sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Redes e Poder no Sistema Internacional: As guerras tradicionais como conceito fundamental das Relações Internacionais



A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2017 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.



As Guerras Tradicionais como conceito fundamental das Relações Internacionais

Lucas Andrade Quental
Nemésio Neto
Luiz G. G. Schinzel

As bases teóricas fundamentais da “Guerra”

Primeiramente, é importante ter em vista quais são os principais teóricos que discorrem sobre a “guerra”, e, assim, tal conceito talvez tenha o general prussiano Carl von Clausewitz como seu principal teórico. Porém, na época em que Clausewitz escreveu sua obra “Da Guerra”, a realidade dos conflitos era consideravelmente diferente do que aqueles que vemos no mundo contemporâneo. Melhor do que dizer que Clausewitz é o principal teórico da guerra, é dizer que ele é um teórico clássico. Os pensadores realistas, talvez, são os teóricos contemporâneos que melhor se encaixam no âmbito das teorias de RI.

Com tais parâmetros iniciais sobre o assunto, durante suas pesquisas ao longo do ano, os membros do subgrupo de “Guerra Tradicionais” definiram este objeto de estudo como as forças violentas organizadas e promovidas pelas unidades políticas entre si, ou seja, o uso da violência para maximização teleológica de seus objetivos. A definição da Guerra Tradicional está totalmente ligada a um conceito; ele não acontece por acaso como define Gérard Fourez sobre o viés do conceito (FOUREZ, 1995), onde a noção do conceito está ligado a um significado (o seu conceito cru) e a uma significante (tudo que está por trás deste conceito, seja histórico, político, econômico e etc). Basicamente, a Guerra não é simplesmente um fator que é visto pelos olhares da história que ficou marcado na trajetória da humanidade desde a imposição do modelo Westfaliano e nem muito menos estar atrelada a questão de táticas de defesas. 

A Guerra Tradicional deve ser visualizada também no papel dela e da violência por ela desenvolvida atreladas as discussões de segurança e desenvoltura de estratégias políticas no cenário e Sistema Internacional. As definições de poder por (CHOMSKY e FOUCAULT, 2014) e as teorias das Relações Internacionais: realistas, neorrealistas, behavioristas, construtivistas e alguns debates sobre Segurança Internacional podem usados para definir melhor o conceito de Guerra Tradicional. Usando a teoria Clausewitziana que pressupõe que a guerra possui um início e um fim, mas isso é por conta de que se trata de guerra entre dois Estados, pois a guerra dos povos não possui um fim.

Para Clausewitz (2010), “a guerra é um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade”, assim, vemos a guerra entendida na sua própria realidade, isto é, entre Estados, portanto é aquilo que chamamos de simétrica. O Estado passou a ter o monopólio da guerra e a guerra dos povos tornou-se ilegítima, isto é, o Estado atua de acordo com regras que definem a legitimidade de um conflito; o conflito é visto como civilizado. 

Portanto, a guerra tradicional se difere das demais pelo amparo jurídico que possui. O oposto disso é uso de grupos não-civilizados – a guerra dos povos – por parte dos Estados para promover aquilo que eles estavam impedidos pelo Direito Internacional de fazer.

Afinal, qual a relação conceitual-material que a Guerra mantém conosco?

O historiador John Keegan, no livro “Uma História da Guerra”, afirma que o homem é um animal que faz guerra, portanto a guerra precede a existência do Estado. Em outras palavras, a guerra é uma condição natural do ser humano. O filósofo Thomas Hobbes expõe essa ideia em sua teoria política ao afirmar que em um momento anterior a sociedade civil, o homem vivia em um estado de natureza em que venceria aquele que fosse o mais forte. O pacto social hobbesiano diz respeito à repressão dessa violência existente no estado de natureza; nele o homem abriria mão de parte de sua liberdade para que a autoridade civil possa protegê-lo. Hobbes fala de um Leviatã cujas dimensões e presença seriam suficientes para impedir que outros peixes comessem uns aos outros. 

Em relação ao Estado, no Realismo Clássico é possível colocar a fundamentação de Tucídides ligado aos elementos modernos das RI como as guerras, a importância do comércio, as negociações e as alianças. Edmund Carr, Morgenthau e Kissinger com o conceito de Realpolitik – já que este último avalia a política exterior baseada em avaliações de poder e interesse nacional –, irão pautar essas ideias focados na anarquia internacional, no sentido que os Estados vivem sem uma força hierárquica maior capaz de impedir e regrar a suas ações. Assim, cada um é responsável pela sua própria sobrevivência assim transformando o sistema em um caos, em uma desordem, o que leva os Estados a viver nas sombras da Guerra. Vale lembrar que os indivíduos para o Realismo são somente os Estados e que qualquer outra instituição não tem um peso tão relevante no Sistema Internacional. 

REFERÊNCIAS

CHOMSKY, Noam e FOUCAULT, Michel. Natureza Humana – Justiça vs. Poder. Tradução de Fernando Santos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014.

CLAUSEWITZ, Carl Von. Da guerra. 3ª Ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

FOUREZ, Gérard. A construção das ciências: introdução à filosofia e à ética das ciências. Tradução de Luiz Paulo Rouaner. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995.

KEEGAN, John. Uma História da Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

MORGENTHAU, Hans. A Política entre as Nações. São Paulo: Editora Universidade de Brasília, 2003.
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quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Ilha de São Domingos: O Preço da Subversão

Artigo apresentado na disciplina de Política Externa Brasileira, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon. As opiniões retratadas no artigo pertencem aos autores e não refletem o posicionamento da instituição. 





* Por: Otávio Bomfim

A miséria econômica haitiana é um fator comum ao imaginário popular dos cidadãos de todo o globo, sendo ainda mais presente no do povo brasileiro. O documentário “O Dia em que o Brasil Esteve Aqui”, de Caíto Ortiz e João Dornelas, mostra a realização de um jogo de futebol amistoso entre as seleções do Haiti e do Brasil em 2004, em nome da “pacificação” do país num contexto pós golpe de Estado (pautado na ineficácia e em denúncias de corrupção contra o governo da época) que encurtou o mandato do presidente Jean-Bertrand Aristide. O jogo supracitado ocorreu sob a égide da MINUSTAH, missão de paz da ONU que objetivava estabilizar a região, como uma forma de aplicação da diplomacia cultural brasileira, já que a própria posição do Brasil como líder da missão se deu por suas relações culturais ricas com o povo haitiano e pela admiração dos cidadãos deste pelo tradicional futebol daquele, tal como evidenciado pelo documentário.
            Em 1793, o Haiti foi o primeiro país a abolir a escravidão no continente americano. Este fato se deu como consequência direta da Revolta de São Domingos, fantasma que assombra os europeus, de certa forma, até os dias de hoje. O líder expoente da revolta constituiu-se na figura de Toussaint L’Ouverture, vencedor contra as três maiores potências da época. O medo do denominado haitianismo, à época, era generalizado, as elites das colônias americanas temiam a exportação dos ideais da revolução dos escravos para o resto do continente. A segunda colônia americana a atingir sua independência, atrás apenas dos Estados Unidos, o fez por meio da abolição e pela consequente tomada de poder pelos escravos, agora livres. Este precedente precisava ser contido e isolado, sendo exatamente o que fizeram as grandes metrópoles, estigmatizando o Haiti como o inimigo dos regimes coloniais. Até mesmo revolucionários vizinhos voltaram-se contra o país, como Simon Bolívar, prejudicando seu próprio movimento de pan-americanismo, excluindo o Haiti do Congresso do Panamá. O ocorrido expôs a hipocrisia que rondava vocais oposicionistas da escravidão que, por trás das cortinas, se debruçavam sobre os espólios da exploração do trabalho africano.
            As consequências da Revolução Haitiana seriam sentidas até o século XXI. Mesmo resistindo às tentativas de agressão estadunidenses no início do século XX, tornou-se impossível para o Haiti manter longe a dominação econômica daquele sobre este. Em meados do breve século de Hobsbawm, os EUA conseguiram implantar a dinastia Duvalier no poder haitiano, estabelecendo uma ditadura de 30 anos que desmantelaria a economia do país, colocando-o na posição de mais pobre do continente. Aristide foi eleito após uma revolta popular que derrubou a ditadura de Duvalier, e logo seria derrubado por um golpe militar. Após refugiar-se nos EUA, Aristide retorna ao Haiti e, em 2001, volta ao poder. Desta vez, coloca em prática políticas austeras e reprime duramente movimentos populares, desestabilizando o regime político do país. Neste contexto, EUA e França invadem o território haitiano e depõe o presidente.
            A turbulência do início dos anos 2000 reavivou os temores em relação ao Haiti. A MINUSTAH tem por objetivo apaziguar os espíritos dos haitianos. O jogo de futebol organizado entre as seleções das duas nações tem um objetivo claro: amenizar as tensões entre grupos de um povo extremamente pobre com um país desestabilizado. Com a ocupação militar regida pela ONU e encabeçada pelo Brasil, fica evidente que a intervenção externa continua sendo a regra para a região, numa situação em que uma potência mutuamente causa um problema e oferece uma solução temporária e ineficaz, mantendo a situação de crise constante, evidenciada por Milton Santos. A autoridade exercida pelo Brasil, porém, possui uma faceta velada, disfarçada de auxílio e implementada pela cultura, um tipo de autoridade muito mais difícil de se combater do que a tirania evidente, militar ou econômica.
            Não obstante a aproximação entre os dois países por meio do jogo, as distâncias intrínsecas entre a miséria e a riqueza são explícitas. Ronaldo, Roberto Carlos e Ronaldinho Gaúcho montam seus cavalos de metal, tanques de guerra que os protegem do povo descontrolado. Entram em campo, ganham de 6 a 0 de uma seleção completamente sem preparo ou incentivo e saem, vão embora, encurtando ao máximo sua permanência em território haitiano. A catarse generalizada que dominou a população local é bruscamente assassinada, deixando um gosto amargo em suas bocas.
            O documentário, fugindo à noção de neutralidade, trabalha com estruturas significantes expressivas, demonstrando as características paradoxais da ação brasileira na região. O desejo por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU é o guia da atuação brasileira no Haiti. A filmagem ocorreu durante o acontecimento, o que permitiu aos diretores captarem todo o processo de construção de uma expectativa, o entorpecimento causado pela transcendental experiência do momento do jogo e, logo após, o mergulho de volta à realidade. A contextualização espacial do filme é extremamente importante para a qualidade do produto final, que parece denunciar uma realidade calcada no binômio do domínio e da impotência.
            A esperança da realização do Jogo da Paz era de que, por meio de uma identificação cultural, como a paixão pelo futebol, o povo haitiano ignorasse as relações existentes entre a sua situação de miséria, a intervenção internacional e a presença militar brasileira em seu território. No entanto, nas filmagens do próprio documentário estão presentes declarações emancipatórias, previsões de um Haiti que se renovaria com os próprios braços. Os haitianos pagam, até hoje, pelo pecado de terem lutado e derramado sangue por sua independência, por terem quebrado, com suas mãos, as correntes que os escravizavam. Antes, no século XVIII, eram considerados criminosos por executarem seus colonizadores. Hoje, são os miseráveis que sustentam os desejos filantrópicos dos países mais ricos. O poder do futebol é inquestionável pela ótica do documentário, mostrando o potencial de soft-power que o Brasil possui. A escolha do Brasil para liderar a MINUSTAH foi estratégica, percebendo-se que a influência cultural seria muito mais efetiva para controlar a efusividade do povo haitiano do que a intervenção direta. É fulcral a compreensão de que a atuação da ONU e do Brasil não é desinteressada ou neutra e, em “O Dia em que o Brasil Esteve Aqui” este fato é trazido à luz. A memória da subversão de São Domingos continua aterrorizante para quem tem medo da liberdade autônoma e concreta.

Referência:

Zizek, Slavoj. Primeiro Como Tragédia, Depois Como Farsa. São Paulo: Boitempo, 2011. Dubois, Laurent. Avengers of The New World: The Story of the Haitian Revolution. Cambridge: Harvard University Press, 2009.  
Carvalho, José Murilo de. A Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.            


* Otávio Bomfim: aluno do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
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terça-feira, 26 de setembro de 2017

Dia do Internacionalista - Formação Completa, multidisciplinar!



Em comemoração ao Dia do Internacionalista, o depoimento de alguns professores do Curso de Relações Internacionais do Unicuritiba, não internacionalistas, que vivenciam no dia a dia a formação desses profissionais. 



Andrew Traumann
Historiador, Professor de História das Relações Internacionais, História das Relações Internacionais Contemporâneas e História das Relações Internacionais do Brasil

Nestes sete anos aprendi muito no curso de Relações Internacionais. Apesar de ser historiador sempre estive muito próximo da História Contemporânea e das RI. A interdisciplinaridade, marca maior das RI nos enriquece muito tanto como acadêmico quanto como seres humanos. 
É com a pluralidade de ideias e posições e o respeito ao próximo que se faz um mundo mais justo. Muito obrigado por tudo o que aprendi com vocês nesses anos todos! Com sua inteligência e visão de mundo vocês fizeram de mim um internacionalista de coração! 


Eduardo Teixeira de Carvalho Junior
Historiador, Professor de Teoria Social, Formação Política e Econômica do Brasil e Formação Política e Econômica da América Latina

O Aluno de Relações Internacionais tem uma formação muito ampla. Envolvendo disciplina das Ciências Humanas como História, Sociologia e Direito, assim como áreas exatas ligadas ao Comércio Exterior e Economia. Isso tudo permite múltiplas abordagens em sala de aula. Um tema pode ser discutido por uma grande diversidade de teorias e conceitos. Esta amplitude temática e a possibilidade de diálogo com diversas disciplinas é o que considero o aspecto mais instigante e interessante quando trabalhamos com os futuros internacionalistas.


Marcelo Grendel Guimarães
Administrador, Professor de Sistemas de Comércio Exterior Brasileiro

Atuando há 15 anos com professor do ensino superior já participei na formação de profissionais em diversas áreas do conhecimento.
Posso dizer com minha experiência, que vejo os alunos de Relações Internacionais como os mais focados e determinados dentro da área que escolheram. Muitos dos alunos de outros cursos que passaram pelas minhas salas de aula, não sabiam exatamente o que queriam ou estavam apenas experimentando o ambiente universitário até que realmente se encontrassem.
Mas, desde o primeiro dia que ministrei aulas para RI, pude perceber que apesar da pouca idade, a maioria dos alunos traz consigo um elevado nível cultural e uma bagagem de vivências internacionais fantástica. Muitos já passaram por intercâmbios internacionais, falam fluentemente o idioma Inglês (dentre outros), trabalham em empresas ligadas às Relações Internacionais ou ainda possuem familiares que circulam em áreas correlatas. Esse conjunto de ingredientes dá um sabor especial a cada aula ministrada onde todas essas experiências são trazidas à tona, e mesmo para aqueles alunos que ainda não tiveram essas oportunidades a experiência dos outros serve como aprendizagem e motivação.
Como a formação do profissional de Relações Internacionais é muito abrangente, durante o curso há uma imersão em um sem número de tópicos que embasam o futuro profissional para enfrentar qualquer desafio que se apresente. A cada dia que passa admiro mais nossos Internacionalistas e me surpreendo com notícias de onde estão chegando em suas promissoras carreiras.
Avante Internacionalistas - bem representem nosso Brasil - parabéns pelo seu dia!!!         


Michele A. Hastreiter
Advogada e Admistradora, Professora de Introdução ao Estudo do Direito e Direito Internacional Público

Sou advogada e formada também em Administração Internacional de Negócios, mas como professora e uma apaixonada pelo Direito Internacional, encontro no curso de Relações Internacionais os alunos mais dedicados e interessados na área. Com o convívio com os internacionalistas nos últimos cinco anos, passei a admirar profundamente a visão holística que são capazes de apresentar quanto às diferentes questões que transcendem nossas fronteiras. Fico feliz ao ver o amadurecimento dos alunos - muitos, no início, parecem um pouco confusos sobre o que significa ser um internacionalista, mas ao final se mostram capazes de correlacionar a política, a economia, a história e o Direito Internacional de maneira bastante efetiva na compreensão das mazelas do mundo contemporâneo. 


Patricia Tendolini Oliveira de Melo
Economista, Coordenadora do Curso de Relações Internacionais e Professora de Microeconomia e Economia Brasileira

Quando comecei a dar aula no curso de Relações Internacionais, há mais de dez anos, confesso que foi desafiador.... Com o tempo fui me encantando com o perfil contestador, político e engajado dos alunos; mais do que isso, com a formação que o curso proporciona, permitindo a nossos alunos um olhar diferente e bem mais completo sobre os diversos assuntos internacionais. 
Hoje, com aulas no segundo e sexto período, e com o contato que tenho com os recém-chegados e com muitos egressos, percebo claramente a evolução que eles têm ao longo do curso: de calouros ainda confusos sobre a escolha a egressos muito bem-sucedidos em várias carreiras alçando voos cada vez mais altos mundo afora. 
Queridos internacionalistas parabéns pelo seu dia!!!


Perci Klein
Psicólogo, Professor de Desenvolvimento Pessoal e Profissional e Psicologia Social

Ser professor no curso de RI é tudo de bom.
Apesar de ser psicólogo sou um pouco internacionalista, devido o contato com os alunos, professores e coordenação.
O curso tem espírito de gente que aprende, ensina e luta.
É uma tribo que convive com as diferenças, que se relacione e acima de tudo que tem sonhos.
Fico honrado e feliz em fazer parte dessa grande família.



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Dia do Internacionalista: Para quê serve essa profissão?




No dia 26 de Setembro, comemora-se o Dia do Internacionalista. Nós, professores do curso de Relações Internacionais que compartilhamos desa profissão, falamos um pouco a respeito dessa paixão que nos move.
Profa. Janiffer Zarpelon, professora de Teoria das Relações Internacionais, Organizações Internacionais e Política Externa

"Considero muito bacana haver o dia do internacionalista por reconhecer a importância desta profissão, no qual tem como objeto de análise o ambiente internacional configurado por uma realidade complexa e que ocorre constantes mudanças. Assim, o internacionalista não sofre de monotonia, por necessitar estar sempre atualizado diante de um mundo caracterizado pela globalização, pela interdependência, pela cooperação internacional, mas também por nacionalismos, diferenças socio- econômico e culturais e por conflitos étnicos e sociais. Diante dessa complexidade, o internacionalista, com sua formação multidisciplinar, passa a ser possuidor de visão crítica sobre o sistema internacional, desenvolvendo análises de conjuntura econômica, política, jurídica, social e cultural.


Para mim é uma grande honra poder exercer esta profissão que tanto amo. Desde que me formei, em 2002, sempre tive certeza que escolhi o curso certo, por poder verificar o mundo por diferentes visões e desenvolver análises em diversas áreas. Em vista que vivemos num mundo marcado por diferentes atores como Estados, empresas transnacionais, Organizações Internacionais, ONGs e outros atores; por fenômenos transnacionais que atravessam as fronteiras nacionais; e por diversidades políticas, econômicas e sociais; paramim ser internacionalista é constantemente desafiador e gratificante".


Profa. Angela Moreira, professora de Introdução às Relações Internacionais
“ Qual é o profissional que derruba muros e concilia opiniões divergentes?

Engenheiro ou advogado?

Qual é o profissional que entende de aquecimento global e luta pelos direitos das minorias?

Ambientalista ou sociólogo?

Qual é o profissional que fecha negócios em qualquer lugar do planeta analisando o cenário político vigente?

Economista ou político?

Qual o profissional que é idealista na busca de um futuro melhor para as próximas gerações respeitando as diferentes culturas e etnias além de conhecer as diversas regras, leis e línguas envolvidas no processo?
O bacharel de Relações Internacionais sempre será este profissional, abrangente, respeitoso, observador, curioso, altamente adaptável e bem preparado para o mundo cosmopolita e integrado de hoje em dia. 

Ele será aquele que tem uma forte capacidade de análise dos diferentes hábitos, modos de vida e crenças religiosas e políticas de pessoas, povos, organizações, empresas e países.
É o verdadeiro ser humano do amanhã, não importando a posição geográfica deste amanhã ou a rapidez que ele aconteça. ”

Prof. Rafael Gallo, professor de Teoria das Relações Internacionais II e Projetos Internacionais

"Ser internacionalista é ser alguém que escolhe trilhar um caminho diferente do convencional: escolhe a reflexão, escolhe perceber o mundo de maneira diversa. Em outras palavras, faz a opção de encarar a vida como um desafio. Sim, um desafio, pois é árdua a tarefa de compreender as relações internacionais contemporâneas que estão presentes no nosso cotidiano.

E esse é exatamente o diferencial que tenho experimentado na minha carreira profissional: uma plena capacidade analítica e uma versatilidade que se ancoram na minha formação multidisciplinar. Habilidades que nenhuma graduação fornece em tal grau de intensidade. Não é por acaso que nós internacionalistas conseguimos trafegar em áreas diversas – desde a política até a área de gestão de negócios – de maneira eficiente.

Assim, o desafio se transforma no privilégio de ser um profissional que pensa o ambiente ao redor de forma autônoma evidenciando sua singularidade.
"

Prof. Gustavo Blum, professor de Geografia Política e Política Internacional Contemporânea


"Ser internacionalista não é apenas uma profissão. Ao lado da técnica da análise e da reflexão que adquirimos ao longo da formação, aprendemos que ser intetnacionalista é também uma filosofia e uma forma de ver o mundo.

Se pensam e refletem sobre o mundo, sobre a realidade ou sobre a forma como hoje vivemos, nos aproximamos de uns questionamentos profundos a respeito do universo e tudo mais. Qual internacionalista já não se questionou se o ser humano é bom ou mau por natureza? Não que isso realmente importe, mas conseguimos ver as consequências disso

Se olham para fora de sua casa, em direção à vida que realmente acontece, enxergam e constatam como a vida cotidiana é afetada tanto pelas relações intergovernamentais, com seus tratados, acordos e conflitos, quanto pela cultura popular. É a internacionalista e o internacionalista que vêem como a música pop não está muito longe do desarmamento nuclear em termos de poder.

Isso permite ao profissional ser aquele que consegue não apenas saltar escalas, como também transgredi-las. Enquanto internacionalistas, somos humanistas, e temos um longo caminho pela frente: só descansaremos quando tivermos um mundo melhor para todos."

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quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Análise crítica do discurso Primeiro Ministro canadense, Justin Trudeau, na Assembleia Geral da ONU em 2016.

Artigo apresentado na disciplina de Análise em Política Externa e Relações Internacionais, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. As opinões retratadas no artigo pertencem aos seus autores, e não representam a posicionamento da instituição. 






* Erlon Murilo da Silva Madeira
 

O discurso do Primeiro Ministro Justin Trudeau na Assembleia Geral da ONU marca um novo rumo de política externa a ser seguido pelo Canada, que não somente deseja ser lembrado como um pioneiro em questões ecológicas e humanitárias, além de sua conhecida hospitalidade para refugiados, e orgulho por seu multiculturalismo, mas também usar esses argumentos como forma de ganhar espaço no tabuleiro internacional. Semelhante ao que acontece com a Alemanha, o Canadá se enquadra num segundo escalão global de influência política, apesar de ter economias e qualidade de vidas em excelentes níveis, visa subir alguns degraus de influência ao mostrar preocupações com problemas que muitos países não se podem dar ao “luxo” de discursar na tribuna, pelo fato de terem preocupações mais pertinentes a serem discutidas. Trudeau usa este tempo focar em crescimento sustentável, questões de gênero que estariam dificultando a experiência feminina no mercado de trabalho, preocupação com o ingresso de jovens no mercado e crescimento sustentável.
Por ter condições sociais e econômicas muito melhores que boa parte dos membros da ONU, o Canadá pode se desenvolver em áreas que requerem certo nível de infraestrutura interna de alta qualidade, e usar o espaço de discurso na ONU como forma de mostrar sua aptidão à desempenhar papéis de maior visibilidade no cenário político internacional, sem deixar a “humildade” de lado, assumindo equívocos que o governo canadense teve ao se relacionar com povos nativos ao longo de sua história. O Primeiro Ministro não hesita em colocar o Canadá abertamente como candidato a liderar missões pela ONU também, mostrando disposição em utilizar expertise militar em prol de ações humanitárias da organização. Ao fim do discurso, o Ministro cita ainda a grande acolhida canadense à onda de imigração Síria, reforçando a importância que seu país dá às diferenças culturais, religiosas e étnicas, colocando a diversidade como motivo de orgulho e força do povo canadense, mais uma vez utilizando um ponto muito forte para atribuir uma boa imagem ao Canadá, sendo interrompido por aplausos dos demais membros.
Fazendo uma análise crítica deste discurso, é claro o descontentamento que o Canadá tem em ainda ser considerado um anão político. O discurso se deu num período que antecedia as eleições norte americanas, e o Primeiro Ministro deixa implícita sua desaprovação quanto aos ideias mais restritivos na questão migratória que tem o atual presidente Trump, mostrando assim a disposição que o Canadá está assumindo em se destacar no cenário internacional. Trudeau é frequentemente associado à uma figura mais liberal e progressista por ser muito jovem para o cargo que ocupa, e por suas ações à frente do poder político canadense, como a nomeação de muitas mulheres e pessoas de diferentes etnias e religiões ao formar seu corpo ministerial. Essa grande diversidade representada oficialmente nos gabinetes oficiais, é trabalhada no discurso como uma grande vantagem e motivo de orgulho aos canadenses, numa tentativa de amenizar os diversos conflitos e grandes desentendimentos que o governo canadense teve ao longo de muito tempo, com os povos nativos indígenas, evidenciado num formal reconhecimento de que nem sempre o Canadá consegue ser exemplar.

Como todos os países fazem em seus discursos, versando mais contundentemente em áreas de domínio, o discurso canadense de “good guy” é usado até como tentativa de piada para quebrar gelo no início do discurso quando o Ministro diz que “canadenses são muito educados, até mesmo para reclamar”. O papel progressista e acolhedor do Canadá não é novidade, esta política esta presente à muito tempo e é uma identidade nacional, mas com a recente onda de refugiados de guerra e a reafirmação de que sim, o Canadá ainda está de braços abertos para receber quaisquer religiões e etnias que necessitem de abrigo, passa a ter maior foco frente à manifestações nacionalistas que vem crescendo na Europa, que não estão tão dispostas a receber refugiados como o Canadá se mostra, fazendo que o discurso seja entendido como um “puxão de orelha” aos demais países que se eximem de receber refugiados, ou pelo menos não são tão adeptos à recebe-los. Ao final do discurso, Trudeau ainda coloca as forças armadas canadenses à disposição da ONU, mostrando pro-atividade em ter seu pessoal militar engajado em operações além de suas fronteiras, de modo que expanda sua influência no cenário internacional.

Erlon Murilo da Silva Madeira: aluno do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
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sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Redes e Poder no Sistema Internacional: Os conflitos internacionais, a violência e as Relações Internacionais



A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2017 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

Os conflitos internacionais, a violência e as Relações Internacionais

Gustavo Glodes Blum *


Durante o ano de 2017, o Grupo de Pesquisa “Redes e Poder no Sistema Internacional” – RPSI se dedicou ao estudo dos conflitos internacionais. Dentro deste projeto, denominado “As redes da guerra e a guerra em rede”, buscamos, tanto coletiva como individualmente, trazer para a discussão das Relações Internacionais questões relevantes para a compreensão destes mesmos conflitos. E, a partir deste momento, os membros do RPSI passarão a trazer, para este espaço no Blog Internacionalize-se, alguns dos resultados de suas pesquisas - e tive a honra de poder começar a debater alguns dos elementos importantes que debatemos até agora.

Um primeiro elemento a se considerar quando analisamos os conflitos internacionais é a sua composição. Não há como analisar os conflitos internacionais sem tentar entender quais são as partes envolvidas, e nem a forma como elas se relacionam com processos socioespaciais relevantes para a evolução daquela questão, e o uso da violência no Sistema Internacional. Isso decorre do fato de que, como afirma Hew Strachan (2013), “A guerra é (...) não a aplicação unilateral de políticas, mas o produto de trocas recíprocas entre propostas políticas diversas” (p. 13). Se consideramos que a guerra é marcada pela multilateralidade, então torna-se necessário compreender o envolvimento destas partes, sendo que elas podem tanto ser beligerantes no conflito como partes envolvidas no processo de forma indireta.

Como, porém, compreender a intencionalidade destes atores? Por serem processos sociais, as guerras envolvem, necessariamente, estes agentes socioespaciais. E, se eles agem – mesmo em direção ao uso da violência como um todo – isso significa que o desenvolvimento das práticas de uso da violência direcionado à eliminação ou neutralização do inimigo traz, consigo, intenções e motivações. 

Poderíamos afirmar que as intenções são aquilo que alguém ou algum grupo pretende realizar, o objetivo de qualquer ação, uma vez que a realização de algum ato nunca é desinteressada, nem não-intencional (SANTOS, 2012; FOUCAULT, 2014). Ao utilizar a violência ou aplicar práticas de guerra, os grupos organizados em torno dos conflitos internacionais buscam atingir seus objetivos, sejam eles bem específicos e materialmente delimitados (como no caso das guerrilhas), sejam delineados em grandes temas de caráter quase transcendental (como é o caso do terrorismo nacionalista ou religioso). O uso da violência aparece como a forma necessária para atingir esse objetivo, e por isso compreender as intenções das partes é algo tão importante.

Por sua vez, as motivações podem ser consideradas as causas de desenvolvimento das ações, o que significa dizer que são as causas conforme interpretadas pelos atores beligerantes, que levam à tomada de ações com o cunho de participar, envolver-se ou inclusive se sobrepor ao conflito. Essas causas, porém, não podem ser consideradas causas individuais, já que seria simplificar os diversos processos sociais e históricos pelos quais passam esses grupos beligerantes. Assim, as guerras sempre devem ser compreendidas a partir de uma perspectiva longa duração, seja através da ideia de forças profundas de Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle, seja através da ideia de longas curvas de Ferdinand Braudel. 

Assim, analisar o jogo de forças de todas essas naturezas se apresenta como um método interessante para compreender a forma como os agentes beligerantes formularam suas motivações para agir através do uso da violência. Da mesma forma como os discursos justificadores da ação, e as cosmovisões dos beligerantes, as forças profundas nos permitem uma leitura contextual muito importante para que os conflitos possam ser encarados não como uma questão superficial, mas sim como “sintomas” de processos muito mais profundos e mais relevantes para a sua compreensão e, em última instância, sua resolução.

Fazer a relação entre os conflitos, o uso da violência e as Relações Internacionais, porém, exige debater com profundidade alguns elementos que permitem nos compreender a forma como esses elementos interagem entre si. Um aspecto relevante, por exemplo, é compreender a forma como estes conflitos interagem com outras regiões mundiais, ou se ele permanece circunscrito ou não à região onde se originou. Aí, dois conceitos geográficos podem auxiliar: a ideia de mobilização dos agentes socioespaciais e a amplitude do fenômeno – a escala (CASTRO, 1995) – e a forma como as ocorrências da violência afetam outras áreas do Sistema Internacional – as verticalidades e horizontalidades dos conflitos (SANTOS, 2012).

Por fim, uma última discussão que se faz necessária é a percepção a respeito da relação entre as partes envolvidas em sua dinâmica de conflito. Ao longa da pesquisa, nos pareceu interessante perceber que as definições tradicionais sobre a guerra surgiram apenas neste local, uma vez que percebem a guerra como combate, o que são questões diferentes e que estabelecem resultados diferentes dentro das suas análises. As categorias que utilizamos foram a de simetria jurídica, de capacidade e de números entre as partes; os meios utilizados para alcançar os objetivos da guerra; o tipo de armamento utilizado; e, os métodos de destruição utilizados durante o conflito. Ao longo deste semestre, os pesquisadores do RPSI apresentarão os resultados de suas pesquisas também a partir desta metodologia.

O que buscamos, ao longo deste projeto, é apresentar algumas discussões que devem ser aprofundadas sobre os conflitos internacionais. Nos parece que, embora tenham sido alvo de diversas discussões ao longo da história, os conflitos internacionais não têm recebido a devida atenção dos analistas das Relações Internacionais enquanto fenômeno social, e não enquanto problema a resolver. Desta maneira, esperamos que os debates aqui apresentados permitam discutir melhor a questão, assim como apresentar algumas possibilidades de análise.

Assim, as pesquisadoras e os pesquisadores do RPSI divulgarão dois tipos de textos ao longo deste semestre. Em uma primeira rodada, apresentarão a discussão que realizaram a respeito de seis tipos específicos de conflitos internacionais: as Guerras Tradicionais, as Guerrilhas, os Extermínios, a Guerra Contra o Terrorismo e o caso da Tecnologia aplicada à Guerra. Em um segundo momento, apresentarão, nesse espaço, os resultados das pesquisas individuais que estão desenvolvendo. Assim, convidamos a todos da comunidade acadêmica e interessados no tema a debaterem, em conjunto conosco, estes temas tão relevantes na atualidade.


REFERÊNCIAS
CASTRO, Iná E. de. O problema da escala. In: CASTRO, Iná E. de; GOMES, Paulo C. da C.; CORRÊA, Roberto L. Geografia : Conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1 : A vontade de saber. São Paulo: Paz e Terra, 2014.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço : Técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012.

STRACHAN, Hew. The direction of war : Contemporary strategy in historical perspective. Cambridge, Reino Unido: Cambridge Univesity Press, 2013.


* Gustavo Glodes Blum é Internacionalista e Mestre em Geografia, especializado em Geografia Política e Política Internacional Contemporânea. É professor do curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA e orientador do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".
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quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Por que comemorar os cem anos da Revolução Russa?

Artigo apresentado no curso de extensão “História, Cultura e Poder", ministrado pelo Prof. Eduardo Teixeira de Carvalho Junior, no Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.



* Por: Raphael Rigoni Rodrigues 

Completando cem anos em outubro deste ano, a Revolução Russa é provavelmente o maior símbolo histórico do século XX. Em menos de cinquenta anos a Rússia, um feudo atrasado, se tornaria a segunda maior potencia industrial do mundo, controlando por sua influencia metade do mundo. Por esses e outros motivos ela merece ser lembrada e estudada.
A Revolução Russa foi um movimento além do seu tempo e ficará marcada por toda historia. A revolução foi comandada por Vladimir Lenin que depôs a família imperial dos Romanov, líderes do Estado Russo desde o século XVI. A revolta popular era clara, a Rússia de 1917 era um Estado majoritariamente rural e atrasado que ainda vivia das glórias do passado, afundado em crises internas, em meio a uma guerra onde russos eram massacrados, a comida não era suficiente e o czar mais impopular que nunca. A revolução nos olhares populares representou mais do que simplesmente uma mudança, mas uma esperança de um povo desacreditado em seus czares. Ao decorrer dos anos os Romanov adquiriram uma fortuna dificilmente igualada pelos maiores dos burgueses, porém o povo russo somente poderia sonhar com o esplendor real da família imperial. Quando Lenin surge e fala para o trabalhador, a própria teoria Leninista foi moldada de acordo com as necessidades do povo russo, como a união do trabalhador do campo e do trabalhador urbano. Pela primeira vez em muito tempo alguém falava para a população. Dos primeiros passos de uma insatisfação popular até a morte de um Rei, qualquer semelhança entre as revoluções Russa e Francesa não é mera coincidência, se olharmos nas mentes dos dois principais nomes da revolução de outubro, Lenin e Trotsky, vemos o grande impacto deste evento na elaboração das teorias revolucionarias dos bolcheviques, um revolucionário francês em Moscou em 1920 teria dito “Eles conhecem a revolução francesa melhor que nós” (Hobsbawm, 1996, p. 73 e 62).
Ocorrendo 128 anos antes, a Revolução Francesa não foi um fenômeno isolado, mas sim uma dentre outras revoluções que tomaram forma no final do mesmo século. Entretanto foi a mais fundamental, sendo muito mais radical que qualquer outro levante, representou o fim não só de uma dinastia, mas de todo um sistema.  Representado a primeira republica moderna europeia, simboliza o inicio de um novo tempo, e por consequência o fim de outro. Ela surge primeiramente da insatisfação da população francesa em relação a sua monarquia. A burguesia, com o apoio das classes mais baixas, acabaria por degolar o rei, sua esposa, mas não só eles, toda a estrutura de mundo antigo e seu sistema. A Revolução Francesa representou para o mundo da sua época algo nunca visto antes. A completa destruição do status quo, da tomada de Bastilha até os dias finais da revolução, ela só tinha um objetivo, o povo. Segundo Hobsbawm (2010) ela não foi liderada por um partido ou movimento organizado, nem ao menos chegou a ter lideres, o que a difere da maioria dos outros movimentos, geralmente centrados na figura de uma única pessoa. Foi o consenso geral de ideias de um grupo social coerente que deu ao movimento uma unidade, esse grupo foi a burguesia. Porém fazendo uma referência ao livro Revolução dos bichos de George Orwell “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que os outros”.
A Revolução Francesa, por sua vez, deu o terreno necessário para o desenvolvimento da burguesia, semelhante à Revolução Russa, grande parte da massa era constituída por membros das classes mais baixas, os Sans-Coulouttes, entretanto foram os burgueses, que no controle politico revolucionário, colheram os frutos da revolução. Pode-se dizer que a Revolução Russa surge como uma consequência inevitável da Francesa, surgindo como um processo de maturação. Como citado anteriormente a burguesia foi a força motriz para os franceses e eles fariam o possível para salvaguardar seus direitos. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em seu primeiro artigo define “Todos os homens nascem e são livres e iguais em direitos”. Porém neste mesmo artigo reconhece distinções sociais em utilidade comum e ainda assume a propriedade privada como um bem natural e inviolável.
Por outro lado, a Revolução Russa, influenciada pelas ideias marxistas, enxerga na burguesia um inimigo, a guerra de classes. Ela teria como foco o russo comum, o trabalhador. Fazendo uma referência a Revolução Francesa, a Revolução Russa foi uma continuação por outros meios, foi uma Revolução de Sans-Culottes. O nome vem de um grupo da revolução francesa de mesmo nome, eram os membros das classes mais baixas ou lideres entre os comuns. Seu nome vem do Francês “Sem Calções”, vestimenta associada aos membros das classes superiores. A ausência de uma burguesia russa influenciou muito no formato da sociedade soviética, uma vez que a população era majoritariamente dividida entre nobres e ex-servos.
A Revolução Russa merece ser lembrada, pois como sua antecessora francesa teve um papel de destaque na formação de uma maneira diferente de se ver o mundo, a quebra de status quo. Em primeira vista a União Soviética pode ter acabado em 1989, e sua influencia direta pode ter também se exaurido com o tempo, mas seus impactos sociais estarão para sempre presentes no mundo. O mundo nunca mais foi o mesmo depois de 1917, assim como 1789. Os lideres de Estados vizinhos, tiveram que lidar com uma situação nunca vista antes, a justificação de poder que fugia do socialmente aceito. Em 1789 foi quebrada a relação soberano e servo, pela primeira vez a liberdade, igualdade e fraternidade foi mostrada ao mundo, a França pós-revolucionaria estenderia seus domínios de Portugal até a Polônia e da Normandia até o sul da Sicília, um Estado do povo havia subjugado seus inimigos monarcas e espalhado os ideais de sua revolução pelos quatro cantos da Europa.
Já em 1917, o individuo quebra as correntes que o aprisionavam em classes, a paz, o pão e terra foram cobrados de cada nobre e a Rússia czarista de servos e proletários, tornara-se a primeira republica socialista do mundo. Essa que vivia uma situação de quase pleno emprego, enquanto em 1930 os países capitalistas enfrentavam a pior crise da historia. Vale lembrar que em 1945 os russos colocariam sua bandeira sobre o Reichstag. Mas mais que isso a Revolução Russa mostrou para o mundo uma coisa ainda maior, como uma fênix, ela nos mostrou que existe sim uma forma diferente de se pensar, diferente do status quo. Afinal, não existe muita diferença entre o pão, a paz e a terra e a liberdade a igualdade e a fraternidade. Quando colocada em perspectiva, a Revolução Russa demonstra muito mais para a humanidade do que ela própria: a luta de toda sociedade pela liberdade. Toda uma luta inerente a qualquer sociedade.

Referencias Bibliográficas
FLORENZANO, M. A Revolução Russa Em Perspectiva Histórica e Comparada. São Paulo. 2008.
HOBSBAWM, E.  Ecos da Marselhesa: dois séculos reveem a Revolução Francesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
HOBSBAWM, E. A Era Das Revoluções. Rio De Janeiro. Paz & Terra, 2010.

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