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No mês de outubro, a Nigéria presenciou uma série de protestos em seu território, pedindo o fim da SARS - Special Anti-Robbery Squad, uma unidade especial da polícia nigeriana para combater roubos e assaltos, como o próprio nome sugere, que existe desde 1992. Os protestos que demandam o fim dessa unidade têm como base múltiplas denúncias: detenções arbitrárias, extorsões e até mesmo assassinatos. A ONG Anistia Internacional, já em 2016, alertava para os métodos brutos que a SARS utilizava como meio de obter informações. Em junho, a organização lançou outro relatório, que continha 82 casos de tortura e execuções extra-judiciais e aconteceram entre janeiro de 2017 e maio de 2020. Em 11 de outubro deste ano, o presidente nigeriano Muhammadu Buhari anunciou a dissolução da SARS, prometendo reformar a unidade. Os membros serão realocados e uma nova legislação para investigar os crimes cometidos será promulgada, de acordo com uma diretiva presidencial.
No entanto, a situação política e econômica da Nigéria fez com que os protestantes continuassem nas ruas. Além disso, a SARS já passou por algumas reformas, com promessas de melhorias, mas para os nigerianos, a unidade policial não se alterou. Por isso, as manifestações pedem a reforma de toda a força policial. A Nigéria, sendo a maior economia da África, ainda depende enormemente da produção de petróleo. No entanto, o país está a beira de enfrentar a pior recessão em 30 anos, com a inflação em 13%. A pandemia, a economia precarizada e o setor petrolífero em crise são combustíveis para as manifestações nas ruas nigerianas. Os protestos que resultaram na paralisação da capital da Nigéria, Abuja, e em sua maior cidade, Lagos, certamente influenciaram na piora da economia, mesmo que em menor escala.
Em 2017, uma campanha no twitter com a #EndSARS fez efeito para que as autoridades policiais aceitassem reorganizar a unidade policial. Em 2020, o movimento voltou com força depois da divulgação de um vídeo em que os policiais da SARS atiraram em um nigeriano no estado de Delta. O movimento novamente tomou as redes sociais, atraindo a atenção de celebridades, como John Boyega, Beyoncé, Kanye West e o fundador do Twitter Jack Dorsey. As manifestações pacíficas foram recebidas com violência pela polícia, e de acordo com a Anistia Internacional, 10 pessoas morreram, além de milhares de feridos. Além dos protestos na própria Nigéria, manifestações por parte de nigerianos aconteceram no Canadá, Alemanha, EUA e Inglaterra, em solidariedade a seus conterrâneos.
O Internacionalize-se conversou com Samuel Glorious Akhabue, um nigeriano de 24 anos que mora em São Paulo. Samuel é jogador de futebol e faz parte do time J. Malucelli.
Como era o sentimento de estar na rua e ver algo relacionado ao SARS?
Ver ou vivenciar uma situação relacionada à SARS é assustador, é uma situação que não se pode controlar por mais educado que seja a pessoa. Esses oficiais da SARS oprimem e extorquem dinheiro de cidadãos inocentes; imagine ser preso porque você tem um iPhone ou um bom carro. Eles intimidam as pessoas a abrirem seus celulares para que possam acessar aplicativos e conversas no WhatsApp sem mandado de busca e apreensão. Ouvimos e vimos casos em vídeos de oficiais da SARS extorquindo dinheiro de cidadãos inocentes com máquinas POS, às vezes eles os levam ao caixa eletrônico do banco para que a vítima retire dinheiro para eles. Em novembro do ano passado, meu irmão, que mora no estado do Delta de Ughelli, Nigéria, foi pego em uma noite de domingo por oficiais da SARS sem uniforme e com um ônibus sem placa. Eles o seguraram por horas porque ele não poderia dar-lhes dinheiro, até que eles concordaram em receber o depósito de minha mãe em outra cidade próxima na conta de outra pessoa que também o segurou naquela noite, então não pode ser rastreado até eles. Então imagine o nível de corrupção e opressão que o povo da Nigéria está sofrendo diariamente por tantos anos."
Quais resultados você acha que as manifestações podem trazer?
O governo é tão corrupto e eles se preocupam menos com o bem-estar dos cidadãos, então a manifestação foi uma demonstração da frustração de todos, especialmente dos jovens, que são caçados por esses oficiais da SARS, que querem viver e não serem mortos e detidos diariamente por este setor da polícia. Basicamente, o movimento #EndSARS começou online por jovens nigerianos antes de se tornar um protesto pacífico em quase todas as cidades em todos os estados da Nigéria. Foi enorme a paz no início, até que a polícia e os militares começaram a usar força como gás lacrimogêneo e canhões de água contra os pacíficos manifestantes e, em seguida, algumas pessoas no governo começaram a contratar bandidos para atrapalhar o protesto pacífico. O único resultado que posso dizer que conseguimos agora será a consciência que nós, os jovens nigerianos, criamos para que a comunidade internacional saiba o que estamos passando, pelo menos organizações como Anistia Internacional e outros organismos agora estão cientes do crime de violação dos direitos humanos do povo da Nigéria pela administração Buhari (atual presidente da Nigéria).
O que você acha do engajamento dos famosos na situação da Nigéria?
Esta foi uma das poucas vezes na história da Nigéria em que vimos o famoso e o nigeriano médio marcharem solidariamente lado a lado, sem ninguém ter sido tão elevado, foi uma visão gloriosa e um momento muito compatriota em nossa história, nós teve a famosa caminhada sem guarda-costas na rua de lagos lado a lado com os pobres e médios nigerianos na luta pelo direito e liberdade do povo. Muitas pessoas estavam doando alimentos, água, cuidados médicos, segurança e muito mais para os manifestantes dispostos sem que fossem solicitados a fazê-lo. O protesto #EndSARS foi uma demonstração também de unidade na diversidade.
O que você sugere que as pessoas aqui no Brasil façam para ajudar a conscientizar sobre o assunto?
Nós, nigerianos, aqui em São Paulo, já realizamos duas manifestações pacíficas no centro da cidade, conscientizando a comunidade brasileira sobre a luta do nosso povo na Nigéria. No dia 20 de outubro o governo nigeriano enviou o exército para atirar em manifestantes pacíficos na praça de pedágio de Lekki, muitas pessoas foram mortas e muitas outras ficaram feridas com tiros, foi um massacre de nigerianos agitando bandeiras da Nigéria e cantando o hino nacional enquanto era tocado pelos militares da Nigéria que supostamente os protegiam. Chorei sem parar ao vê-lo ao vivo no Instagram. Foi uma visão desumana. Acredito que o governo brasileiro tem laços culturais e econômicos com a Nigéria, eles poderiam ajudar, envolvendo por meio de perguntas o atual governo sobre essas mortes sem sentido e violações dos direitos humanos do governo nigeriano contra seu povo.
Samuel concedeu ao Internacionalize-se fotos do protesto feito em São Paulo por parte da população nigeriana.
O depoimento de Samuel deixa muito claro que a situação na Nigéria não pode ser ignorada, especialmente pela comunidade internacional. Nas palavras do jovem nigeriano sobre a matéria no nosso blog, "isso ajudará a criar mais consciência para a comunidade internacional em relação à nossa luta".
END SARS: Why Nigeria's anti-police brutality protests have gone global. Sky News. 21 out. 2020. Disponível em: https://news.sky.com/story/end-sars-why-nigerias-anti-police-brutality-protests-have-gone-global-12107555.
NIGÉRIA dissolve unidade de elite da polícia acusada de torturas. Mundo ao Minuto. 11 out. 2020. Disponível em: https://www.noticiasaominuto.com/mundo/1602243/nigeria-dissolve-unidade-de-elite-da-policia-acusada-de-torturas.
O lançamento do live action do clássico filme Mulan da Disney tem causado grande comoção entre os fãs da animação de 1998, mas também tem deixado outras pessoas curiosas sobre o resultado do remake. A estreia do filme estava marcada para o mês de março deste ano, mas com os acontecimentos advindos da pandemia do novo coronavírus, o evento foi cancelado e o filme foi lançado no começo deste mês, na plataforma de streaming da Disney, a Disney Plus. No Brasil, o filme deve ser disponibilizado ainda este ano.
Contudo, além das mudanças técnicas e do impacto da pandemia na sétima arte, o lançamento do filme tem chamado atenção em razão do movimento de boicote que tem ganhado espaço nas diferentes redes sociais nos últimos dias. O movimento já havia começado antes mesmo do lançamento do filme, motivado pelo pronunciamento de Liu Yifei, atriz da personagem Mulan. A atriz se manifestou em favor das forças policiais em Hong Kong, quando os protestos no país estavam em seu ápice — devido às mudanças nas políticas de extradição de cidadãos para a China. Na internet, a declaração de Liu Yifei levantou a hashtag MilkTeaAlliance (Aliança do chá com leite), onde ativistas pró Hong Kong e Taiwan, e simpatizantes do movimento defendiam o boicote ao filme, acusando a Disney de se ajoelhar perante Pequim, e Yifei de suportar a violência policial.
Neste mês, o movimento pelo boicote foi reavivado após a liberação do filme na plataforma de streaming, isso porque nos créditos do filme há agradecimentos a oito autoridades governamentais da região de Xinjiang, no noroeste da China, inclusive à agência responsável pela segurança pública de Turpan, na qual associações de direitos humanos denunciam a existência de campos de reeducação política de uigures. Os uigures são uma minoria muçulmana que vivem na região próxima de Xinjiang, e, segundo a AP News, essa e outras minorias muçulmanas têm sido mantidas trancadas em “campos de reeducação”, onde são expostos à um “programa de assimilação” por parte do governo chinês, em resposta a décadas de resistência ao controle chinês. De acordo com o The Guardian, estima-se que ao menos 1 milhão de pessoas foram detidas nesses campos, onde muitas das mulheres presas foram submetidas a esterilizações e abortos forçados.
As autoridades chinesas defendem os campos como centros de treinamento. Nesse sentido, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores Zhao Lijian, recentemente declarou que não há campos de reeducação em Xinjiang, e que “o estabelecimento de centros de educação e treinamento vocacional em Xinjiang é uma tentativa positiva e uma exploração ativa do contraterrorismo preventivo e da desradicalização. (...) Não houve ataques terroristas violentos em Xinjiang por mais de três anos.” (em tradução livre do inglês). Apesar disso, diversas agências de notícia têm divulgado reportagens denunciando as transgressões aos direitos humanos na região, e ainda em 2018 (quando as filmagens para o filme iniciaram), um estudo da ABC já indicava a existência desses campos. Espera-se que a Walt Disney ainda se posicione sobre a questão (ainda que a postura da empresa esteja amparada pela sua política de lucros), mas fica claro que o conhecimento dos campos por parte da companhia é quase que indiscutível, já que a região na qual o filme foi gravado possui diversos desses campos.
De forma geral, podemos destacar o papel dos ativistas e simpatizantes na divulgação da situação, tendo as hashtags BoycottMulan e MilkTeaAlliance como foco da disseminação dos acontecimentos. Além disso, o movimento tem crescido rapidamente não somente entre os ativistas asiáticos, mas também entre a comunidade das redes sociais, chamando atenção dos espectadores sobre a brutalidade policial em Hong Kong, a encarceração em massa, o desrespeito aos Direitos Humanos na China Continental e a passividade de grandes empresas nessas situações.
Referências
Calls to boycott Mulan rise after Disney release. The verge, 07 de setembro de 2020. Disponível em: <https://www.theverge.com/2020/9/7/21426274/mulan-disney-boycott-hong-kong-china-liu-yifei-protests-xinjiang-streaming>.
Disney+ indica que 'Mulan' será lançado no Brasil custando R$ 112,90. Olhar Digital, 17 de agosto de 2020. Disponível em: <https://olhardigital.com.br/cinema-e-streaming/noticia/disney-indica-que-mulan-sera-lancado-no-brasil-custando-r-112-90/105312>.
DOMAN, Mark, et al. China’s frontier of fear. ABC News, 31 de outubro de 2018. Disponível em: <https://www.abc.net.au/news/2018-11-01/satellite-images-expose-chinas-network-of-re-education-camps/10432924?nw=0>.
KUO, Lily. Disney remake of Mulan criticised for filming in Xinjiang. The Guardian, 07 de setembro de 2020. Disponível em: <https://www.theguardian.com/film/2020/sep/07/disney-remake-of-mulan-criticised-for-filming-in-xinjiang>.
Na China, militantes pró-democracia pedem boicote ao filme da Disney 'Mulan'. Entretenimento UOL, 04 de setembro de 2020. Disponível em: <https://entretenimento.uol.com.br/noticias/rfi/2020/09/04/na-china-militantes-pro-democracia-pedem-boicote-ao-filme-da-disney-mulan.htm>.
Produção da Disney, “Mulan” é alvo de boicote por cenas filmadas na China. Isto é, 09 de setembro de 2020. Disponível em: <https://istoe.com.br/campanha-de-boicote-a-mulan-aumenta-por-cenas-filmadas-em-xinjiang/>.