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terça-feira, 21 de setembro de 2021

Esmagadas pelo regime: os direitos das mulheres afegãs à beira da extinção após a tomada do Talibã


    A tomada de poder pelo Talibã foi fortemente sentida pela população afegã. Não passou despercebido o fato de que com a volta do grupo extremista, os direitos conquistados pelas mulheres do país até então, foram ceifados. 
    Desde a assunção do grupo, as mulheres não podem circular pelas ruas a não ser que acompanhadas por algum homem, tiveram de entregar seus postos de trabalho a um homem de sua família e deixar os estudos. 
    Apesar da visão e da construção social do país serem diferentes das perpetuadas no Ocidente, em alguns períodos, a sociedade afegã foi marcada por um maior grau de liberdade às mulheres. Em especial, durante a década de 70 e 80, com o estabelecimento da República Democrática do Afeganistão e da República do Afeganistão, um rol de direito foram concedidos às mulheres – em que pese não fora uma concessão ampla e irrestrita –, o que possibilitou que muitas ingressassem no mercado de trabalho e nos estudos. Estes direitos foram majoritariamente preservados quando, mais em diante, ocorreu a transição para o Estado Islâmico do Afeganistão. 
    Foi com a primeira ascensão ao poder do grupo extremista que os progressos até então alcançados foram revogados. Não somente os direitos das mulheres, mas diversos direitos humanos foram violados com o início da tomada talibã. Um “governo” permeado de violência, severidade, abusos e interpretações exacerbadas da religião. 
    Em entrevista com a Prof. Doutora Priscila Caneparo – advogada, doutora em Direito Internacional e professora da casa de Direitos Humanos, Direito Internacional e Direito Contitucional – pudemos melhor compreender a realidade e o cenário histórico, ambos extremamente permeados de minúcias, que cercam a atual realidade das mulheres no Afeganistão. Antes desta tomada, as mulheres afegãs já passaram por um histórico de restrições em seus direitos, até mesmo sob a presença dos EUA no país. Contudo, sabemos que a tomada do Talibã significou um retrocesso aos pequenos avanços até então feitos. Quando questionada sobre como se deram as restrições do Talebã, respondeu:
Bom, a gente tem um conhecimento histórico que, desde que o Taleban assumiu o poder no Afeganistão, na década de 90, tem-se uma interpretação muito deturpada da Sharia naquele contexto, o que faz com que haja uma perpetração de violência contra os direitos das mulheres. Não obstante, boa parcela da sociedade afegã – especialmente a do sexo masculino – concorda, desde sempre, com tal postura, o que fora, de fato, um empecilho para a consolidação de direitos ao longo da invasão do território pelas potências Ocidentais. Ainda assim, vários direitos forem estabelecidos, especialmente no que tange à liberdade de locomoção e ao direito à educação das mulheres. Segundo dados da ONU, nestes (poucos) dias de retomada do poder pelo Taleban, as mulheres já vêm sofrendo não apenas restrições, mas violências contra seus direitos, incluindo, aí, execuções sumárias, limitação ao direito de se locomover, ao seu direito ao trabalho e, especialmente, as meninas não podem mais frequentar escolas. 
    Ante às violações imediatas impostas pelo regime, e abarcados pela visão talibã, as mulheres, em realidade, tiveram sim seus direitos e liberdade prometidos, mas “de acordo com a lei islâmica”, como transmitiu o porta-voz do obstante, a lei islâmica, neste caso, deve ser entendida como a interpretação extremista pregada por um grupo ideológico radical. Sobre a possibilidade desta promessa de fato ser concretizada, prof. Caneparo respondeu: 
Não acredito, mas há de se contextualizar a resposta. Obviamente, o Taleban que ascende ao poder neste momento é diferente daquele que se encontrava no poder na década de 90. Muitos dos seus atuais integrantes moraram por um bom tempo em Doha, onde tiveram contato com uma sociedade mais tolerante, permitindo, até mesmo, que as mulheres do núcleo viessem a estudar naquela realidade. Não obstante, muito daquilo que grande parcela da população admira no Taleban é que se sentem representados pelo próprio radicalismo e barbáries contra as parcelas vulneráveis da população – incluindo, aí, as mulheres. Ser mais flexível, no caso do Taleban, infelizmente, significa perder boa parcela de seus apoiadores. 
    Como se pode perceber, os mecanismos de manipulação e domínio utilizados pelo Talibã pautam-se em fundamentalismo e nacionalismo de cunho radical, que ergue muitos pleitos em nome da religião. Mas é importante ultrapassar a visão simplista de que a religião seria a justificativa do grupo para a diminuição dos direitos das mulheres. Para tanto, destaca a Dra. Priscila que: 
Aí reside, de fato, um grande problema: confundir religião, liberdade de expressão da mulher a partir de suas vestimentas para com um regime retrógrado e perpetrador de violência, como é o Taleban. O Taleban justifica suas ações em nome da religião, mas a verdade é que a interpretação deturbada da Sharia faz com que tenhamos uma estruturação societária em que nada se assemelha com aquilo que prega o islamismo. É necessária uma comparação qualitativa em termos de direitos das mulheres: a Arábia Saudita, ainda que fundamentalista, tem avançado cada vez mais na consolidação e estruturação dos direitos das mulheres, baseando-se, inclusive, nas leis religiosas para tal interpretação. Ademais, o objetivo do Taleban não é apenas promover o jihad, mas sim expandir seu território, em termos bem objetivos, que nada se atrela à religião.
    Obviamente, o cenário dos direitos das mulheres afegãs é extremamente preocupante e já captura atenção da comunidade internacional acerca de formas de viabilizar uma solução. Dentre as medidas possíveis, analisa-se a concessão de refúgio e vistos humanitários. Com efeito, alguns países já se propuseram a conceder os vistos humanitários, o Brasil, inclusive, autorizou a emissão de vistos humanitários à afegãos fugindo do regime Talibã, no que pode ser considerado um grande avanço em nossas políticas humanitárias. Contudo, não houve, até o momento, uma discussão a nível global que visasse uma cooperação multilateral entre os países para garantir aos afegãos estes direitos. A respeito da possibilidade da formação de uma coalisão global para aceitar as mulheres vítimas de violações como refugiadas, Prof. Priscila esclareceu:
Possibilidade sempre há, o que falta, de fato, é o empenho dos países em aceitarem tais refugiadas – especialmente no que tange ao continente europeu. A retórica, no início de uma deterioração de direitos humanos, é sempre pro persona, mas quando se chega na hora de receber esta parcela vulnerável, os governos impõem diversas limitações e restrições. Devemos lembrar que a própria Grécia já construiu um muro para evitar que os deslocados alcancem os solos europeus – e a União Europeia não lhe impôs nenhuma sanção, ainda que a União Europeia tenha, novamente na retórica, dito para que os países aceitem a população afegã descolada e passível da concessão do refúgio.
    Por mais que tenha ocorrido de forma radical, a restrição de direitos do Afeganistão, lança u olhar de preocupação sob outras formas de restrição de direitos femininos, por vezes mais sutis, em outros países do mundo. No Brasil, mais especificamente, em face de projetos de lei e decisões judiciais que ferem direitos constitucionalmente garantidos às mulheres, aumenta-se a preocupação sobre a garantia dos direitos femininos. Sobre eventual paralelo entre as restrições de direitos nos dois países, Caneparo pontuou que: 
Acho muito difícil fazer esta comparação. Aqui, temos um Estado laico e uma independência entre os poderes. Felizmente, ainda que tais (absurdos) projetos sejam sancionados, temos uma estrutura judiciária apta a barrar tais atrocidades constitucionais. Não obstante, o que me preocupa – e aí é uma pergunta que realmente só o tempo poderá nos responder – é se os valores da sociedade brasileira estão caminhando para o fundamentalismo que se encontra presente em algumas realidades mundanas. É inegável que observamos uma onda evangélica em termos axiológicos na nossa realidade nacional. O problema é quando começarem, de fato, ditarem as regras a partir de sua interpretação. Só o tempo dirá se, de fato, teremos tal cenário no Brasil.
    Em suma, o que se extrai das considerações feitas pela Prof. Priscila Caneparo e pelo atual panorama, é que a questão relativa ao direito das mulheres no Afeganistão está atrelada não somente a um modo de sociedade diferente, mas também pela perpetuação de ideais totalitários de um grupo extremista. Para evitar constatações baseadas meramente na superfície deste problema, faz-se necessário que compreendamos as minúcias da comunidade afegã e o contexto internacional como um todo. 

Referências
EXECUÇÕES sumárias e restrições às mulheres: o que diz primeiro relatório da ONU sobre nova era Talebã no Afeganistão. BBC. 25 ago.2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58330742.
DIREITOS das mulheres no Afeganistão. Hisour. 2021. Disponível em: https://www.hisour.com/pt/womens-rights-in-afghanistan-37352/.
ENTENDA o que ocorre no Afeganistão e a volta do Talibã. El País. 17 agostos 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-08-16/entenda-o-que-ocorre-no-afe ganistao-e-a-volta-do-taliba.html.
AFEGANISTÃO: a história de quem já vivia sob o controle do Talebã. BBC News. 16 agosto 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-58230121.
WOMEN’S RIGHTS IN AFEGHANISTAN. Amnesty International. 2014. Disponível em: https://www.amnesty.org.uk/files/women_in_afghanistan_fact_sheet.pdf.
THE Fragility of Women’s Rights in Afghanistan. Human Rights Watch. 17 agosto 2021. Disponível em: https://www.hrw.org/news/2021/08/17/fragility-womens-rights-afghanistan.
GOVERNO brasileiro autoriza a concessão de visto humanitário a afegãos. G1. 03 setembro 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/09/03/governo-brasileiro-autoriza-a-co ncessao-de-visto-humanitario-a-afegaos.ghtml.

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sexta-feira, 15 de maio de 2020

"É para o meu TCC": A violência doméstica é um problema internacional.

 (Foto: POLONEZ / SHUTTERSTOCK)



Por Suelyn Bidas*


Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) atualmente 50% dos refugiados são mulheres e meninas[1]. Mas por quê as mulheres buscam refúgio? Será que pelos mesmos motivos que os homens?  

Primeiramente, é preciso entender o instituto do refúgio. A acolhida de pessoas em situações de vulnerabilidade e que se deslocam em busca de proteção tornou-se um costume internacional por ter existido consistentemente ao longo de toda história. Sob a alcunha de “asilo”, o direito de qualquer pessoa de solicitar proteção de outro Estado que não o seu foi positivado por meio da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. Já o instituto do refúgio como o conhecemos surgiu no âmbito da Liga das Nações, graças à demanda levantada pelo grande número de pessoas que fugiam da União Soviética[2]. Atualmente, o refúgio é regulado internacionalmente pela Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, revisada pelo protocolo de 67, que ampliou a definição de refugiado, aumentando assim o seu escopo.

No entanto, não existe nenhuma diferenciação entre refugiados homens e mulheres nesses documentos. Assim, a questão de gênero acaba sendo negligenciada, o que, além de obstaculizar a elegibilidade das mulheres ao status de refugiado, as expõe à inúmeras violências ao longo do percurso. Segundo dados da ONU, uma em cada cinco refugiadas sofreu violência de gênero[3].

É inegável, portanto, a existência de uma dimensão de gênero aplicável ao refúgio. Já de início, os motivos que levam as mulheres a fugir de seus países diverge dos motivos dos homens. As mulheres costumam ser as primeiras a terem seus direitos humanos violados em contextos de conflitos armados e guerras, o que se dá, em partes, pois ocupam uma posição inferior na sociedade.  Além disso, as mulheres geralmente têm seus direitos humanos de “segunda geração” violados (direitos mais ligados à esfera privada), sendo que a Convenção e o Protocolo apenas elencam direitos civis e políticos como causas reconhecidas para a concessão do status de refugiado.

Ademais, geralmente os Estados interpretam os diplomas internacionais de forma a entender o Estado como único agente de perseguição, enquanto na realidade os algozes das mulheres são geralmente agentes não-estatais, como milícias, grupos paramilitares, grupos criminosos, a comunidade da qual fazem parte e, muitas vezes, a própria família[4].

Para tentar suprir essa deficiência e mitigar seus efeitos, atualmente têm se usado do motivo de “pertencimento a determinado grupo social” e da “perseguição baseada no gênero” para encaixar as mulheres cuja má sorte não é contemplada pelos critérios usuais do refúgio (raça, nacionalidade, opinião política e religião). Uma das dimensões da “perseguição baseada no gênero” mais vilipendiada é a doméstica e familiar. Comumente considerada uma questão meramente privada, o tema da violência contra a mulher no espaço doméstico tem ganhado espaço no cenário internacional com o avanço na temática dos direitos humanos e por meio de convenções específicas sobre o tema, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres, a qual admitiu a vulnerabilidade das mulheres refugiadas.

Assim, alguns países têm concedido refúgio às mulheres vítima de violência doméstica. O Canadá tem se destacado na acolhida de mulheres vítimas de perseguição de gênero. De acordo com a CBC News[5], a perseguição de gênero é a razão mais comum pela qual mulheres pediram refúgio no Canadá nos últimos 5 anos. Metade desses pedidos são em razão de violência doméstica. O órgão de imigração canadense “Immigration and Refugee Board” (IRB) julgou entre os anos de 2013 e 2017 quase 3.000 pedidos de refúgio baseados em alegações de violência doméstica, sendo que 58% destes foram aceitos.

 Segundo Catherine Dauvergne[6], em casos de violência doméstica ou qualquer outro ato persecutório ocorrido dentro da esfera privada, a análise do pedido de status de refugiado acaba sendo baseada principalmente na existência ou não de proteção estatal no país de origem. Para Dauvergne, esse alto número de pedidos reflete a falta de mecanismos efetivos de proteção à mulher ao redor do mundo. Dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) apontam que 49 países não possuem leis de proteção para mulheres em situação de violência doméstica[7].

O objetivo do trabalho “Gênero, refúgio e migração: possibilidades de acolhimento para vítimas de violência doméstica” é justamente compreender como a questão de gênero permeia as migrações forçadas e como a violência doméstica pode ser conjugada a uma política migratória de acolhimento no ordenamento jurídico dos países e no Direito Internacional. Por meio de revisão teórico-bibliográfica, pretende-se expor e contextualizar o instituto do refúgio e a perseguição baseada no gênero, assim como analisar a conjuntura internacional em relação à concessão do status de refugiado para indivíduos - especialmente mulheres - que fogem da violência perpetrada por seus companheiros ou familiares.

 Será questionado se a violência doméstica deve constituir perseguição de gênero, tomando como exemplo o caso do Canadá, que como dito anteriormente, é o país no qual essa modalidade de perseguição é a principal razão pela qual as mulheres buscam refúgio. Por fim, concluir-se-á que a violência doméstica é um problema de proporções endêmicas muitas vezes ignorado pelas autoridades dos Estados, fazendo com que as mulheres resolvam fugir de seus lares em busca da proteção que não encontraram nos seus países de origem.

 Portanto, é necessário que existam mecanismos internacionais de proteção a essas mulheres, que devem sim se encaixar no rol de motivos para concessão do refúgio. 



“But there is one universal truth, applicable to all countries, cultures and communities:  violence against women is never acceptable, never excusable, never tolerable”. - Ban Ki-moon



[1] UN WOMENWomen refugees and migrants. Disponível em: https://www.unwomen.org/en/news/in-focus/women-refugees-and-migrants#notes. Acesso em: 28 abr. 2020.
[2] JUBILUT, Liliana Lyra. O direito internacional dos refugiados e sua aplicação no ordenamento jurídico. São Paulo: Método, 2007.
[3] AGÊNCIA BRASIL. Uma em cada cinco refugiadas sofreu violência de gênero, revela ONU. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2017-06/uma-em-cada-cinco-refugiadas-sofreu-violencia-de-genero-revela-onu. Acesso em: 27 abr. 2020.
[4] KELLY, Nancy. Gender-Related Persecution: Assessing the Asylum Claims of Women. Cornell International Law Journal, [s. L.], v. 26, n. 3, p.625-674, Feb. 1993. Disponível em: <http://scholarship.law.cornell.edu/cilj/vol26/iss3/5>.

[5]  CBC NEWS. Refugees come to Canada to escape gender persecution. Disponível em: <https://www.cbc.ca/news/thenational/refugees-come-to-canada-to-escape-gender-persecution-1.4525746 >. Acesso em: 01 abr. 2019.
[6] CBC NEWS. Gender persecution the top reason women seek asylum in Canada. Disponível em: <https://www.cbc.ca/news/canada/asylum-seekers-data-gender-persecution-1.4506245 >. Acesso em: 01 abr. 2019.
[7] ONU-BR. Mais de 200 milhões de mulheres no mundo não têm acesso à saúde sexual e reprodutiva, alerta UNFPA. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/mais-de-200-milhoes-de-mulheres-no-mundo-nao-tem-acesso-a-saude-sexual-e-reprodutiva-alerta-unfpa/>. Acesso em: 01 abr. 2019.

*A acadêmica Suelyn Bidas está no sétimo período de Relações Internacionais. O texto acima é parte de seu trabalho de conclusão de curso, orientado pela Professora Michele Hastreiter. 
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segunda-feira, 29 de abril de 2019

Opinião: Turismo sexual no Brasil e a frase de Jair Bolsonaro


Por: Igor V. Brandão**



Em reunião com vários jornalistas no Palácio do Planalto na última quinta-feira (25), o Presidente Jair Bolsonaro teria proferido um impactante comentário – especialmente se considerada as conexões lamentáveis entre turismo e exploração sexual em nosso país. Questionado sobre sua posição frente a comunidade LGBT, diante da decisão do Museu Americano de História Natural, de Nova York, em recusar-se a homenageá-lo e da declaração do prefeito da cidade americana, Bill de Blasio, ao chamá-lo de “racista e homofóbico”, o Presidente da República teria afirmado que “O Brasil não pode ser um país do mundo gay, do turismo gay. Temos famílias. Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como o paraíso do mundo gay aqui dentro”. 

O Brasil, infelizmente, tem uma imagem estereotipada no exterior ligada não só ao futebol, mas também à prostituição - muitas vezes até atrelada a exploração infantil. Inúmeros turistas vêm ao país com o intuito de provar essa “iguaria” - uma vez que as mulheres brasileiras são tratadas como produto.

O turismo em si move uma circulação de renda muito generosa em vários destinos brasileiros, “bonitos por natureza”. No entanto, os atrativos turísticos locais não se resumem as belas paisagens, mas também envolvem a exploração da prostituição de mulheres e até crianças. 

No final de 2018, os Ministérios dos Direitos Humanos e Turismo, assinaram uma portaria ao Código de Conduta do Trade Turístico para o Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, para que empresas combatam a exploração infantil em locais de atração turística. Este fato evidencia o que há tempo acontece no país, levando como exemplo os dados de 2017 do Disque 100, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, de que 50crianças por dia são vítimas do abuso turístico, sendo o Ceará o estado commaior índice desse tipo de atividade, segundo dados do estudo intitulado Mapear da Polícia Federal, juntamente com Childhood Brasil, organização criada em 1999 pela Rainha Silvia da Suécia.  O Paraná ocupa a quinta posição.

Durante a Copa do Mundo de 2014, jovens mulheres protestavam no país. Dentre elas, um cartaz dizia “Copa do capital. Exploração sexual!”, enfatizando a temporada em que as mulheres - muitas escravizadas por cafetões e cafetinas - eram servidas em maior oferta aos estrangeiros que visitavam em grande quantidade o país. Em tempos mais recentes, mulheres venezuelanas refugiadas ou imigrantes ao Brasil, encontram na prostituição o seu sustento e o da família - que em alguns casos, ainda estão na Venezuela, a mercê da mesma exploração.

Nenhuma lei no país criminaliza a prostituição, apenas a indução à mesma. Além disso, é entendido por especialistas independentes da ONU que a criminalização colocaria as mulheres em situação de injustiça, vulnerabilidade e estigma , indo contra as leis de direitos humanos internacionais. “O que elas precisam é de garantias de acesso a serviços de saúde sexual, proteção em relação à violência e discriminação e acesso a oportunidades econômicas alternativas.”, segundo Frances Raday, britânica e especialista em direitos humanos.

No entanto, mesmo quem conheça pouco sobre o Código Penal, identifica claramente a ilegalidade em “induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem” (Art. 227) e “induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la...” (Art. 228). A frase atribuída ao Presidente Jair Bolsonaro não só ofende a comunidade LGBT, quando desrespeita o direito constitucional de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”(Constituição Federal de 1988, Art. 3, inciso IV), mas viola também a dignidade das mulheres brasileiras.
Como o governo atual parece ser direcionado a criar polêmicas, não será inédito se a assessoria de Bolsonaro, muito em breve, pronunciar-se tentando “driblar” com argumentos infundados as afirmações do Presidente. Entretanto, façamos com que este discurso desrespeitoso seja mais um exemplo da necessidade de discutir o feminismo de forma a garantir a conscientização do abuso rotineiro da mulher no Brasil, em suas mais amplas versões seja pelo feminicídio, pela violência física e psicológica, pelo assédio sexual e moral, pela exploração da prostituição e também pela deturpação da visão estereotipada da mulher brasileira no exterior.

Sendo homem, não sou a pessoa mais versada para discutir sobre a luta diária das mulheres brasileiras, mas me coloco como um forte simpatizante - e isto é dever de todos os homens brasileiros: uma vez que sou filho de uma mulher, irmão, padrinho e futuro pai de meninas – e, o que é mais básico e essencial: um ser humano -  não aceito nada menos do que tudo o que elas reivindicam. Quero participar de medidas que garantam o respeito em sua forma mais geral possível e, nós, estudantes de Relações Internacionais, podemos trabalhar a partir de órgãos internacionais que desenvolvem medidas para essas garantias.
A Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres, ou simplesmente ONU Mulheres, foi fundada em 2010, sendo uma agência especializada que teve como sua primeira diretora-executiva a ex-Presidente do Chile, Michelle Bachelet, cargo hoje ocupado por Phumzile Mlambo-Ngcuka, ex-vice-Presidente da África do Sul.

 O órgão serve para complementar as diversas questões discutidas ao redor do mundo, juntamente com outros órgãos como a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas). Este, mesmo tendo sido criado um pouco tarde, ignorando os inúmeros contextos anteriores do movimento feminista, hoje tem um papel essencial no âmbito internacional, destacando como exemplo sua influência na Conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento, que aconteceu em Addis Abeba (capital da Etiópia), no ano de 2015, onde a igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres foi estabelecido como a meta número 5, de desenvolvimento sustentável, dentre o plano de objetivos acordado.

Interessados em saber mais sobre a participação feminina no sistema internacional, podem acessar o site oficial da ONU Mulheres, em: www.unwomen.org .

Fontes:
- Último Segundo - iG @ https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2019-04-25/brasil-nao-pode-ser-o-pais-do-turismo-gay-defende-bolsonaro.html
- “#AIndignada - Privatização dos Correios e o Turismo Sexual no Brasil” – Canal no Youtube de Luciana Liviero - https://www.youtube.com/watch?v=O8PGjzwJZ3o
1. Nações Unidas Brasil – Online - https://nacoesunidas.org/especialistas-independentes-da-onu-criticam-criminalizacao-do-aborto-e-da-prostituicao-no-mundo/
2. Código Penal – Planalto – Online - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm
3. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – Senado Federal - https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf
- Wikipédia - “ONU Mulheres” - https://pt.wikipedia.org/wiki/ONU_Mulheres
- UN Women – Online - http://www.unwomen.org/en
- G1 – Ceará – Online - https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/ceara-e-o-estado-com-mais-pontos-de-exploracao-sexual-infantil-em-rodovias.ghtml
- Correio 24 horas – Bahia – Online - https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/quase-50-criancas-sao-vitimas-de-abuso-exploracao-ou-turismo-sexual-por-dia/
- Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos – Online - https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2018/dezembro/ministerios-dos-direitos-humanos-e-turismo-assim-portaria-para-combate-a-violencia-sexual-contra-criancas-e-adolescentes
- Notícias Uol – https://noticias.uol.com.br/album/2014/06/12/cartazes-nos-protestos-contra-a-copa-abordam-de-corrupcao-a-falta-de-infraestrutura.htm?foto=1
- Filme “Anjos do Sol” (2006), dirigido por Rudi "Foguinho" Lagemann, premiado como o Melhor Longa de Ficção Ibero-Americano pelo  Miami International Film Festival.
- Câmera Record de 30/07/2018 – “Refugiadas trabalham como prostitutas no Brasil para sustentar famílias na Venezuela” - https://www.youtube.com/watch?v=sliqYllS2ns


*Igor V. Brandão é aluno do terceiro período do Curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog Internacionalize-se, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter.
 
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