(Foto: POLONEZ / SHUTTERSTOCK)
Por Suelyn Bidas*
Segundo
o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) atualmente 50%
dos refugiados são mulheres e meninas[1]. Mas por quê as mulheres
buscam refúgio? Será que pelos mesmos motivos que os homens?
Primeiramente,
é preciso entender o instituto do refúgio. A acolhida de pessoas em situações
de vulnerabilidade e que se deslocam em busca de proteção tornou-se um costume
internacional por ter existido consistentemente ao longo de toda história. Sob
a alcunha de “asilo”, o direito de qualquer pessoa de solicitar proteção de
outro Estado que não o seu foi positivado por meio da Declaração Universal dos
Direitos do Homem de 1948. Já o instituto do refúgio como o conhecemos surgiu
no âmbito da Liga das Nações, graças à demanda levantada pelo grande número de
pessoas que fugiam da União Soviética[2]. Atualmente, o refúgio é
regulado internacionalmente pela Convenção das Nações Unidas relativa ao
Estatuto dos Refugiados de 1951, revisada pelo protocolo de 67, que ampliou a
definição de refugiado, aumentando assim o seu escopo.
No
entanto, não existe nenhuma diferenciação entre refugiados homens e mulheres
nesses documentos. Assim, a questão de gênero acaba sendo negligenciada, o que,
além de obstaculizar a elegibilidade das mulheres ao status de
refugiado, as expõe à inúmeras violências ao longo do percurso. Segundo dados
da ONU, uma em cada cinco refugiadas sofreu violência de gênero[3].
É
inegável, portanto, a existência de uma dimensão de gênero aplicável ao refúgio.
Já de início, os motivos que levam as mulheres a fugir de seus países diverge
dos motivos dos homens. As mulheres costumam ser as primeiras a terem seus
direitos humanos violados em contextos de conflitos armados e guerras, o que se
dá, em partes, pois ocupam uma posição inferior na sociedade. Além disso, as mulheres geralmente têm seus
direitos humanos de “segunda geração” violados (direitos mais ligados à esfera
privada), sendo que a Convenção e o Protocolo apenas elencam direitos civis e
políticos como causas reconhecidas para a concessão do status de
refugiado.
Ademais,
geralmente os Estados interpretam os diplomas internacionais de forma a
entender o Estado como único agente de perseguição, enquanto na realidade os
algozes das mulheres são geralmente agentes não-estatais, como milícias, grupos
paramilitares, grupos criminosos, a comunidade da qual fazem parte e, muitas
vezes, a própria família[4].
Para
tentar suprir essa deficiência e mitigar seus efeitos, atualmente têm se usado
do motivo de “pertencimento a determinado grupo social” e da “perseguição
baseada no gênero” para encaixar as mulheres cuja má sorte não é contemplada
pelos critérios usuais do refúgio (raça, nacionalidade, opinião política e
religião). Uma das dimensões da “perseguição baseada no gênero” mais
vilipendiada é a doméstica e familiar. Comumente considerada uma questão meramente privada, o tema da
violência contra a mulher no espaço doméstico tem ganhado espaço no cenário
internacional com o avanço na temática dos direitos humanos e por meio de
convenções específicas sobre o tema, como a Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Declaração sobre a
Eliminação da Violência contra as Mulheres, a qual admitiu a
vulnerabilidade das mulheres refugiadas.
Assim, alguns países têm concedido
refúgio às mulheres vítima de violência doméstica. O Canadá tem se destacado na
acolhida de mulheres vítimas de perseguição de gênero. De acordo com a CBC News[5],
a perseguição de gênero é a razão mais comum pela qual mulheres pediram refúgio
no Canadá nos últimos 5 anos. Metade desses pedidos são em razão de violência
doméstica. O órgão de imigração canadense “Immigration
and Refugee Board” (IRB) julgou entre os anos de 2013 e 2017 quase 3.000
pedidos de refúgio baseados em alegações de violência doméstica, sendo que 58%
destes foram aceitos.
Segundo Catherine Dauvergne[6],
em casos de violência doméstica ou qualquer outro ato persecutório ocorrido
dentro da esfera privada, a análise do pedido de status de refugiado acaba sendo baseada principalmente na
existência ou não de proteção estatal no país de origem. Para Dauvergne, esse
alto número de pedidos reflete a falta de mecanismos efetivos de proteção à
mulher ao redor do mundo. Dados do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) apontam que 49 países não possuem leis de proteção para
mulheres em situação de violência doméstica[7].
O objetivo do trabalho “Gênero, refúgio e
migração: possibilidades de acolhimento para vítimas de violência doméstica” é
justamente compreender como a questão de gênero permeia as migrações forçadas e
como a violência doméstica pode ser conjugada a uma política migratória de
acolhimento no ordenamento jurídico dos países e no Direito Internacional. Por
meio de revisão teórico-bibliográfica, pretende-se expor e contextualizar o
instituto do refúgio e a perseguição baseada no gênero, assim como analisar a
conjuntura internacional em relação à concessão do status de refugiado
para indivíduos - especialmente mulheres - que fogem da violência perpetrada
por seus companheiros ou familiares.
Será
questionado se a violência doméstica deve constituir perseguição de gênero,
tomando como exemplo o caso do Canadá, que como dito anteriormente, é o país no
qual essa modalidade de perseguição é a principal razão pela qual as mulheres
buscam refúgio. Por fim, concluir-se-á que a violência doméstica é um problema
de proporções endêmicas muitas vezes ignorado pelas autoridades dos Estados,
fazendo com que as mulheres resolvam fugir de seus lares em busca da proteção
que não encontraram nos seus países de origem.
Portanto, é necessário que existam mecanismos
internacionais de proteção a essas mulheres, que devem sim se encaixar no rol
de motivos para concessão do refúgio.
“But
there is one universal truth, applicable to all countries, cultures and
communities: violence against women is never acceptable, never excusable,
never tolerable”. - Ban Ki-moon
[1] UN WOMEN. Women refugees and migrants. Disponível em:
https://www.unwomen.org/en/news/in-focus/women-refugees-and-migrants#notes.
Acesso em: 28 abr. 2020.
[2] JUBILUT, Liliana Lyra.
O direito internacional dos refugiados e
sua aplicação no ordenamento jurídico. São Paulo: Método, 2007.
[3] AGÊNCIA BRASIL. Uma em cada cinco
refugiadas sofreu violência de gênero, revela ONU. Disponível em:
https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2017-06/uma-em-cada-cinco-refugiadas-sofreu-violencia-de-genero-revela-onu.
Acesso
em: 27 abr. 2020.
[4] KELLY, Nancy. Gender-Related Persecution:
Assessing the Asylum Claims of Women. Cornell International Law Journal, [s. L.],
v. 26, n. 3, p.625-674, Feb. 1993. Disponível em:
<http://scholarship.law.cornell.edu/cilj/vol26/iss3/5>.
[5] CBC
NEWS. Refugees come to Canada to escape gender persecution. Disponível em:
<https://www.cbc.ca/news/thenational/refugees-come-to-canada-to-escape-gender-persecution-1.4525746 >. Acesso em: 01 abr. 2019.
[6] CBC
NEWS. Gender persecution the top reason women seek asylum in Canada.
Disponível em: <https://www.cbc.ca/news/canada/asylum-seekers-data-gender-persecution-1.4506245 >. Acesso
em: 01 abr. 2019.
[7]
ONU-BR. Mais de 200 milhões de mulheres no mundo não
têm acesso à saúde sexual e reprodutiva, alerta UNFPA. Disponível
em: <https://nacoesunidas.org/mais-de-200-milhoes-de-mulheres-no-mundo-nao-tem-acesso-a-saude-sexual-e-reprodutiva-alerta-unfpa/>. Acesso em: 01 abr.
2019.
*A acadêmica Suelyn Bidas está no sétimo período de Relações Internacionais. O texto acima é parte de seu trabalho de conclusão de curso, orientado pela Professora Michele Hastreiter.
*A acadêmica Suelyn Bidas está no sétimo período de Relações Internacionais. O texto acima é parte de seu trabalho de conclusão de curso, orientado pela Professora Michele Hastreiter.
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