terça-feira, 21 de julho de 2015

O papel da cultura em uma negociação internacional



Camile Wiederkehr[1]

“Há muitos mundos. Cada um é diferente. Cada um é importante. E é preciso aprender com eles, porque esses outros mundos, essas outras culturas, são espelhos em que podemos ver a nós mesmos, e graças a isso, podemos nos entendemos melhor - porque não podemos definir a nossa própria identidade até tê-la confrontado a dos outros, como comparação” (tradução livre) — R. Kapuscinski, Travels with Herodotus, p. 264.


Diante da recente notícia do acordo com o Irã celebrado entre Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha com o objetivo de limitar o programa nuclear daquele país, após longos anos de negociação, destaca-se a importância do debate e da compreensão cultural na esfera diplomática.
Como profissionais das relações internacionais, sabemos que quanto mais informações tivermos sobre os países que estudamos, mais acurada será nossa análise, pois para melhor compreender um fato devemos analisá-lo sob diversos ângulos. Em um processo de negociação não é diferente: é importante compreender os aspectos culturais do país da pessoa com que você está negociando além de saber a língua que ela fala. Em um mundo globalizado, interagir com pessoas que são culturalmente diferentes é uma realidade cada vez mais presente.
SegundoTHOMAS e INKSON (2006), cultura é comportamento, inclui nossos valores, crenças, ética, linguagem, modelos de pensamento, normas, regras, estilos de comunicação; é o produto da interação entre pessoas, de determinado grupo que valida sua maneira de ser frente aos demais, portanto é dinâmica, interacionista e tem seus aspectos positivos e negativos. Ao entendermos nossa própria cultura, podemos fazer comparações iniciais com outras, para distinguir as áreas de possíveis acordos e desacordos.
Cabe mencionar que a cultura afeta tantos as negociações em âmbito público quanto privado, tanto indivíduos, como Estados.Para uma melhor compreensão das atitudes e valores das sociedades, vale mencionar pesquisa realizada por Geert Hofstede (1991) que analisou a cultura de sessenta países, ocidentais e orientais, abrangendo colaboradores de uma corporação multinacional norte-americana. Em seu estudo, Hofstede destacou a importância da cultura nacional na explicação das diferenças em atitudes e valores em relação ao trabalho. 
Desta forma, podemos afirmar que cada país tem um traço cultural muito forte que é percebido não somente no ambiente familiar de um indivíduo, mas também, no ambiente social e profissional. Em uma negociação internacional, é importante ter conhecimento das características (econômicas, políticas, culturais...) de cada mercado.
Destarte, não seria indicado a imposição de opiniões ou conceitos num debate entre pessoas de diferentes culturas; é preciso aprender a negociar com parcimônia e tolerância para evitar possíveis frustrações.
De acordo com MANZUR (2010), para uma negociação eficaz, deve-se estar aberto à diversidade e não se deve deixar que preconceitos ou estereótipos prejudiquem a negociação. Por exemplo, um negociador pode pensar que ser direto e enfático numa negociação seja algo positivo, pois em seu ponto de vista, isso significaria economia de tempo e dinheiro. Entretanto, algumas culturas prezam por longas conversas e cerimônias antes de chegar a um acordo.
Diante de todo o exposto, observa-se que para aumentar as chances de sucesso numa negociação intercultural, faz-se necessário estudo prévio com o objetivo de compreender melhor a outra parte. Deve-se realizar uma análise global, envolvendo as mais variadas esferas de uma sociedade, sejam elas econômicas, políticas, sociais, culturais, entre outras.


Referências:

 

HOFSTEDE, Geert. Culture and organizations.Intercultural cooperation and its importance for survival. New York, McGraw-Hill, 1991.

KAPUSCINSKI, Ryszard. Travels with Herodotus. Translated by Klara Glowczewska. Random House, 2007.

MANZUR, Tânia Maria Pechir Gomes. Negociações Internacionais:um conceito possível, eficácia e eficiência no processo.Boletim Meridiano 47, Vol. 11, n. 119, 2010.

THOMAS, David e INKSON, Kerr. Inteligência cultural. Rio de Janeiro, RECORD, 2006. 




[1] Pós-graduanda em Direito Público pela Escola da Magistratura Federal do Paraná.  Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Graduada em Relações Internacionais pelo Centro Universitário Curitiba. E-mail de contato: camile_w@hotmail.com.
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terça-feira, 14 de julho de 2015

O Significado do Acordo Nuclear Iraniano



Chanceleres de China,França,Alemanha,União Europeia,Irã,Rússia,Reino Unido e EUA hoje em Viena : após muitas idas e vindas,o Acordo foi assinado.
                                                                                           
Por Andrew Patrick Traumann*

Hoje em Viena,após três prorrogações de prazo  finalmente o P5+1 (os 5 países membros do Conselho de Segurança mais a Alemanha),chegaram a um entendimento com o Irã acerca de seu programa nuclear.O numero de prorrogações de prazo  demonstravam  uma grande vontade política da dupla Obama/Kerry para que o Acordo saísse. A oposição norte-americana repetiu incansavelmente o mantra “No deal is better than a bad deal”, enquanto Obama com as bênçãos de Clinton, dizia que “A good deal is better than no deal at all”. Mesmo que o Senado ou a Câmara norte-americanos não aprovem o Acordo ,Obama poderá vetar o “Não” por se tratar de Acordo Executivo e não de um Tratado Internacional. Apenas se o “Não” obtiver dois terços dos votos no Senado o veto pode ser derrubado,o que é improvável,pois colocaria os EUA numa situação delicada frente a  Reino Unido,França,Alemanha,China e Rússia,os demais signatários do Acordo.

Mas o que está em jogo? Muita coisa : de um lado temos um país ansioso para sair de um isolamento internacional de 36 anos ,com mais da metade da população formada por jovens,muitos deles com nível superior e  que buscam emprego e estabilidade econômica. No Irã existe uma enorme expectativa acerca de como seria a vida sem as sanções. Os jornais iranianos diariamente noticiam a vinda de investidores ocidentais ansiosos pelas novas oportunidades que se abrem . 

Para começar o Irã receberá  de volta cerca de US$ 150 bilhões de dólares que estavam bloqueados em contas nos EUA e Europa,voltará a ser um player no mercado petrolífero mundial. Com a quarta  maior reserva de petróleo do mundo e a terceira de gás natural,as expectativas são altíssimas e tem sido alimentadas por um regime que vem sendo questionado pela jovem classe média urbana,que nem havia nascido quando houve a Revolução e que deseja uma política mais aberta no que tange as liberdades individuais. O governo,por sua vez, aposta na melhoria dos índices econômicos para conquistar essa parcela do eleitorado hostil ao regime,uma vez que quando a economia vai bem,a tendência é o enfraquecimento da oposição.

Para que as sanções contra Teerã sejam suspensas,o Irã aceitou descartar 98% do material nuclear que possui ,desativar dois terços de suas centrífugas,não enriquecer urânio por quinze anos,serão impedidos de comprar e vender armas por cinco anos e mísseis balísticos por oito.


Já para os EUA,os interesses são antes de tudo estratégicos : o Irã seria um aliado-chave de Washington para tentar solucionar a Crise na Síria,uma vez que são aliados do presidente Bashar Al Assad. Também seriam um parceiro na luta contra o Estado Islâmico na própria Síria e no seu ex-rival histórico e hoje aliado Iraque,poderia influenciar o Hezzbollah no Líbano (uma vez que é seu principal financiador) e levar a uma solução negociada no Iêmen,todos países onde há alguma forma de conflito envolvendo grupos xiitas. Um Irã sofrendo inspeções constantes da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) ,aceitando condições geralmente  impostas a países derrotados em guerras sem realmente ter tido a necessidade de levar o país a uma aventura militar,parece ser mais uma vitória da diplomacia de Obama. 

*Andrew Patrick Traumann,Doutor em História,Cultura e Poder pela UFPR é Professor de História das Relações Internacionais no UNICURITIBA.
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