” (policy coordinations), se houver e não ter êxito ou se não houver, tem-se a discórdia; e se houver e for efetivo, tem-se a cooperação. O consenso entre todos os téoricos de Relações Internacionais é de que se não há harmonia no ambiente internacional, o melhor meio é a cooperação. Já num ambiente de discórdia, em que existe uma dificuldade de se obter a cooperação, é provável que ocorram sérios conflitos. 

Regimes internacionais e cooperação

           A cooperação pode ocorrer por meio de: 
- Atividade de um poder hegemônico; 
- Medidas ad hoc (mecanismos que criam tribunais temporários usados apenas para discutir sobre um tema específico) ou; 
- Estabelecimento e manutenção de instituições internacionais. 

           A essas instituições internacionais (organizações multilaterais) devemos maior atenção, pois a prática de cooperação sempre ocorre dentro de um contexto institucional entre os Estados. Keohane definiu que as instituições podem se dividir em: um padrão geral de comportamento (regimes internacionais) ou um padrão específico formal ou informal (organizações internacionais). 

           Os regimes internacionais são importantes para a cooperação pois facilitam os acordos, o maior cumprimento das regras, a diminuição dos custos, aumentam a simetria (o que não quer dizer que será simétrico), melhora a qualidade das informações e a transparência entre os Estados. 

           Alguns institucionalistas acreditam que uma maneira de amenizar os conflitos é criando instituições internacionais voltadas para cooperação em que seu conjunto daria início aos regimes internacionais. Dessa forma, cada área das relações internacionais teria seu póprio regime internacional cooperativo, minimizando os conflitos. Por exemplo, no comércio internacional, a Organização Mundial do Comércio (OMC) cumpre esse papel facilitando a cooperação multilateral entre os Estados e o FMI para a área financeira.

Conclusões

           Alguns autores já idealizaram a imagem de um governo mundial que se responsabilizaria pela administração e resolução dos conflitos internacionais, que estaria de acordo com os paradigmas de justiça, segundo um viés humanístico predominante, em que as transformações mundiais seriam vistas de forma única, não importando onde e como ocorresse, pois sua importância seria unânime a toda a humanidade, sendo reparado, até mesmo, as  injustiças do passado através de políticas econômicas compensatórias para as regiões miseráveis, como por exemplo, a África. No entanto, o que se encontra na realidade é uma situação internacional bem complexa e de difícil compreensão.

           Como dito anteriormente, o sistema internacional é analisado sob uma perspectiva estatal, em que cada Estado com suas próprias fronteiras, visa unicamente sua soberania estatal, de forma que não é analisado por uma perspectiva humanista, ou seja, as questões não são tratadas globalmente. Consequentemente, as políticas governamentais não consideram o que seria melhor para o mundo como uma unidade humanística: prevalece sempre aquilo que é melhor para o próprio Estado. Dessa forma, os governantes sempre procuram resolver apenas os problemas internos, não se interessando por problemas externos por não serem vantajosos para seu Estado.

           Se existisse um órgão que fosse voltado para a criação da cooperação, a situação seria mais fácil, pois poderia compatibilizar as diferenças, abrangendo as visões de todos e procurando analisar quais seriam as vantagens, articulando com mais facilidade as relações internacionais. A ONU desempenha esse papel, porém de maneira limitada. 

           Os regimes internacionais só existem em áreas onde a cooperação é possível e desejada pelos Estados, e quando se pensa em proteção humana, não ocorre os mesmos incentivos para criar a cooperação, não havendo, portanto, regime internacional voltado exclusivamente para as questões humanitárias. Para que exista, seria necessário mudar a natureza da ordem internacional, e enquanto isso não ocorre, o Direito Humanitário fica esquecido e desprotegido, pois quem lhe assegura esse direito é o Estado. 

Referências Bibliográficas

KEOHANE, Nye. AFTER HEGEMONY: Cooperation and Discord in the World Political Economy. Princeton University Press, 1984.
KEOHANE, Nye. International Institutions and State Power: Essays in International Relations Theory. Westview, 1989.
SARFATI, Gilberto. Teorias de Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.

Diana Lumi Nishida é academica do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba - Unicuritiba.
Leia Mais ››

terça-feira, 26 de julho de 2016

Redes e Poder no Sistema Internacional: A relevância econômica do Mar do Sul da China


A seção Redes e Poder no Sistema Internacional é produzida por integrantes do Grupo de Pesquisa “Redes e Poder no Sistema Internacional”, que desenvolve no ano de 2016 o projeto “Controle, governamentalidade e conflitos em novas territorialidades” no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca promover o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a inter-relação entre redes e poder no SI. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

A relevância econômica do Mar do Sul da China


Alexandre Michel Gavronski*




No século XXI, os seres humanos se vêem rodeados de tecnologias instantâneas, como por exemplo, usar o seu smartphone para se fazer uma compra online em um site chinês, ou usar ferramentas como o PayPal, que realiza transações internacionais instantaneamente. Contudo, ainda assim nos encontramos na obrigação de esperar por nossos produtos chegarem em nosso domicílio, o que muitas vezes, dependendo do tipo do frete e das implicações fiscais dele, dá uma sensação de demora muito maior se compararmos com àquela de instantaneidade que as ferramentas informatizadas nos proporcionam. 

Falando de outra maneira, ainda estamos expostos à limitação física do espaço quando falamos de fretes internacionais e, consequentemente, de linhas de navegação de mercadorias no mundo realizadas por via naval. Por conta disso, é de se esperar que a segunda maior potência econômica global, a China, tenha interesse no controle territorial de uma das rotas de navegação mais famosas da Ásia, tanto hoje em dia quanto na história. 


Não é só na atualidade que o Mar do Sul da China (ou Mar da China Meridional) tem sua relevância econômica, sendo que com o passar da história humana a rota já era muito utilizada. O mar do sul da China era a principal rota para a navegação das grandes potências europeias capitalistas do século XVI e XVII para alcançar os povos do extremo oriente. Ela começa a partir da península ibérica, contorna as costas do continente africano e da península indiana para então passar por dentro do mar do sul da China, passando por dentro da costa de diversos países do sudeste asiático como o Vietnã, Indonésia, Filipinas e Malásia. 

Era uma das rotas mais usadas pela Companhia Holandesa das Índias Orientais, fundada em 1602, mas também era usada pelos portugueses e pelos ingleses. O mapa 1 a seguir mostra as principais rotas marítimas existentes no sudeste asiático nos séculos XVI e XVII, destacando-se principalmente a principal rota comercial de longa distância, em azul claro.



Mapa 1
Fonte: REID, Anthony. Southeast Asia in the Age of Commerce, 2 volumes. (New Haven: Yale University Press, 1988-1993).

Hoje em dia, a rota tem grande relevância estratégica e é usada principalmente pela China tanto para a importação de matéria-prima, quanto para o escoamento de seus próprios produtos industrializados para o resto do mundo. 

Conforme é mostrado no mapa 2, em azul estão as zonas economicamente exclusivas que cada país do sudeste asiático tem direito de acordo com o direito internacional, e em vermelho a linha reivindicada pela China com suas ações no mar do sul da China. Fica claro por este mapa que as razões econômicas da China são fortes o suficiente a ponto de reivindicarem uma região já delimitada territorialmente pela sociedade internacional.

Mapa 2
Reinvindicações territoriais marítimas chinesas e as milhas de zona econômica exclusiva no Mar do Sul da China


As ações chinesas recentes em relação ao mar do sul da China e suas consequências diplomáticas estão dentro do escopo do que aparenta ser um esforço atual de asserção da soberania nacional da China perante os países do mundo. Porém, tal prática se interpola não só com o interesse de seus países vizinhos nesta mesma região geográfica, mas também com legislações internacionais previamente implementadas.

* Alexandre Michel Gavronski é acadêmico do sexto período do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e membro do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".
Leia Mais ››

segunda-feira, 25 de julho de 2016

O Orange Day e a Importância da Campanha da ONU pela eliminação da violência contra Mulheres e Meninas



Michele Hastreiter e Gustavo Glodes Blum
Professores do curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA e membros da equipe organizadora do Orange Day na Instituição. 


A Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada em 1945, na cidade de São Francisco, na Califórnia, onde foi assinado o seu tratado fundador (a Carta de São Francisco, ou Carta da ONU). Originalmente com 51 Estados Membros, passou a abarcar de forma crescente e progressiva quase todos os Estados independentes do mundo, com propósitos como a promoção da paz e dos direitos humanos internacionalmente[1]. Desde o seu inídio, destaca-se a promoção dos direitos das mulheres como um de seus objetivos específicos. O Preâmbulo da Carta, inclusive, afirma que a união das nações do mundo ao redor desta organização se daria em prol de

“preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla” (grifo nosso)

Nota-se, portanto, que desde sua fundação a ONU tem como um de seus objetivos e finalidades a promoção da igualdade de gênero. Diversas atividades relacionadas ao tema já foram realizadas pela organização – desde pesquisas voltadas à compreensão da extensão da desigualdade de gênero ao redor do mundo, até ações desenvolvidas pela organização, em parceria com governos, ONGs e empresas visando mitigar o problema. É bem verdade, porém, que apenas recentemente o tema tem ganhado mais destaque na Agenda da Organização. 

Em julho de 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas criou a ONU Mulheres, uma entidade especializada na luta pela igualdade de gênero e pelo empoderamento feminino, com o objetivo de acelerar os objetivos da Organização nesta área. Na época da sua fundação, a ONU Mulheres teve como sua Diretora Executiva a Presidente do Chile, Michelle Bachelet, buscando abrir espaços para demonstrar o poder das mulheres na política internacional. 

Na sequência, em julho de 2012, Ban Ki-Moon, o Secretário-Geral das Nações Unidas, em meio à campanha “UNA-se pelo fim da violência contra a mulher”, proclamou o dia 25 de cada mês como um Dia Laranja. Seguindo a lógica de atribuir-se uma cor a um movimento político ou social, em todo o mundo, as agências das Nações Unidas utilizam esses Dias Laranjas para dar maior visibilidade a ações de prevenção e eliminação da violência contra a mulher. A campanha ganhou uma importância ainda maior com a adoção, em setembro de 2015, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a serem alcançados pelos países da ONU até 2030. Dentre os 17 objetivos gerais e as 169 metas, a agenda reconhece a importância de se promover uma maior igualdade de gênero. Trata-se, precisamente, do ODS de número cinco, que é “atingir a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”

Nota-se, portanto, que a eliminação da violência contra as mulheres e a promoção da igualdade de gênero são objetivos prioritários da ONU desde sua fundação – e fazem parte do centro das preocupações da Organização na atualidade. Porém, apesar dos mais de 70 anos que nos separam da criação das Nações Unidas, há ainda muito o que avançar nesta temática. Alguns dados disponibilizados pela própria ONU são bastante alarmantes: estima-se que 35% das mulheres ao redor do mundo sejam vítimas de violência física ou sexual em algum momento de suas vidas – sendo que em alguns países este número pode chegar a 70%. Cerca de metade das mulheres vítimas de homicídio foram mortas por seus parceiros ou por membros da sua família (enquanto apenas 6% dos homens são mortos nesta situação). Ao redor do mundo, mais de 250 milhões de mulheres se casaram quando ainda eram crianças (com menos de 15 anos). 200 milhões de mulheres no mundo, em trinta diferentes países, passaram por mutilação genital. Mulheres e meninas representam 70% das vítimas do tráfico internacional de pessoas no mundo.

A violência contra a mulher também se manifesta de maneiras mais sutis, desde os abusos psicológicos até a discriminação de gênero pela imposição de padrões de comportamento e na desigualdade no mercado de trabalho. Neste sentido, os números também são expressivos: 43% das mulheres na União Europeia já sofreram alguma forma de violência psicológica e 01 em cada 10 mulheres no continente europeu também já sofreram alguma forma de assédio online. De acordo com o Relatório Global de Desigualdade de Gênero (Global Gender Gap Report) de 2015, as mulheres recebem hoje, em média, o que os homens recebiam há dez anos. As diferenças de pagamento entre homens e mulheres pelo mesmo trabalho diminuem em uma velocidade tão baixa que, estima-se, levará mais 118 anos até que mulheres recebam salários iguais aos dos homens para o mesmo cargo e funções. 

No Brasil, dos 4.762 homicídios de mulheres registrados em 2013, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo a maioria desses crimes (33,2%) cometidos por parceiros ou ex-parceiros. Além disto, segundo pesquisa do DataSenado, uma em cada cinco mulheres no Brasil já foi espancada pelo marido, namorado, companheiro ou ex. Em um estudo realizado em 2013, o IPEA estimou que existem 527 mil tentativas ou casos de estupro por ano no Brasil (dos quais apenas 10% é reportado à polícia). 

A Campanha do Orange Day visa promover uma maior consciência sobre este tema e debate-lo, com vistas a promover ações que levem à eliminação da violência contra mulheres e meninas.

É de se destacar que a violência contra a mulher é também é alarmante nas Instituições de Ensino Superior. Em dezembro de 2015, o Instituto Avon, em pesquisa realizada em parceria com o Data Popular ouviu 1823 universitários de todo o país. Nela, verificou-se que 42% das mulheres sentem medo de sofrer algum tipo de violência no ambiente universitário, sendo que 36% já inclusive deixaram de fazer alguma atividade pelo medo da violência

Espontaneamente, apenas 10% das mulheres relatam ter sofrido violência de um homem na universidade ou em festas acadêmicas, mas quando estimuladas com uma lista de exemplos de situações violentas, 67% reconhecem que foram submetidas a muitas delas. Estas situações podem ser violência física, estupro, tentativa de abuso quando sob efeito do álcool, ser tocada sem permissão, ser forçada a beijar veterano, comentários com apelos sexuais indesejados, cantadas ofensivas, abordagem agressiva, ingestão forçada de bebida alcoólica ou drogas, ser drogada sem conhecimento, desqualificação por ser mulher, piadas ofensivas por ser mulher, humilhação por professores e alunos, ofensa, ser xingada por rejeitar investida, músicas ofensivas cantadas por torcidas acadêmicas, imagens íntimas repassadas sem autorização, ser forçada a participar de atividades degradantes – como leilões e desfiles – e ser alvo de rankings – de beleza ou sexuais – sem autorização. 

Entre os estudantes do sexo masculino ouvidos, apenas 2% admitem espontaneamente ter cometido algum ato de violência contra uma mulher na universidade ou em festas acadêmicas, mas quando apresentados à mesma lista, este número sobe para 38%. 

O estudo indicou, também, que algumas das práticas violentas não são reconhecidas como tal pelos homens (27% não considera violência abusar de uma garota alcoolizada; 35% não considera violência coagir uma mulher a participar de atividades degradantes como desfiles e leilões; 31% não consideram como violência repassar fotos ou vídeos das colegas sem autorização). Estes dados evidenciam que debater o assunto no ambiente universitário é de extrema importância para aumentar a consciência de homens e mulheres acerca do problema. 

A UNICURITIBA aderiu à campanha da ONU e proclamou o dia 25 de cada mês como um Dia Laranja também no Centro Universitário. Nestas datas haverão uma série de atividades visando discutir o tema – começando pelo concurso da frase a estampar a campanha. Você pode se inscrever para participar em: www.unicuritiba.edu.br/orangeday.

----------
[1] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito Internacional Público. 9ª ed. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2015.

Leia Mais ››

terça-feira, 19 de julho de 2016

Redes e Poder no Sistema Internacional: O login, dos e-mails às redes sociais


A seção Redes e Poder no Sistema Internacional é produzida por integrantes do Grupo de Pesquisa “Redes e Poder no Sistema Internacional”, que desenvolve no ano de 2016 o projeto “Controle, governamentalidade e conflitos em novas territorialidades” no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca promover o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a inter-relação entre redes e poder no SI. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

O login, dos e-mails às redes sociais


Paulo Vergara *



A espécie humana é conhecida pela sua alta capacidade de adaptação. Essas adaptações ocorrem também no que tange o cotidiano em sociedade. Antes do ano de 2008, no Brasil, quando o iPhone trazia uma tecnologia e começava a se popularizar, ainda que em meio extremamente restrito e de posse de poucos, era comum entre as pessoas que possuíam computadores e laptops a seguinte frase: “não põe a mão na tela, porque suja”. Hoje, a maioria dos aparelhos eletrônicos funciona pelo toque – mais conhecido comon a “tecnologia touch”.

Uma das bases do mundo digital é o e-mail. Ray Tomlinson foi o criador dessa ferramenta, “um programador americano que usou a mesma rede de computadores que criou a internet como nós a conhecemos hoje”. O e-mail surge primeiramente com a finalidade de corresponder mensagens simples entre as universidades dos Estados Unidos e só então mais tarde iria receber diversas outras funcionalidades.

O sucesso das redes sociais como o Facebook e aplicativos como o Whataspp não se deve somente pela praticidade dessas redes digitais, mas sobretudo pelo desejo das pessoas em estarem conectadas, assim as pessoas utilizam as redes criando um movimento digital. No entanto, as novas configurações de realidade são paradoxais quando utilizados os termos de “sociabilidade”, uma vez que o mundo digital tende a tornar seus usuários cada vez mais reclusos e individualizados. A ideia inicial do e-mail e seus efeitos não foram diferentes, além da praticidade de envio e recebimento de cartas eletrônicas surgia, naquele contexto, um crescente desejo de estar conectado ao mundo por parte das pessoas envolvidas com as universidades americanas. Não tardou para que o e-mail deixasse de ser um simples correio eletrônico para se transformar no próprio endereço eletrônico de seus usuários. 

Com o mundo digital já estabelecido e a popularização da internet, os sites já haviam iniciado uma ferramenta que conhecemos por “login”. Para dar entrada aos domínios da web seria então necessários senha e nome de usuário, que muitas vezes era o próprio e-mail individual de cada internauta. 

As redes sociais estão criando vínculos com as mídias sociais. Esses liames são feitos da seguinte forma: faz-se o login com um simples clicar do mouse, “entrando com o Facebook”. Essa nova ferramenta possui uma lógica de comodismo ao não ter que criar todo um cadastro em que seria necessário cadastrar o e-mail, criar uma nova senha, nome e nome de usuário, sobrenome. Esse vínculo se assemelha ao que existe na química orgânica, na qual os elementos fazem ligações e criam cadeias, fazendo uma relação em que a rede social interage com determinados sites. Essas ligações tornam os usuários verdadeiros reféns de uma conta matriz, uma vez que caso queiram desativá-la perderiam, assim, as respectivas contas com que a ela foram vinculadas e isso ocorre nas mais diversas mídias digitais.

* Paulo Vergara é acadêmico do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA) e membro do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".
Leia Mais ››

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Redes e Poder no Sistema Internacional: Hooliganismo e futebol na Eurocopa 2016


A seção Redes e Poder no Sistema Internacional é produzida por integrantes do Grupo de Pesquisa “Redes e Poder no Sistema Internacional”, que desenvolve no ano de 2016 o projeto “Controle, governamentalidade e conflitos em novas territorialidades” no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca promover o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a inter-relação entre redes e poder no SI. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.


Engajamento e debate na era do Facebook



Erlon Murilo Madeira*



Em junho deste mês teve início a décima quinta Eurocopa. O campeonato reuniu países tradicionais no futebol como Inglaterra, Espanha, Itália e também algumas surpresas que chegaram longe na competição como Hungria e Islândia. A seleção campeã foi Portugal, mas o apoio que toda as equipes receberam durante o campeonato, transformaram o evento em algo a ser admirado e acompanhado pelo mundo todo.

Infelizmente, houve casos que roubaram a cena por alguns dias. Diversas brigas entre hooligans de diferentes países aconteceram pelas ruas das cidades sede. Estes torcedores, conhecidos por arranjarem brigas e causarem tumultos nos países e cidades que recebem jogos, têm sido uma constante no futebol europeu, sobretudo no apoio às suas seleções nacionais. Ingleses, russos, italianos e húngaros foram destacados pela truculência e maior incidência de participação nas arruaças que envolviam arremessos de cadeiras e assustaram aqueles que imaginavam que um continente com países tão desenvolvidos, não tivessem problemas de violência relacionada ao futebol. 

Ao analizar-se o comportamento desses grupos fica mais fácil entender os acontecimentos que mancharam a Eurocopa. Há ocorrência de brigas hooligans em diversos países europeus, e já haviam históricos de confrontos entre torcedores de clubes vindo dos mais diversos países europeus. Porém, nesta Eurocopa, os casos foram mais destacados e com maior relevância que em outros campeonatos realizados anteriormente.

Muito se fala a respeito de uma ligação entre o hooliganismo e as crises econômicas, e é possível que esta relação tenha surgido neste ano. Enquanto em seus países de origem esses torcedores enfrentam os problemas causados pela quebra financeira ocidental desde 2008, alguns deles se dedicaram à torcida e práticas de violência ou xenofobia dentro destas torcidas.

Em seus países de origem, eles enfrentam uma dificuldade econômica muito grande representada pelo preço dos ingressos dos campeonatos nacionais. Em países como a Inglaterra, uma das saídas para evitar cenas como o Massacre de Heysel, em 1985, no qual mais de 30 pessoas foram mortas e mais de 600 ficaram feridas em um confronto entre as equipes do Liverpool e da Juventus, na final da Liga dos Campeões da Europa.

O aumento na segurança e no preço dos ingressos revelam que as federações nacionais e os próprios países viram no aumento da dificuldade de acesso a estes jogos uma forma de evitar casos desta natureza. Porém, eles continuam a acontecer, mesmo que reprimidos pelo lado institucionalizado do futebol.

Isso representa uma das leituras que podemos fazer a respeito das relações entre o Estado e os seus subordinados. Como afirma Claude Raffestin em seu livro "Por uma geografia do poder", é possível afirmar que existem pelo menos duas facetas do poder: uma voltada à análise do Estado, e outra voltada para outras questões de poder. O Poder, com letra maiúscula, institucionalizado, se basearia nas capacidades do Estado de comandar seu território e sua população. O poder, com letra minúscula, se revelaria como as capacidades de ação e nas diversas relações possíveis de poder. 

De uma certa forma, pode-se afirmar que, com o aprofundamento da crise, os hooligans demonstram uma volta deste poder, com letra minúscula, às relações com os Estados. Fica claro a grande influência que os brigões tiveram na imagem da Eurocopa, sendo estes algumas vezes mais citados nos jornais que os próprios jogos. A ação de grupos que agem cada um em seu país mas tem histórico de atritos, fugiu de controle do Poder estatal.

* Erlon Murilo Madeira é acadêmico do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e membro do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".
Leia Mais ››

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Relações Internacionais em destaque: A Teoria Neofuncionalista e a União da América do Sul (UNASUL)

Artigo apresentando na disciplina de Teoria das Relações Internacionais ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.


Por: * Kimberly Oliveira


A UNASUL surge como proposta para a fusão do MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) e da CAN (Comunidade Andina de Nações), conjugando então as duas uniões aduaneiras regionais dentro de um ideal de integração sul-americana. A UNASUL se propõe a ser uma união supranacional que eventualmente substituirá os blocos que lhe compõe.
A América do Sul é composta por 13 países, em relação ao MERCOSUL: cinco Estados Partes; um em Processo de Adesão; seis Estados Associados; e um Estado (Guiana-Francesa) que não participa por ser território ultramarino francês.
E em relação a CAN (que também possui Estados da América Central no seu rol de membros): quatro Estados Membros; cinco Membros Associados (na estrutura da UNASUL); dois países Observadores (México e Panamá, ambos na América Central); e dois países que não fazem mais parte do bloco.
A região, apesar de rica em recursos naturais, apresenta como denominador comum para vários de seus países os graves problemas econômicos e sociais. Outro ponto em comum é a concentração da produção dos países em bens de consumo e produtos agrícolas, largamente voltados para a exportação como é o caso do café, banana, cacau e cereais (as commodities).
Com o intuito de impulsionar o desenvolvimento dos países da região e estimular o comércio entre os Estados através do modelo de Mercado Comum, a UNASUL surge com o proposito de seguir o modelo da União Europeia, no que diz respeito ao passaporte, parlamento, e em um futuro distante, uma moeda comum aos Estados Membros. A Declaração de Cusco foi um documento assinado por chefes de Estados como uma carta de intenções do bloco, no qual afirmam buscar parâmetros igualitários entre os países nos âmbitos politico, social, econômico, ambiental e infraestrutura.
O bloco seria então uma nova comunidade para unificar a América do Sul, englobando as politicas de livre comercio e circulação de bens e pessoas já existentes tanto no MERCOSUL como na CAN.

A Teoria Neofuncionalista

A teoria foi usada para explicar principalmente o processo de integração europeu que levou á União Europeia. Ernest Haas distingue quatro motivações para uma integração regional: o desejo de promover a segurança regional através de uma defesa conjunta; a promoção da cooperação para o desenvolvimento econômico; o interesse de uma nação mais forte em controlar nações mais fracas; e a vontade comum de unificação das comunidades nacionais numa entidade mais ampla. A integração possibilitaria uma proteção que um Estado sozinho não seria capaz de prover, mas a união das forças militares poderia então deter um inimigo. No caso europeu essa união deteria a União Soviética, considerada o inimigo da Europa na época.
Os Estados seriam o núcleo central (ou funcional), que dariam inicio ás negociações de integração por serem eles os responsáveis por tomarem as decisões politicas e serem os detentores da capacidade decisória no cenário internacional. O processo de integração então se esparramaria (spillover) e demandaria uma posição, a favor ou contra, da sociedade que é afetada pela integração. A sociedade não apenas assiste as negociações interestatais, mas procura uma forma de participar das negociações, e ao longo do tempo é integrada ao núcleo central junto com novos atores e setores relevantes.
A teoria neofuncionalista entende que o spillover demanda a criação de uma burocracia voltada para administrar as questões referentes à integração, com caráter supranacional, para conseguir superar as diferenças entre as nações, como por exemplo, os valores e interesses que não são necessariamente os mesmos em todos os Estados. A cooperação entre os países possibilita que interesses diferentes não causem conflitos, uma vez que interesses podem mudar ao longo do tempo devido a mudanças ocorridas nas sociedades, e assim as diferenças podem se acomodar. Dentro de um Estado encontramos os ‘’valores nacionais’’, que são os elementos centrais da identidade de determinado Estado, esses valores são defendidos e protegidos pelos Estados para assegurar a ordem para os diferentes grupos da sociedade.
Nos Estados democráticos, o grupo politico que venceu as eleições determina as regras e atua de acordo com os interesses dos grupos que lhe apoiaram sem esquecer os demais grupos. Para Haas, as decisões politicas são resultados desses múltiplos interesses. Os autores neofuncionalista acreditam que diversos grupos dentro da sociedade possuam visões diferentes para a politica externa de seu país. Haas divide esses grupos em cinco categorias, de acordo com o grau ou a interesse e a preocupação com as questões de politica externa: grupos permanente e diretamente ligados a questão de política externa, como organizações internacionais; grupos cuja principal função é a realização de demandas nacionais, por vezes seus objetivos podem ser dependentes de resultados de negociações externas; grupos interessados apenas nos problemas gerais da formulação de politica externa, como organizações civis; grupos preocupados com as questões domesticas, mas que por vezes se interessam por alguma questão de política externa; e grupos que só se interessam em questões externas em tempos de crise ou emergências, que representa a maior parte da população que só se interessa quando os temas de política externa passam a afetar diretamente as suas vidas.
O processo de integração é viável quando as expectativas das elites e as demandas e benefícios da integração convergem, pois essas podem sustentar o processo. A ligação entre as elites e as organizações nacionais são essências para garantir a integração regional de forma ampla.
Se os setores-chave, ou o governo, percebem que terão poucos benefícios com a integração regional, podem começar um processo de desintegração, que seriam o retrocesso do processo regional. Um quesito chave para a teoria neofuncionalista é a democratização do sistema politico, e seria essencial para o  spillover, levando as questões a diferentes grupos e possibilitando a participação destes na propagação e manutenção do processo de integração. Para garantir esse spillover, o governo deveria ser capaz de garantir a continuidade dos ganhos para os beneficiados e uma compensação para os prejudicados. As compensações são necessárias para equilibrar os possíveis efeitos prejudiciais da integração, e assim evitar que os prejudicados sem mobilizem contra a integração e dificultem o andamento do processo.
A teoria neofuncionalista prevê que a integração econômica não deve se basear apenas na remoção das barreiras administrativas e fiscais ao comércio, mas deve levar a uma politização do processo de integração. A politização ampliaria o numero de assuntos discutidos na agenda de negociações, antes considerados não pertinentes, significando uma maior soberania para o centro decisório da integração. A teoria também supõe a necessidade da criação de uma burocracia voltada para a administração das questões de integração, preferencialmente com caráter supranacional. As soluções regionais seriam facilitadas, já que os custos de politicas compensatórias podem ser divididos entre os membros do bloco, mesmo que isso exija uma maior coordenação e cooperação entre os países.
A análise neofuncionalista prevê duas alternativas no sistema decisório: o sistema intergovernamental; e o sistema supranacional. O supranacional é caracterizado pela presença de representantes dos Estados membros na tomada de decisões e a inexistência de instituições comuns com poderes acima dos Estados. Nas organizações supranacionais, além dos representantes dos Estados, são incorporados outros atores das sociedades envolvidas e as decisões tendem a ter mais autonomia em relação aos Estados nacionais. A burocracia administrativa é ampliada e um interesse comum é expandido. O aprofundamento da integração e do spillover teriam a supranacionalidade como consequência, e a existência deste representaria uma irreversibilidade do processo de integração, além de garantir a sua perpetuação. A sociedade ganharia um meio de intervenção na integração e os governos já não mais controlariam as negociações. A participação da sociedade, no entanto, não seria suficiente para forçar os Estados a fornecerem uma compensação para aqueles que fossem prejudicados, mas eles mesmos deveriam, segundo Haas, promover uma ação conjunta, baseada no supranacionalismo. Isso possibilitaria a formação de uma coalizão de interesses regionais, não mais estritamente nacional, e haveria assim um centro de fidelidade.
Haas aponta como os três principais problemas da teoria neofuncionalista como sendo as suposições: de que um modelo institucional definido marcaria os resultados da integração; o processo teria uma única direção; e o incrementalismo seria a principal forma de tomada de decisões.
O neofuncionalismo chega a outras conclusões como a de que o estuda da integração regional deve estar vinculado a analise do processo de interdependência internacional, e a integração seria então um regime internacional. A integração requer explicações que considerem as diferentes formas de evolução do processo, assim como os diferentes resultados que podem ocorrer.

Análise Crítica

A proposta de União da América do Sul pode ser a melhor alternativa para os países do conjunto. Haas identifica quatro motivações para uma integração regional, e duas delas se aplicam a formação da UNASUL, uma vez que os Estados membros não estão a procura de um sistema de proteção regional, não existe o interesse de uma nação forte de controlas as outras, há a vontade comum de unificação para uma comunidade mais ampla, e o desejo de promover a cooperação para o desenvolvimento econômico.
Mas seria esse desejo pela cooperação suficiente economicamente para sustentar um bloco constituído por países conhecidos pelos problemas econômicos? Embora países como o Chile e o Brasil- que passa por uma grave crise que afeta diversas áreas além da econômica- tenham um PIB per capita considerável, outros países como a Venezuela e o Peru não possuem uma economia semelhante a dos países citados anteriormente.
A área da UNASUL é quase quatro vezes o tamanho da União Europeia, mas tem um PIB per capita que representa menos da metade quando comparado ao Europeu. Existe no continente americano o potencial de investimento em grandes indústrias, agropecuária e as commodities, e em longo prazo é um investimento com grandes perspectivas de retorno econômico, o que poderia proporcionar ao bloco um retorno dos investimentos e também capital para investir em futuros negócios.
O Brasil tem na sua Constituição Federal, no Artigo 4º que "a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações". Um bloco econômico como a UNASUL poderia promover um grande desenvolvimento para países atualmente em graves crises como a Venezuela a recuperarem a sua economia e retomarem o crescimento econômico. Uma integração com países bem sucedidos é de interesse de todos, e assim uma ajuda financeira a países subdesenvolvidos é de interesses daqueles em desenvolvimento, uma vez que aumenta seu mercado consumidor e as oportunidades de investimento. Já que a integração prevê uma coordenação de politicas fiscais e monetárias.
Embora não seja uma das principais pautas no momento- já que não há no presente um inimigo em comum aos Estados-, a integração regional seria um instrumento importante de defesa das nações, já que ao menos os atuais dez membros do bloco se comprometeriam com a segurança regional. Essa segurança poderia também ajudar países como a Colômbia no conflito com as FARC, que em caso de uma integração com livre circulação de pessoas torna esse conflito não só um problema nacional colombiano, mas um caso para o bloco em conjunto. Esse comprometimento poderia, inclusive, solucionar esse caso, visto que a Colômbia não conseguiu ainda resolver, talvez com as forças de seus países vizinhos o grupo pudesse ser ter suas ações interrompidas. Outro ponto importante da integração referente à segurança é que as polícias federais teriam uma maior comunicação, facilitando o trabalho nas fronteiras para evitar o contrabando de armas, drogas e pessoas.
A UNASUL, portanto, é uma opção viável- em um futuro não muito próximo- para os países sul-americanos. Os Estados carecem, no entanto, da disposição dos países de arcarem com os custos iniciais de um integração, uma vez que nações como o Brasil e a Argentina enfrentam graves recessões e não poderiam, agora, se comprometer com os gastos necessários para a formação de um novo bloco no modelo da União Europeia.

Referências


* Kimberly Oliveira é acadêmica do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
Leia Mais ››