segunda-feira, 3 de novembro de 2014

As "Comfort Women" e a Segunda Guerra Mundial




Por Victoria A. Karam*


As “comfort women” foram mulheres e garotas – vindas do próprio Japão, Coreia, China, Filipinas, Burma, Tailândia, Taiwan, entre outros países - forçadas, pelo Império Japonês, a serem escravas sexuais, antes e durante a Segunda Guerra Mundial. O termo “comfort women” deriva de uma interpretação da palavra japonesa “ianfu” que significa prostituta.
Durante a Segunda Guerra Mundial, aproximadamente, 200.000 mulheres foram levadas as “comfort stations” pelo Exército Imperial Japonês e abusadas sexualmente, ficando conhecidas como as “Comfort Women”, assim, configurando o maior caso de tráfico humano durante todo o século XX.
            A situação das “comfort women” consistiu em uma grande violação aos direitos humanos que é pouco conhecida no Ocidente, fazendo com que essas mulheres ficassem presas em meio a todo o tabu que permeia as vidas dos asiáticos nos últimos sessenta e nove anos.
            As “comfort stations” foram criadas a pedido das autoridades do Exército Imperial como parte de sua presença na China. Tinham como objetivo diminuir o sentimento anti-japonês que crescia, conforme os oficiais do exército estupravam e violentavam mulheres por onde passavam – sentimento que apenas evoluiu com o Massacre de Nanquim, quando oficiais japoneses mataram e estupraram milhares de vítimas. Dessa forma, os segredos militares japoneses eram protegidos, uma vez que a cúpula militar acreditava que dentre as mulheres que se relacionavam com o contingente poderia haver alguma espiã, afinal, a maior parte das “comfort women” não dominava a língua japonesa.
Segundo conta a história, os primeiros sinais desses prostibulos podem ser encontrados por volta de 1931, ou seja, desde o Incidente da Manchúria. Com o transcorrer dos conflitos esses estabelecimentos se espalharam e em 1937, com o começo da Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937-1945), sua presença no território asiático tornou-se ainda mais forte.  As mulheres e jovens eram recrutadas em colônias – como Taiwan e Coréia – e outros territórios dominados pelo Japão. Geralmente eram enganadas com a ideia de que estavam sendo escolhidas como enfermeiras, garçonetes, empregadas e tipógrafas, outras eram compradas de suas famílias, dadas como pagamento de dívidas com a promessa que dentro de um ano retornariam para suas casas. Porém, a volta ao lar nunca era fácil e, muitas vezes, não chegava a acontecer, pois as mulheres não deixavam as “comfort stations” ou eram sequestradas e consideradas suspeitas de terem envolvimento com a resistência.
Com a expansão da Guerra, a presença japonesa continuava muito marcante e com isso as mulheres “recrutadas” passaram a viajar com uma autorização e sob vigilância militar, assim como novas mulheres passaram a integrar o grupo das “comfort women”, como garantia de que viveriam, mesmo que sacrificando sua liberdade. Entretanto, quando os japoneses começaram a perder sua força e a Guerra teve seus papéis invertidos - em decorrência ao ataque japonês à base militar Pearl Harbor, os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França declararam guerra ao Japão. Assim, a Guerra Sino-Japonesa, a Guerra do Pacífico e a Segunda Guerra Mundial misturaram-se e Chiang Kai-Shek passou a ser apoiado e a receber suprimentos e armamentos dos Estados Unidos. Nesse momento, o objetivo chinês passou a ser a vitória, essas mulheres, muitas vezes distantes de suas casas eram abandonadas ou deixadas para trás com militares que não tinham mais condições de acompanhar o exército.
A Segunda Guerra chegou ao fim em 1945, mas, para essas mulheres, mesmo sem guerra, não existia mais a paz que conheceram quando mais novas. Muitas delas deixaram de voltar para suas cidades natais e as que retornaram sofriam com doenças (venéreas ou não), feridas, estavam estéreis e viviam uma vida miserável, impedidas de esquecer tudo pelo que haviam passado, sem poder casar, além de serem obrigadas a esconder seu passado.
Atualmente, existe uma estimativa da Anistia Internacional sobre o número de mulheres que foram levadas às “comfort stations”, mas, o que vale ressaltar é que mesmo sessenta e nove anos depois, as sobreviventes vivem, todos os dias, com as marcas deixadas pelo tempo em que foram abusadas, mal tratadas e exploradas e com a sensação de impunidade, uma vez que ninguém foi responsabilizado pelo que essas mulheres passaram ao longo da Segunda Guerra Mundial.
Em 2000, o “The Women's International War Crimes Tribunal on Japan's Military Sexual Slavery”, foi criado por organizações não governamentais e entidades de proteção aos direitos humanos, com apoio de ex-membros de tribunais especiais do Tribunal Penal Internacional, para julgar os crimes cometidos contra as mulheres pelo exército imperial japonês. Em questão de um ano, a sentença foi proferida – em Haia, sede do TPI - e declarou culpados todos os indiciados. O Imperador Hirohito não foi condenado como indivíduo e sim como superior, tendo o poder de impedir que os crimes se perpetuassem. A sentença também exige um pedido de desculpas publicamente; que o Japão assuma a responsabilidade pelo ocorrido; que haja compensação por violar os Direitos Humanos e a reparação às vítimas. Esse tribunal teve como objetivo dar voz à dor das vítimas e levar os crimes japoneses ao conhecimento da comunidade internacional, focando-se em uma parte da história pouco abordada.

Por fim, até hoje, o Japão se recusa a ouvir os pedidos de reconhecimento e nega que tenha havido crimes contra a humanidade e violação dos direitos humanos no caso das “comfort women”. Alega que o veredito do “Women’s Tribunal” não deve ser considerado válido e nega-se a dar margem ‘as especulações sobre os crimes ocorridos entre 1931 e 1945.

*Victoria A. Karam é graduanda dos Cursos de Direito e Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. 

Referências:
STETZ, Margaret. Legacies of the Comfort Women of World War II. Armonk, N.Y.: M.E. Sharpe, 2001.
TANAKA, Yuki. Japan’s Comfort Women: Sexual Slavery and Prostitution during World War II and the U.S. Occupation. London: Routledge, 2002.
THOMA, Pamela. "Cultural Autobiography, Testimonial, and Asian American Transnational Feminist Coalition in the "Comfort Women of World War II"Conference." Frontiers: A Journal of Women Studies 21, no. 1/2 (2000): 29-54.
UENO, Chizuko. "The Japanese Responsibility for Military Rape During World War II." Asian Studies Review 17, no. 3 (1994): 102-107. 
WATANABE, Kazuko. "Militarism, Colonialism, and the Trafficking of Women:'Comfort Women' Forced into Sexual Labor for Japanese Soldiers." Bulletin of Concerned Asian Scholars 26, no. 4 (October-December 1994): 2-17.
Yoshimi, Yoshiaki. Comfort Women: Sexual Slavery in the Japanese Military during World War II. New York: Columbia University Press, 2000. 

Imagem: As vitimas do Exército Imperial Japonês durante a Segunda Guerra Mundial e seus apoiadores em uma manifestação durante uma reunião entre o Primeiro Ministro Sinzo Abe e o Presidente Beingno Aquino III, em 2013.http://static.rappler.com/images/comfort-women-rally-mendiola-epa-20130727-001.jpg

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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

As eleições na América do Sul e os projetos de integração da região





Por Gustavo Glodes-Blum*

Os anos de 2013, 2014 e 2015 foram e serão decisivos para a estrutura política da América do Sul. Nestes três anos, definiram ou definirão seus governos para os próximos mandatos sete dos doze países que constituem a região: Chile, Venezuela, Colômbia, Brasil, Uruguai e Argentina. Os resultados destas eleições alteram de forma leve ou profunda a cartografia política desta região, dependendo do país e do movimento político que nele ocorre, sobretudo com relação aos dois principais blocos de poder da região: a Aliança do Pacífico e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). A tabela abaixo apresenta o resultado das eleições já realizadas na região.

Ano
País
Turno
Candidato eleito
Candidato opositor
2013
Venezuela
Segundo
Nicolás Maduro (50,6%)
Henrique Capriles (49,1%)
Chile
Segundo
Michelle Bachelet (62,16%)
Evelyn Matthei (37,83%)
2014
Colômbia
Segundo
Juan Manuel Santos (50,95%)
Óscar Iván Zuluaga (45,00%)
Bolívia
Primeiro
Evo Morales (61,04%)
Samuel Doria (24,49%)
Brasil
Segundo
Dilma Rousseff (51,63%)
Aécio Neves (48,36%)
Uruguai
Segundo
A ser definido
2015
Argentina
A ser realizada

Estes seis países, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), representam 85% da economia da América do Sul, representando um forte desnível entre estes e os outros cinco países da região – Paraguai, Peru, Equador, Guiana e Suriname. Desta forma, os grupos políticos que ascenderam ou ascenderão aos governos serão responsáveis por determinar os rumos políticos e econômicos da América do Sul em razão de seus preceitos políticos. A tabela abaixo apresenta a produção de riquezas nos países da América do Sul em 2013, segundo o FMI:

País
Valor do PIB em Bilhões de Dólares
Porcentagem do PIB Regional
Argentina
488,213
12%
Bolívia
29,802
1%
Brasil
2242,854
54%
Chile
276,975
7%
Colômbia
381,822
9%
Equador
94,144
2%
Guiana
2,97
0%
Paraguai
28,333
1%
Peru
206,542
5%
Suriname
5,057
0%
Uruguai
56,345
1%
Venezuela
373,978
9%
América do Sul
4187,035
100%
Fonte: Fundo Monetário Internacional (FMI), Base de Dados da Perspectiva Econômica Mundial, Abril de 2014.

O que se apresenta, segundo os dados apresentados, é que a vitória política dentro de qualquer um destes países é muito relevante para compreender os projetos políticos que estão em andamento na região. Tanto a Aliança do Pacífico como o Mercosul encontram-se, atualmente, em um momento de revisão das suas estruturas. Enquanto a vitória de Michelle Bachelet no Chile representa uma possível estagnação do avanço da Aliança, diversos setores – sobretudo aqueles ligados à indústria e ao agronegócio – no Brasil e na Argentina questionam a continuidade do Mercado Comum.
O Mercosul, que foi criado em 1994 mas que ganhou força a partir do fim da década de 1990, se tornou, dentro da estratégia de integração regional, uma das forças motrizes da integração regional. Foi a partir do Mercosul que, em 2008, o ex-presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva criou, utilizando-o como plataforma para tal, a União das Nações Sul-Americanas, a UNASUL.
Esta estrutura, que previa uma profunda integração entre os países da América do Sul nos quesitos de energia, educação, saúde, ambiente, infraestrutura, segurança e democracia, segundo a própria instituição, conseguiu, pela primeira vez, reunir sob um mesmo espectro todos os países da região – inclusive países como a Guiana e o Suriname, tradicionalmente afastados de iniciativas regionais. Porém, com a entrada da Venezuela no Mercosul aceita pelo Parlamento paraguaio ao fim de 2013, finalizando um processo que se iniciara ainda em 2006, ambas as iniciativas foram enxergadas como pertencentes ao “Giro à Esquerda”, ou seja, aos governos populares de tendência de centro-esquerda que assumiram o poder nestes países.
Geopoliticamente, o Mercosul conta com um claro viés de aumento da integração tendo como base o apoio ao consumo interno, o aumento dos fluxos comerciais e industriais dentro do próprio bloco. Para isso, as estratégias de distribuição de renda e de desenvolvimento do mercado consumidor interno são fundamentais, tendo sido estas algumas das principais políticas perseguidas pelos governos de seus países-membros. A figura abaixo, criada pela Secretaria Geral do Mercosul, apresenta alguns dados a respeito dos Estados-membros do bloco.

Figura 1.  Estados-membros do Mercosul e dados internos ao Bloco.



Como contraposição ao “Giro à Esquerda”, os governos do México, do Peru, da Colômbia e do Chile criaram, em 2011, a Aliança do Pacífico. Esta estrutura tem uma intenção completamente diversa daquela do Mercosul. De acordo com sua Secretaria Geral, a Aliança busca, ao tentar criar uma Área de Livre Comércio, “converter-se em uma plataforma de articulação política, integração econômica e comercial, e projeção ao mundo, com ênfase na região da Ásia-Pacífico”.
Desta forma, fica clara a intenção dos governos destes países, que têm um nível maior de comunicação com o Oceano Pacífico que com as economias para além da Cordilheira dos Andes, de se inserir numa grande estratégia global de acesso ao mercado chinês e asiático em Geral. Criado no âmbito de governos com características neoliberais e mais voltadas às estratégias de inserção na lógica global da cadeia de produção, a Aliança se apresentou como uma contraposição ao Mercosul e à Unasul, já que seus preceitos ideológicos diferem destes últimos, sobretudo num forte apoio às estratégias dos Estados Unidos da América na região. A figura abaixo, produzida pela Secretaria Geral da Aliança, demonstra a intenção em perseguir este tipo de política.

Figura 2. Estados-membros da Aliança do Pacífico e sua inserção geográfica na zona costeira do Oceano Pacífico.
Fonte: Secretaria Geral da Aliança do Pacífico, 2014.



O quê demonstram as recentes eleições nos sete principais países da região é que, de certa forma, o projeto da Aliança do Pacífico é aquele que pode ser prejudicado em razão da recente cartografia política da região. A candidata de centro-esquerda Michelle Bachelet, que assume o seu segundo mandato como Presidente do Chile após derrotar a candidata de centro-direita Evelyn Mattheis no segundo turno, pode representar uma quebra na continuidade da Aliança e uma guinada tanto no Mercosul como na Unasul, instituição da qual, entre 2008 e 2009, Presidente pro tempore.

Dos países que já terminaram seu processo eleitoral, apenas a Colômbia apresenta a continuidade de um processo político que apoia fortemente a Aliança do Pacífico. Porém, devido a pressões externas e internas, haverá que se aguardar para perceber quais os reais impactos destas eleições nos processos de integração da região.


Gustavo Glodes Blum é Professor de Geografia Política do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA
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sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Não Conta na Aula




O palestrante André Fran entre o coordenador do curso de Relações Internacionais Rafael Pons Reis e de Marketing Fabiano Pucci do Nascimento 

                                                                                
 Por Ana Caroline Moreno *


“O importante aqui são as lições de vida”. Com esse objetivo na cabeça, um minidocumentário na bagagem e um piloto aprovado pela Multishow, surgiu o “Não Conta Lá em Casa”. Produzido, escrito e realizado por quatro amigos (André Fran, Felipe Melo, Bruno Amaral e Leonardo Campos), o programa serve, nas palavras do diretor, roteirista e social media André Fran como “uma ferramenta para quebrar preconceitos, derrubar paradigmas e - por que não? - tentar fazer desse um mundo melhor”.
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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

The United States Heading for a Crash*



Por Immanuel Wallerstein

President Barack Obama has told the United States, and in particular its Congress, that it must do something very major in the Middle East to stop disaster. The analysis of the presumed problem is extremely murky, but the patriotic drums are being turned to high pitch and almost everyone is for the moment going along. A cooler head might say that they are all flailing around in desperation about a situation that the United States has the major responsibility for creating. They don’t know what to do, so they act in panic.

The explanation is simple. The United States is in serious decline. Everything is going wrong. And in the panic, they are like a driver of a powerful automobile who has lost control of it, and doesn’t know how to slow it down. So instead it is speeding it up and heading towards a major crash. The car is turning in all directions and skidding. It is self-destructive for the driver but the crash can bring disaster to the rest of the world as well.

A lot of attention is focused on what Obama has and hasn’t done. Even his closest defenders seem to doubt him. An Australian commentator, writing in the Financial Times, summed it up in one sentence: “In 2014 the world has grown suddenly weary of Barack Obama.” I wonder if Obama has not grown weary of Obama. But it’s a mistake to pin the blame just on him. Virtually no one among U.S. leaders has been making alternative proposals that are more sensible. Quite the contrary. There are the warmongers who want him to bomb everybody and right away. There are the politicians who really think it will make a lot of difference who will win the next elections in the United States.

A rare voice of sanity came in an interview in the New York Times with Daniel Benjamin, who had been the U.S. State Department’s top antiterrorism advisor during Obama’s first term. He called the so-called ISIS threat a “farce” with “members of the cabinet and top military officers all over the place describing the threat in lurid terms that are not justified.” He says that what they have been saying is without any “corroborated evidence” and just demonstrates how easy it is for officials and the media to “spin the public into a panic.” But who is listening to Mr. Benjamin?

At the moment, and with the help of gruesome photos showing the beheading of two American journalists by the caliphate, the polls show enormous support in the United States for military action. But how long will this last? The support is there as long as it seems there are concrete results. Even Chairman of the Joint Chiefs of Staff Martin Dempsey in advocating military action says it will take at least three years. Multiply three by five and one might come nearer to how long this will go on. And the U.S. public is sure to become quickly disenchanted.

For the moment, what Obama is proposing is some bombing in  Syria, no U.S. troops “on the ground” but increased special troops (up to about 2000 now) as trainers in Iraq (and probably elsewhere). When Obama was running for president in 2008, he made many promises, as is normal for a politician. But his signature promise was to get out of Iraq, and of Afghanistan. He is not going to keep it. Indeed, he is getting the United States into more countries.

Obama’s coalition is going to offer “training” to those they define as “good guys.” And it seems this training is to take place in Saudi Arabia. Good for Saudi Arabia. They can vet all the trainees, and judge which they can trust and which they can’t. This may make it possible for the Saudi regime (at least as confused as the U.S. regime) to appear to be doing something, and help them survive a little longer.

There are ways of tamping down this catastrophic scenario. They involve however a decision to shift from warfare to political deals between all sorts of groups who don’t like each other and don’t trust each other. Such political deals are not unknown, but they are very difficult to arrange, and fragile when first made, until they solidify. One major element in such deals coming to fruition in the Middle East is less involvement of the United States, not more. Nobody trusts the United States, even when they momentarily call for U.S. assistance in doing this or that. The New York Times notes that, at the meeting Obama convened to pursue his new coalition, support from the Middle East countries present was “tepid” and “reluctant” because there is “increased mistrust of the United States on all sides.” So even if they go along in some limited fashion, nobody is going to show gratitude for any U.S. assistance. The bottom line is that the people of the Middle East want to run their own show, not fulfill a U.S. vision of what’s said to be good for them.

Artigo originalmente publicado no sítio virtual: http://www.iwallerstein.com
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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Uma Lei de Migrações para o Brasil


Por André de Carvalho Ramos, Deisy Ventura, Pedro Dallari e Rossana Reis*

Uma economia emergente, com grande visibilidade no plano internacional, naturalmente tende a se tornar receptora de imigração. A combinação entre globalização e desigualdade faz da mobilidade humana uma característica incontornável do mundo contemporâneo. Fechar o mercado é uma ilusão defendida apenas por ingênuos.
Da elite mundial hipermóvel e cosmopolita aos trabalhadores que cruzam o deserto para entrar nos Estados Unidos, o movimento é, mais do que nunca, a regra, e não a exceção. E é por tudo isso que o Brasil se tornou, desde o início da década de 1990, a opção de destino de muitos migrantes latino-americanos, europeus, asiáticos e africanos.
O grande desafio do Brasil é, portanto, definir que tipo de relação terá com as migrações internacionais. Quais são os interesses nacionais, e que tipo de legislação seria adequada para a promoção desses interesses?
A legislação vigente é de todo inadequada para lidar com esse desafio. Nosso Estatuto do Estrangeiro data de 1980 e é inspirado na Doutrina de Segurança Nacional. A principal preocupação do regime militar era facilitar a expulsão de estrangeiros considerados “subversivos”. Logo, a lei em vigor é incompatível com a nossa Constituição, com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, e ainda menos com os interesses do país.
Tal anacronismo levou o Ministério da Justiça a criar no ano passado uma comissão de especialistas para propor uma Lei de Migrações e promoção dos direitos dos migrantes no Brasil. Ao longo de um ano foram ouvidos órgãos do Estado, entidades sociais e estudiosos, o que resultou no Anteprojeto de Lei de Migrações, fortemente calcado na promoção dos direitos humanos. Ele cria uma Autoridade Nacional Migratória para coordenar a ação do Estado brasileiro nesse setor e, especialmente, para facilitar a regularização migratória, assim como promover a inclusão daqueles que estão aqui estabelecidos.
Propostas restritivas que abordam as migrações sob o prisma da segurança ou da seletividade econômica não contribuem para a diminuição dos fluxos, apenas para o incremento da vulnerabilidade dos migrantes. Políticas migratórias restritivas favorecem as redes de tráfico de pessoas e os intermediários na exploração de mão de obra, o que prejudica o mercado de trabalho e a sociedade em seu conjunto.
Por conseguinte, a Lei de Migrações deve ser pensada para o mundo real, isto é, um mundo em que, alheias a quaisquer obstáculos, as pessoas migram. São fundamentais a igualdade de direitos entre nacionais e estrangeiros e o esclarecimento dos migrantes em relação aos seus direitos.
Manejar as migrações não é uma tarefa fácil: os bens públicos são finitos e as diferenças culturais muitas vezes são difíceis de administrar. Embora a demografia brasileira seja marcada por ciclos migratórios, ainda subsistem mitos e estigmas sobre os estrangeiros. Discriminar o migrante de hoje é desonrar nossos antepassados migrantes. Ambos comungam o sonho de trabalho e vida digna. É também ignorar que buscamos um melhor tratamento dos brasileiros que se encontram no exterior. A qualidade de vida dos nacionais também depende do respeito aos direitos dos imigrantes que os cercam.
Felizmente, a construção de uma política migratória baseada nos direitos humanos coincide com o interesse nacional em construir uma sociedade mais justa, enriquecida pela diversidade humana.

*Artigo originalmente publicado no jornal Folha de São Paulo, em 14/09/2014. 
Link: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/09/1515395-andre-de-carvalho-ramos-deisy-ventura-pedro-dallari-e-rossana-reis--uma-lei-de-migracoes-para-o-brasil.shtml  
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segunda-feira, 15 de setembro de 2014

A evolução da Questão Escocesa: Repensar a autodeterminação e a representatividade no Estado-Nação contemporâneo



Participantes do movimento pela independência participam de uma manifestação em frente à BBC Scotland. A empresa pública de comunicação foi acusada de parcialidade na discussão, apresentando apenas as más consequências da separação

Por Gustavo Glodes Blum*

Na próxima quinta-feira, eleitores de toda a Escócia votarão naquilo que já se desenha como um grande marco na estrutura e na constituição do (até agora) Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte. Mesmo que o voto não seja obrigatório no Reino Unido, diversas análises preveem uma participação massiva da população daquele que pode ser o mais novo país independente no mundo. O jornal britânico The Guardian faz um acompanhamento muito interessante a respeito do assunto,1 e as atenções do mundo todo estão voltadas para o norte da Ilha durante essa semana. A grande questão é que o referendo de independência da Escócia tem menos a ver com definição de territorialidades e fronteiras que com legitimidade de governo e autodeterminação, levantando questões fundamentais do atual sistema internacional e sobre a política internacional pós-moderna.

A discussão a respeito da situação política da Escócia é muito representativa, também devido à sua “temporalidade”. Desde que o rei Jaime VI da Escócia se tornou, também, Jaime I da Inglaterra em 1603, iniciou-se um processo que, durante os séculos XVII e XX, levou à unificação estrutural e constituição do próprio Estado britânico: ao assumir a coroa dos dois países, Jaime VI e I unificou a linha sucessória política em uma mesma pessoa, recordando-nos do caráter mais absolutista dos Stuart em sua regência (dentro do possível no contexto britânico). Porém, ainda que reunidos sob um mesmo rei, os dois países continuaram convivendo com estruturas políticas separadas, parlamentos próprios e sistemas jurídico-legais distintos.

Apenas em 1702, um século após, os dois países seriam reunidos naquele que seria, então, o Reino Unido da Grã-Bretanha, através de uma lei sob a regência da rainha Ana da Grã-Bretanha. Este novo Reino reuniria, sob o comando do parlamento de Westminster, em Londres, os dois países sob uma mesma estrutura estatal. E 1800, haveria uma nova união de estados quando o Reino da Irlanda, até então uma entidade política separada, foi anexado ao Reino da Grã-Bretanha.  Por fim, em 1922, com a Independência do Éire, a quem chamamos de Irlanda, foram configuradas as atuais fronteiras políticas do Reino Unido. Mesmo assim, este não foi o fim das movimentações políticas internas ao Reino Unido.

Os movimentos separatistas, tanto da Irlanda do Norte (Ulster), como da Escócia foram muito fortes ao longo de todo o século XX. As outras duas nações que compõem o Estado britânico, Gales e Inglaterra, já desde há muito estavam “harmonizados”, e o movimento nacionalista galês se baseou, sobretudo, na recuperação de uma identidade regional, mais que em emancipação política ou secessão, como defendiam escoceses e norte-irlandeses. No Ulster e na Escócia, os conflitos com Londres foram muito mais violentos, simbólica e fisicamente, e diziam respeito à capacidade de autodeterminação destas nações dentro do Reino Unido, no caso da Escócia, ou a unificação com o Éire, no caso da Irlanda do Norte.

Assim, a constituição histórica do Estado britânico se apresenta como uma ação que não passou pelo crivo da sua população, ainda que tivesse forte apoio. Planejado e executado na época do imperialismo e adaptado no Entre Guerras, o Reino Unido é uma criação unitária, que ocorreu apesar das vozes contrárias, uma vez que a leitura sobre o que era um Estado na época era diferente. É isso que irá basear o questionamento da autoridade de Londres com relação à Escócia e ao Ulster já no século XIX, mas com mais força após a Segunda Guerra Mundial.

Ao longo do século XX, o movimento de independência viu-se, por um lado, apoiado em razão do florescimento cultural da década de 1960, que causou uma revitalização dos movimentos musicais e artísticos na Escócia a partir daquele período. Por outro lado, com a descoberta de reservas de petróleo no Mar do Norte a partir de 1970, Londres determinou um controle político cada vez maior na região.

Um grande conflito entre os escoceses e o governo britânico que também ocorreu nessa época foi o processo de desindustrialização ocorrido na gestão da Conservadora Margaret Thatcher, quando as minas de carvão do norte da Inglaterra e da Escócia, assim como as diversas unidades industriais que atuavam nas grandes e médias cidades escocesas desde o século XIX começaram a singrar outros mares dentro da perspectiva da desterritorialização da economia capitalista a partir da Terceira Revolução Industrial.

Os trabalhadores escoceses, grandes apoiadores do partido trabalhista devido às características econômicas da região, se viram duramente atingido pelo neoliberalismo de Thatcher e seu sucessor, John Major. E, mesmo com a chegada dos “Garotos de Glasgow” no poder na década de 1990, criticaram duramente os governos dos também escoceses Tony Blair e Gordon Brown que, na sua política do Novo Trabalhismo, e inspirados na Terceira Via de Anthony Giddens, deram forte apoio à terciarização da economia britânica, fortalecendo o apoio ao setor de serviços e às finanças, concentradas na City de Londres.

É nessa lógica político-partidária que se pode compreender, atualmente, a força do Scottish National Party (SNP), o Partido Nacional Escocês, que conseguiu, na década de 1990, realizar a devolução: a instauração de um parlamento que fizesse a regulamentação de assuntos internos à Escócia, garantindo um governo representativo dos habitantes da região. Até então, os escoceses elegiam apenas cerca de 60 parlamentares em Westminster, dos 650 assentos disponíveis para todos os distritos do Reino Unido. Na prática, isso representava uma falta de representatividade dos eleitores, que, dentro da lógica unitária da constituição do Estado britânico, deviam, necessariamente, atender aos comandos de Londres.

Dentro deste espectro, somam-se dois aspectos relevantes: mesmo com um Parlamento escocês instaurado em 1997, alguns aspectos relevantes da governança interna ao país estão concentrados nas mãos do parlamento britânico. Por outro lado, a vitória de David Cameron, líder do mesmo partido de Thatcher e Major, nas eleições de 2010 trouxe de volta a velha oposição entre trabalhismo e conservadorismo. Porém, o trabalhismo perdeu muito da sua força na Escócia em razão do apoio à financeirização da economia na década de 1990, assim como em razão do apoio às guerras perpetradas pelos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque – Blair foi um dos principais apoiadores, e Brown um daqueles que mais sustentou as ações militares.

Assim, ocorreu uma polarização política. Sem representatividade no Parlamento de Londres, aqueles que querem um governo eleito diretamente pelos constituintes escoceses tenderam à proposta pela Independência. Já aqueles que desejam continuar com a União, são acusados pelos independentistas de não defenderem uma autodeterminação da nação através de um ente político que atenda diretamente às necessidades da população. Os debates televisionados entre os dois líderes, o atual Chefe do Parlamente Escocês Alex Salmond e o antigo Chanceler britânico, o também escocês Alistair Darling, têm tido alta visibilidade, e a discussão tomou conta do país inteiro.

Voltando ao início da discussão, este tema é fonte de debates não apenas na Escócia, mas no mundo inteiro. O movimento de independência da Catalunha, por exemplo, está se mobilizando com mais força desde que uma pesquisa na semana passada indicou que os independentistas teriam ganhado vantagem na corrida.2 Da mesma forma, alguns outros movimentos, buscam, no plebiscito escocês, uma garantia de que, caso realizem processos democráticos, consigam se tornar independentes.

Porém, estamos vivendo num mundo conturbado. Uma das grandes questões colocadas àqueles que desejam a independência é: “e depois?”. Não se sabe como ficará a situação do próprio Reino Unido – afinal, não faria sentido falar em Reino Unido se não houver mais de uma Coroa. Também se questiona o futuro do Ulster, já que a independência escocesa abriria uma brecha jurídica para um plebiscito semelhante na Irlanda do Norte. Há, inclusive, a discussão de implantação de uma constituição para o Reino Unido, que até hoje não tem um direito constitucional positivado, ou a transformação do país em uma federação.3 Mesmo no Brasil, discute-se a possibilidade de criação de uma nova forma de gestão política no Estado, através da instalação de uma Assembleia Constituinte para a Reforma Política.4

Enquanto isso, vislumbramos no Oriente Médio o surgimento de um pós-Estado-Nação, para se utilizar o termo cunhado por meu colega, Prof. Andrew Patrick Traumann, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS, em sua sigla em inglês). Ao mesmo tempo em que desrespeitam fronteiras nacionais em razão do seu afã em reconstruir um Califado, forma político-estatal que não tem a ver com a noção de Estado-Nação, usando massivamente instrumentos de comunicação da contemporaneidade, tais como o Twitter e o YouTube para alcançar seus objetivos. Mesmo assim, são movidos por uma nostalgia a uma Era de Ouro passada, que remete a nacionalismos muito ligados ao arraigo territorial e a “imperialismos”. 5

Resta, portanto, um questionamento fundamental a respeito da representatividade dentro do seio daquele que é o ente principal do sistema internacional: o Estado-Nação. Ao se tratar a questão da representatividade, há a necessidade de se questionar o sistema representativo que vivemos, criado e instalado durante o século XX, para que atenda às demandas da democracia do século XXI. Mesmo na eventualidade de um voto contra a independência, os impactos do processo de independência da Escócia terá longos efeitos, tanto para o Reino (até agora) Unido, como para o mundo como um todo.

* Gustavo Glodes Blum é Professor de Geografia Política do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA.

1 Através da coordenação de Andrew Sparrow, o Guardian mantém o “Scottish Independence Blog”, com as principais movimentações políticas, econômicas e sociais da campanha: http://www.theguardian.com/politics/scottish-independence-blog.

2 “Cataluña celebra a su día mirando a Escocia”, Reuters, 10 de setembro de 2014. Disponível em http://lta.reuters.com/article/topNews/idLTAKBN0H51RO20140910.

3 Para o membro do Parlamento Galês David Melding, mesmo caso haja um voto a respeito da permanência da Escócia no Reino Unido, haverá uma forte discussão a respeito da gestão de um Estado multinacional. Disponível em “Yes or no, the Scottish independence referendum will have a lasting impact on the coherence of the multi-national state”, 10 de setembro de 2014, em http://www.democraticaudit.com/?p=1405.

4 O Movimento “Plebiscito Constituinte” desenvolveu, nas últimas semanas, um plebiscito popular a respeito da questão. Suas plataformas estão disponíveis em http://www.plebiscitoconstituinte.org.br/. Uma análise a respeito de seus efeitos, de autoria dos Professores Egon Bockmann Moreira (UFPR) e Heloisa Fernandes Câmara (UNICURITIBA) está disponível em http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1498612&tit=Poder-constituinte-e-reforma-constitucional%3A-ate-onde-se-pode-ir%3F-.


5 O próprio Professor Andrew P. Traumann traça uma análise interessante a respeito do ISIS neste blog, em http://internacionalizese.blogspot.com.br/2014/07/isiso-califado-e-desagregacao-completa.html
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terça-feira, 15 de julho de 2014

A Escalada da Desesperança: O Novo Conflito em Gaza



A manifestação em Tel Aviv é de 2009,mas a imagem vale para hoje: além dos bombardeios,a população civil sofre com as privações do dia a dia....

Por Andrew Patrick Traumann*

Mais uma vez assistimos a uma ofensiva israelense na Faixa de Gaza. É a terceira desde o desmantelamento dos assentamentos israelenses por Ariel Sharon em 2005 e as três têm características semelhantes. O fracasso nas negociações e algum incidente envolvendo civis de ambos os lados deflagra uma nova operação militar que não possui chance alguma de ser bem-sucedida. A mídia, imediatista como é de sua característica, reduz o conflito  atual a uma resposta ao assassinato de três colonos israelenses. Evidentemente este foi o estopim (lembrando que dias depois um jovem palestino foi queimado vivo por um grupo de israelenses) e não a causa da atual ofensiva do governo de Tel Aviv.
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domingo, 6 de julho de 2014

ISIS:o Califado e a Desagregação Completa do Estado Iraquiano




Propaganda do grupo ISIS divulgando a "libertação" da cidade de Mossul das mãos do governo iraquiano

*Por Andrew Patrick Traumann

O califado é uma instituição criada em 632 d C na ocasião da morte do Profeta Maomé. A palavra Khalifa em árabe significa sucessor e portanto o califado foi criado para liderar a comunidade muçulmana na ausência de Maomé. O falecimento de Maomé vai marcar também o primeiro cisma no islamismo,a divisão entre sunitas e xiitas. Os primeiros queriam que o califa fosse escolhido por aclamação entre os membros da comunidade enquanto os segundos os Shi’at Ali (partidários de Ali) queriam que o califado fosse um sistema dinástico,e que Ali,primo e genro de Maomé fosse o novo califa. A ruptura política mais tarde evoluiria para uma série de diferenças teológicas entre os dois grandes ramos do islamismo. Os sunitas consideram apenas os quatro primeiros califas como rashidun ou corretamente guiados espiritualmente falando. O fato é que com a expansão do Império Islâmico os califas se tornaram cada vez mais líderes  políticos e menos espirituais. Esse papel passou a ser exercido por clérigos que exerciam sua autoridade religiosa apenas a nível local. De todo modo o califado enquanto instituição existiu até 1924 quando foi abolido por Kemal Ata Turk, pai da Turquia moderna.
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