Não se trata de uma teoria da conspiração, mas de uma constatação da qual a comunidade científica há muito tempo vem tentando alertar o Sistema Internacional e vem sendo sistematicamente ignorada: os surtos epidêmicos ocorridos nas últimas décadas estão diretamente ligados a devastação ambiental (The World Economic Forum). A maneira como estamos lidando com o meio ambiente justifica a crise que estamos vivendo, e faz com que situações como essa possam se tornar cada vez mais comuns se não mudarmos os nossos hábitos e a nossa relação com o meio ambiente.
A dinâmica é simples: para satisfazer a ânsia capitalista do consumo exacerbado, habitats naturais até então isolados são explorados para o uso dos seus recursos para sustentar os mercados, as indústrias e os comércios legais e ilegais. Acontece que nesse processo, seja de extração de recursos, de desmatamento, de queimadas ou da caça, entra-se em contato com diversos organismos vivos como bactérias e vírus dos quais o ser humano não tem conhecimento.
De acordo com o ECOA, vertente da UOL para o meio ambiente, esse contato ocorre de várias formas: pela evasão dos animais silvestres que, tendo seu território invadido, migram para outras regiões ou passam a conviver em centros urbanos; pelo contato direto das pessoas com a natureza; através do consumo e manejo da carne de animais e seus derivados; pelo tráfico de animais silvestres - terceira maior atividade ilícita do mundo, ficando atrás apenas do tráfico de drogas e do tráfico de armas, movimentando cerca de 10 a 20 bilhões de dólares por ano – dentre outras.
Para exemplificar, podemos citar o caso da gripe aviária: as investigações científicas apontam que a mudança no ciclo migratório natural das aves selvagens fez com que elas entrassem em contato com aves domésticas em granjas industriais, o que levou ao surto da gripe na Ásia - com uma taxa de mortalidade de 50% - e ao abate em massa de cerca de 1,5 milhões de aves. Também estima-se que o contato com os chimpanzés pelo consumo e manejo da carne tenha sido o responsável pela evolução de vírus como o HIV e o ebola. Este último, por sua vez, nos dois últimos surtos epidêmicos no continente africano, matou cerca de 13 mil pessoas.
A gripe suína nos Estados Unidos, o SARS na China, MERS na Ásia e a “doença da vaca louca” são também alguns dos casos de zoonoses (doenças humanas causadas por agentes infecciosos que geralmente atingem animais) mais conhecidos. O medo é que esses vírus que permanecem em constante contato com animais e seres humanos continuem se recombinando e fazendo mutações cada vez mais poderosas.
O COVID19 é, também, mais uma zoonose que se tornou mundialmente conhecida devido o fato de já ter atingido milhões de pessoas em todos os continentes, pondo-nos em estado de alerta e preocupação. O coronavírus, no entanto, não é, definitivamente uma novidade para os cientistas.
Nesse contexto específico, existem três possíveis origens do vírus: pelas cobras, morcegos ou pangolins. Acredita-se que o manejo desses animais silvestres em feiras abertas, presos em gaiolas e amontoados uns sobre os outros vivendo nos seus próprios dejetos e secreções munido ao estresse e calor, a baixa no sistema imunológico e falta do uso de equipamentos adequados, proporcionou um ambiente perfeito para a interação e evolução desse microrganismo que já era conhecido, mas acabou sofrendo modificações até se tornar o vírus altamente infeccioso e com potencial fatal aos seres humanos.
No entanto, essa não é uma realidade apenas nas culturas em que é comum a caça e o consumo de animais silvestres. A criação extensiva de animais domésticos para as indústrias da carne, do ovo, do leite, da pele e seus derivados também proporcionam um cenário perfeito para a proliferação e evolução de vírus e bactérias, como foi o caso de alguns exemplos anteriormente citados. Há ainda um agravante nesse cenário: para proteger os animais domésticos das condições sanitárias deploráveis em que são criados, uma quantidade absurda de antibióticos são injetados neles a cada nova geração.
A resistência e mutação das bactérias ocorrem de maneira gradativa e natural no meio ambiente, tornando possível que o organismo dos animais e dos seres humanos se adaptem. No entanto, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a resistência dessas bactérias aos antibióticos devido ao seu mau uso em animais e pessoas está acelerando esse processo. A velocidade de mutação dos vírus e bactérias está sendo muito maior do que a nossa capacidade tecnológica de encontrar soluções como remédios e vacinas em tempo hábil de evitar a morte de milhares de pessoas. O mesmo pode ser dito sobre o nosso organismo e sistema imunológico, que não estão preparados para lidar com microrganismos novos de forma tão abrupta. Além disso, uma nova preocupação dos cientistas é o fato de que, com o aquecimento global e o derretimento das geleiras, vírus que até então estavam conservados e inativos, possam se tornar uma ameaça, sendo mais uma fonte de doenças causadas pelos impactos ao meio ambiente.
Diante de tudo isso, com o fato de que produção e o consumo exacerbado de matérias primas, dos animais e outros recursos naturais tem nos levado a cenários de constantes crises econômicas, ambientais e de saúde pública, há de se perguntar: afinal, o que pode ser feito?
A nível nacional e internacional falta ouvir o que a natureza e os técnicos têm a nos dizer; falta justapor os Direitos Humanos aos interesses comerciais e oligárquicos e responsabilizar quem deve ser responsabilizado. Encontrar, também, através da cooperação, formas de travar o arbítrio de quem lucra em cima da miséria e da destruição ambiental, afinal, os problemas ambientais não respeitam fronteiras, nenhum dos países está isento de ser afetado por eles e tampouco são capazes de superar esses desafios sozinhos. A nível individual é preciso se atentar para que tenhamos um consumo mais consciente. Reduzir ou mesmo interromper o consumo de animais e seus derivados é a principal forma que temos de diminuir a possibilidade de novas zoonoses e consequentemente de novas pandemias.
É preciso pensar no ódio e desrespeito com o qual estamos tratando nossa natureza e os animais só para que tenhamos um bife no jantar, um calçado de couro ou o mais novo smartphone lançado. Todos esses mercados existem e continuam a produzir exageradamente por que existe uma demanda, porque somos constantemente incentivados a consumir mais e mais sem necessidade, em razão da obsolescência programada ou percebida.
Nossos hábitos são responsáveis pelo aquecimento global, pelo desmatamento, pelo derretimento das geleiras, pelas doenças e todos os efeitos provenientes disso. É claro que num cenário de globalização e constante evolução tecnológica, não é possível retroceder e pensar num consumo a nível rudimentar ou elementar, mas pensar em meios mais sustentáveis de se viver, se alimentar e de consumir, pôr a tecnologia ao nosso favor não contra nós, são objetivos perfeitamente possíveis de se alcançar se pusermos valores como o consumismo e o lucro acima de tudo de lado em favor da nossa sobrevivência na terra.
Nesse sentido, as perguntas que ficam são: vamos continuar a fazer vista grossa ou vamos nos prevenir e sair da nossa zona de conforto? Vamos ter que pedir desculpa aos nossos netos porque um hambúrguer era muito difícil de resistir ou porque não poderíamos viver sem a roupa da moda ou vamos tentar deixar um mundo melhor para as próximas gerações?
Referências
https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/antibiotic-resistance
*As opiniões contidas no texto pertencem ao(à) autor(a) e não refletem, necessariamente, a posição do UNICURITIBA.
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