quinta-feira, 28 de abril de 2016

A saída do Brasil na Liga das Nações: fiasco da diplomacia brasileira ou fracasso da organização internacional?

Resenha crítica desenvolvida na disciplina de Instituições Internacionais do Curso de Relações Internacionais do Unicuritiba, orientado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon.

* Por Larissa Helen






Do artigo da autora Norma Breda dos Santos: “Diplomacia e fiasco. Repensando a participação brasileira na Liga das Nações: elementos para uma nova interpretação” traz consigo o conjunto de pensamentos e explicações sobre a participação do Brasil na Liga das nações, em como esse momento trouxe um impacto para o papel do Brasil, tanto para como a própria Liga.          
A criação da Liga das Nações foi uma tentativa de trazer a paz e entendimentos para sociedade em um cenário conturbado após a Primeira Guerra Mundial. Traz consigo a ideia de uma segurança coletiva. Junto aos aliados dessa Guerra, o Brasil torna-se membro fundador da Liga das Nações.    
A autora cita em sua obra, que por parte do Brasil em entrar na Liga da Nações não havia certo interesse pelos problemas europeus no contexto, mas sim porque a participação do Brasil traria aumento do orgulho nacional, bem como seu reconhecimento.
Ao ocupar um dos quatro assentos não permanentes no Conselho da Liga em seu primeiro ano de funcionamento, 1920 e sendo reeleito até 1925 para o mesmo assento, o Brasil estabelece uma participação expressiva comparado a qualquer outro país latino-americano, também como há de lembrar a recusa dos EUA em decidir não participar da Liga, (outro ponto de destaque para o Brasil).  Vejamos aqui, que a autora traz um momento importante do Brasil na Liga, visto que eles agiam com certa espontaneidade e autonomia, principalmente em relação a ocupação dos assentos temporários do conselho com ausência de algumas regras efetivas.           
A busca pelo assento permanente:
Entretanto, se de um lado a ocupação do assento temporário foi de certa maneira fácil, a busca do Brasil pelo assento permanente não foi tão fácil assim, isso porque a autora explica em seu artigo, uma mudança de chefe para delegação brasileira, junto com novas regras que foram impostas na Liga para efetiva ocupação desses assentos.  Havia um certo desentendimento entre os membros da liga, pois o novo chefe da delegação Mello Franco, ao chegar na delegação sugeriu criar dois novos assentos permanentes, um ocupado pela Espanha até Alemanha adentrar na liga (outro problema que é citado mais além) e o outro assento o Brasil ocuparia no lugar dos Estados Unidos. De certa maneira, Mello Franco sugeriu essa proposta para facilitar a conquista do Brasil para esse assento, o que obviamente fica claro a “bagunça” em relação a escolha desses assentos.  
Porém, sua proposta é bem recebida pelos membros do conselho, deixando de lado Robert Cecil, represente britânico que não concorda com o número de assentos, e do representante Espanhol que declara que seu país jamais aceitaria guardar um lugar para Alemanha, como a autora cita em seu artigo.
Mello Franco resistente, faz um possível acordo entre as partes adversas, e em uma de suas tentativas cria uma embaixada junto a liga em 1924, no mesmo ano o governo brasileiro elabora uma campanha no Brasil para divulgar o objetivo de obter o assento permanente.  Fica claro a participação efetiva do Brasil junto a liga para conquistar um passo a mais dentro dela, talvez por busca de interesses? Ou por realmente buscar os objetivos concretos?                       
Em 1924, a assembleia reelege ao Conselho o Brasil e os demais cinco países membros temporários.  As tentativas de Mello Franco deram certo, pelo menos por esse período em darem a notícia ao governo Brasileiro.                       

O problema alemão:
No começo ao criar a Liga, Alemanha fica de fora, (juntando aqui o Tratado de Versalhes), porém o governo alemão deseja adentrar na Liga. Mas ao adentrar na liga, o país já ocuparia um assento permanente, isso seria um reconhecimento da Alemanha como grande potência, mas para isso precisava da aceitação do Conselho e de seus membros. O Brasil até então, oferece apoio a entrada Alemã, e não se opõe a que esse novo membro obtenha um lugar no conselho, porém isso foi somente de imediato. Aqui, mais uma vez, Brasil não fica de lado, e não se abstém em dar sua voz.
Regis de Oliveira é nomeado embaixador em Londres, e ao contrário de certas posições, afirmando em um memorando que é entregue ao embaixador Chamberlain, diz que a entrada da Alemanha ao Conselho agravará o desequilíbrio, e surgirá uma desigualdade, pois enquanto a Europa terá quatro representantes no Conselho, a América não terá nenhum. Essa afirmação confirma a opinião dos Estados Unidos, que vinha afirmando “ a Liga das Nações é um instrumento de política europeia a serviço de uma aliança entre os governos das grandes potencias” De um lado surge o apoio a entrada da Alemanha, mas de outro fica claro a não representatividade da América, esse memorando objetiva essa representação, demostrando que a solução mais justa seria de manter o Brasil no Conselho.
O que fica claro, é a voz das grandes potencias, Alemanha nem tinha adentrado na Liga e já possuía “certa força” enquanto Brasil e Espanha continuavam com suas reivindicações. Outro problema, seria a crise da escolha do Conselho, novamente com ausência de regras.

Os (Des)Acordos de Locarno:     
A dificuldade para se escolher os membros do Conselho se segue, e possui opiniões divergentes de diversos países.
Como a autora explica em seu artigo, o acordo de Locarno seria a reaproximação franco-alemã o que fortaleceria a segurança europeia e dariam mais voz para Alemanha frente a Liga. Chega-se então a um igualmente acordo para que a Alemanha fosse admitida na Liga reconhecida como grande potência, o que significaria que teria um lugar permanente no Conselho, o que não ficou claro se haveria mudanças ou não frente a isso, como a autora explica.       
Mas não só a Alemanha seguia nessa questão, a Polônia também começou a “reivindicar seus direitos” pedindo que a mesma seja admitida com mesma igualdade perante à Alemanha no Conselho.
Mas o que se segue adiante, é uma série de acordos, relações, tentativas para se chegar a conclusões das escolhas do Conselho: aumenta o Conselho? Diminuiu? Da voz a Alemanha? A Polônia? Ao Brasil, e a Espanha? O que fica claro são as dificuldades de resoluções como a própria autora relata em seu artigo:  “Chamberlain menciona as dificuldades que estava enfrentando para decidir sobre o que melhor conviria aos interesses do Conselho em razão das reivindicações apresentadas nos últimos meses por diversos países, pg 95”
Fica resolvido em primeira parte, a adesão da Polônia ao Conselho, com isso, obviamente as grandes potencias passam a ter mais forças em suas reivindicações, até porque surge a eventualidade de um aumento no número de assentos permanentes no Conselho, o que faz os países a terem mais motivos de exigirem seus direitos.          
E recurso ao veto? Em um dos seus pontos a autora explica: “A possibilidade do recurso ao veto? ”
Sim, os países membros do Conselho ainda que não permanentes poderiam dar o poder do veto, e esse fato ocorreu em relação a Alemanha.
No dia 8 de fevereiro de 1926 o governo Alemão entrega à Liga sua solicitação oficial de admissão, e é convocado uma Assembleia Extraordinária, a fim de votar a entrada alemã.  A relação de Países a favor ou contra que se seguiu foi essa:
-Japão: contra ampliação do Conselho.
-Itália: apoia o pedido da Polônia, assim como não fica contra ao Brasil.
-Tchecoslováquia: a favor de assentos permanentes a Espanha e Brasil.
-Bélgica: apoia Polônia, e estava pronta a negociar.
-Espanha: aceita a candidatura da Polônia e do Brasil, mas impõe sua vontade de ver sua solicitação aceita.     
-Uruguai: somente quer ter seu mandato renovado, mas possui simpatia ao governo Brasileiro.
-China: vontade de assento permanente.
- Suécia: Não aceita criação de Conselhos Permanentes, somente á Alemanha.
Percebendo as opiniões desses Países, é que cada um segue de acordo com sua política, ora, obviamente, se um país quer prorrogar seu assento, seria favorável apoiar quem queira também, ou ao contrário, o fato é que há certas influencias e interesses por trás de cada escolha.         
Brasil segue firme na sua decisão de veto para entrada na Alemanha no Conselho, pois como deixa claro, essa entrada acentuaria mais a “desigualdade” sem oportunidade de nenhum País representar a América, aumentando o reconhecimento da Europa.
Podemos, de certa maneira, compreender a decisão do Brasil até o momento. Pois, o Brasil sempre esteve presente na Liga, ainda que no conselho temporário e talvez por interesses não tão verdadeiros, como reconhecimento próprio, não dá para negar sua presença ativa, e com certeza, ele não aceitaria nenhum País entrar diretamente no Conselho ocupando assento permanente sem ter tido uma significativa presença, por mais que esse País fosse a Alemanha com grande influência pela Europa.

Não resta dúvida, de como fica claro a oposição da Europa (principalmente Alemanha) frente ao Brasil.
Mas o que explica esse fato? A autora cita que uma explicação provável seria o fato das lideranças europeias ainda viverem no século XIX, onde suas diplomacias regulavam o mundo ganhando qualquer decisão, não permitindo nenhuma opinião divergente. Lembrando que esses fatos coincidiram ainda com a crise de 1926.    
Sobre alguns olhares e pesquisas de estudiosos sobre a participação do Brasil na Liga das Nações, pode-se dizer que não foi tão bem vista como deveria ser, ainda que ressaltam pontos positivo, entretanto como a própria autora cita no artigo: “.... Caracterizam os episódios em torno da retirada brasileira da Liga como um verdadeiro fiasco, pg 104”
                                                                                   
Elementos para uma nova interpretação:         
A batalha brasileira finalmente obteve seu fim, e o fim, infelizmente, não se deu por o estimado objetivo: o assento permanente. No dia 18 de março de 1926, uma Comissão foi encarregada de estudar a composição do Conselho. Dessa comissão faziam parte os dez membros e mais cinco membros. O Brasil participou da primeira sessão de reuniões, mas não participou da segunda reunião, pois o Governo Brasileiro comunica sua retirada da Liga no dia 10 de junho de 1926.                        
Mas qual foram os principais erros do Brasil, ou da própria Liga, para a participação do Brasil se dá por fim?
Um dos pontos que a autora cita, é a falta de apoio das delegações latino-americanas ás pretensões brasileiras na Liga. Brasil sempre deixou claro a busca pela representatividade da América no Conselho, e não recebeu apoio efetivo vindo dos países latinos.            
A figura de Melo Franco, de certa maneira prejudicou o Brasil frente a Liga, pois como a autora explica, os argumentos de Franco eram incompatíveis entre si, visto a divergência de suas frases, apresentando o Brasil como substituto legitimo dos Estados Unidos e em seguida como represente natural dos países latino-americanos, deixando a contradição em que o Brasil se mostrava.           
Inevitável não citar a diplomacia como um dos pontos principais, pois era ela quem representava o País. Apesar de seus esforços, Mello Franco, Bernades e Pacheco, perderam-se em seus erros, deixando a imagem do “fiasco” brasileiro.                   
Por fim, e não menos importante, a autora cita a vontade do Brasil para um lugar no assento permanente do Conselho de Segurança da ONU. Para não cometer o mesmo erro da Liga, o Brasil e principalmente seus representes precisam estudar, analisar devidamente o que se passa no contexto internacional, e também buscar um objetivo, que não seja esse só por interesse (desejo de prestigio) ou talvez pelo voluntarismo do governo Brasileiro e Itamaraty, e sim por objetivos claros e busca da cooperação internacional, obviamente o contexto atual é diferente, mas lembrar é sempre bom.
Em relação à Liga, temos que reconhecer a participação ativa do Brasil, suas opiniões, suas ideias, tentativas de acordos, ainda que foram mais erros do que acertos, o que não dá para negar, é que infelizmente a Liga das Nações errou como um todo.
A busca pelos interesses próprios, a luta de ego, a hierarquia vinda da Europa, a crise de escolha de assentos, não representatividade de países como Espanha e Brasil, infelizmente o objetivo principal foi esquecido como a busca da reorganização, ajudaram para que o fim se culminasse.

Porém, foi um passo, um passo para tentativa de ordem e paz, que não deve ser desmerecido na história, pois abriu caminho para o surgimento de novas Instituições Internacionais, como a própria ONU.

* Larissa Helen - aluna do 4 período do Curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. 
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quarta-feira, 27 de abril de 2016

Direito Internacional em Foco: O Caso da Fábrica de Chorzow e o Princípio da Reparação de Danos








A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.

O Caso da Fábrica de Chorzow e o Princípio da Reparação de Danos
Kemilly Elisama Alvim de Oliveira, Beatriz Marins Correa de Sa, Franciele dos Anjos Silva
O caso da Fábrica de Chorzow, julgado pela Corte Permanente de Justiça Internacional, órgão da Liga das Nações tem inestimável importância no Direito Internacional Público, por ter reconhecido,  pela primeira vez em âmbito internacional, o princípio da reparação de danos, corolário do que se tornaria o princípio da responsabilidade internacional, aplicado hoje em todos os ramos do direito internacional.
Em 1915, o governo alemão do segundo Reich assinou um contrato com a empresa Bayrische Stickstoffwerk para construir uma fábrica de nitratos na cidade de Chorzow, Alta Silésia, então parte da Alemanha. As terras onde a Fábrica foi construída foram adquiridas de entes privados em nome do império e assim foram registradas, de acordo com as formalidades da época. 
Caberia à empresa gerenciar o empreendimento até 1941; não obstante a propriedade pertencesse ao império, a empresa detinha a propriedade das patentes, licenças e outros bens intangíveis decorrentes do empreendimento. O governo da Alemanha, por sua vez, participava dos lucros e supervisionava sua apuração e distribuição. O mesmo ainda poderia descontinuar o contrato de gestão da fábrica dentro de condições pré-estabelecidas, dentre as quais constava a quantia de lucros a ser transferido ao governo alemão ficar abaixo de um determinado patamar. 
Em 1919, por meio de novo contrato, as terras, a propriedade da fábrica, as matérias primas e os demais bens tangíveis foram vendidos, passando da propriedade do império para a posse de outra empresa, a Oberschlesische Stickstoffwerk. Já a responsabilidade pelo gerenciamento da fábrica, a gestão de sua força de trabalho, as patentes e os demais bens intangíveis seguiram pertencendo à  Bayrische Stickstoffwerk. 
Por conta de sua derrota na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha, de acordo com o Tratado de Versalhes, viu-se alvo de diversas sanções estabelecidas pelos Estados Aliados. Neste contexto, perdeu  cerca de 10% de seu território. Dentre as terras perdidas estava parte da região da Alta Silésia, em que se situa a cidade de Chorzow, que passou a integrar o território da Polônia.
Assim, em 1920, a empresa Oberschlesische Stickstoffwerk passou a figurar como proprietária nos órgãos de registro que tinham a nova jurisdição sobre a região. Em 1922, no entanto, uma decisão da corte local polonesa anulou o registro em nome da Oberschlesische e passou a registrar que a fábrica e as terras pertenciam ao tesouro polonês.  
Dessa forma, o governo polonês expropriou as empresas alemãs e tomou posse da fábrica naquele ano. A empresa, inconformada com a situação, demandou que se restaurasse a situação anterior ou que se pagasse uma indenização tanto sob o Tribunal Arbitral Misto Germano-Polonês de Paris quanto sob a justiça polonesa, o que foi rejeitado pela Polônia. Em 1925, com a causa não resolvida em nenhum dos tribunais, a Alemanha ingressou com um caso na Corte Permanente de Justiça Internacional.
 A Alemanha formulou à Corte dois pedidos: que o réu, a Polônia, fosse condenado à indenização à Companhia Oberschlesische e tivesse de cumpri-lo com o prazo de um mês após o julgamento; e que o réu fosse proibido de exportação de nitratos para a Alemanha, Estados Unidos, Itália e França, visando impedir o uso polonês da expertise adquirida dos alemães como fator de concorrência. A Alemanha ainda exigia uma indenização provisória até que o caso fosse julgado.
 governo polonês se defendeu alegando que a CIJ não tinha competência para julgar tal fato; e que, ainda que tivesse, os pedidos não poderiam ser julgados até que a questão fosse decidida no Tribunal Arbitral Germano-Polonês.
A importância do caso reside na decisão com relação ao primeiro pedido alemão, de reparações, que foi aceito pela Corte. O segundo, de impedimento polonês de comercialização de nitratos, foi julgado improcedente, visto que danos advindos da concorrência já estavam considerados na indenização decorrente do primeiro. Já os argumentos poloneses foram ambos negados: a Corte se declarou competente no caso baseando-se em uma convenção relativa à transição dos territórios pós-Versalhes, a Convenção de Genebra de 1922, que lhe conferia jurisdição sobre questões não resolvidas; e concluiu sob o mesmo tratado que a pendência de julgamento no Tribunal Arbitral Misto não impedia sua atuação.
No ponto que nos diz respeito, a Corte Permanente de Justiça Internacional decidiu que o Governo Polonês devia reparar o dano que causou, fundamentando-se em argumentos que teriam grande impacto ao Direito Internacional. As quantias de indenização foram fixadas em 59.400.000 Reichmarks para a Companhia Oberschlesische e 16.775.200 Reichsmarks para a Companhia Bayerische Stickstoffwerke.
Decidiu a Corte, na decisão de mérito de 1928: “É um princípio do direito internacional, e mesmo uma concepção geral de direito, que qualquer violação de compromisso implica na obrigação de se fazer uma reparação [...] A reparação é o complemento indispensável à falha em se aplicar uma convenção, e sequer há a necessidade de que isso seja declarado na própria convenção” (tradução nossa). Em outras palavras, a obrigação de reparação de danos é um princípio geral do Direito, que, portanto,  não precisa estar positivado para que seja aplicado.
A aplicação de tal princípio pela Corte Permanente de Justiça Internacional trouxe importante jurisprudência, tornando-o aplicável em todos os casos seguintes e nos mais diversos ramos do Direito Internacional, sendo corolário da responsabilidade internacional.
É interessante notar, por exemplo, seu uso pelo Direito Internacional Humanitário. A Regra 150 da Cruz Vermelha, parte do documento que estabelece as regras provindas do direito internacional consuetudinário, citando o caso de Chorzow em seus fundamentos, estabelece: “Um Estado responsável por violações de Direito Internacional Humanitário é obrigado a fazer reparação total pela perda ou dano causado.”
Por fim, como afirmam Accioly et. al. sobre o caso: “teve importância fundamental – porquanto determina que segundo o direito internacional caberá determinar o fato internacionalmente ilícito [...] Constitui a doutrina fundamental em matéria de reparação internacional de danos; formula o princípio fundamental da proteção dos direitos adquiridos; afirma a primazia do direito internacional sobre os atos internos; e será precedente invocado em numerosos casos posteriores.”
Trata-se, portanto, de um importante caso, que precisa ser conhecido pelos estudiosos de Direito Internacional Público.

FONTES CONSULTADAS:
http://opil.ouplaw.com/view/10.1093/law:icgj/247pcij27.case.1/law-icgj-247pcij27
FONTE DA IMAGEM:
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/principal.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12308


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terça-feira, 26 de abril de 2016

Redes e Poder no Sistema Internacional: Impactos da nova LATAM na aviação brasileira e sulamericana


A seção Redes e Poder no Sistema Internacional é produzida por integrantes do Grupo de Pesquisa “Redes e Poder no Sistema Internacional”, que desenvolve no ano de 2016 o projeto “Controle, governamentalidade e conflitos em novas territorialidades” no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca promover o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a inter-relação entre redes e poder no SI. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

Impactos da nova LATAM na aviação brasileira e sulamericana

Rafael Veenstra*

A nova bandeira da aviação sul americana, LATAM Airlines, deve começar a cruzar os ares do planeta ainda neste ano de 2016. A marca, fruto da unificação das duas marcas TAM e LAN, foi apresentada ao público em evento realizado em agosto passado na cidade de São Paulo com a presença do CEO do grupo, Enrique Cueto, no qual também foi anunciado que as primeiras aeronaves com a nova identidade devem ser apresentadas já no primeiro semestre desse ano. Além da pintura das aeronaves, a mudança também estará presente nos aeroportos, uniformes, websites e programas de fidelidade das empresas, e deverá se concretizar dentro de 3 anos.
A associação das duas gigantes da aviação sul americana foi anunciada no ano de 2010 e concluída no ano de 2012, com a criação da holding chamada LATAM Airlines Group S/A. A distribuição acionária do grupo se deu de forma que 70,6% estivesse nas mãos do lado chileno e 29,4% do lado brasileiro. A LATAM teria ainda 100% das ações preferenciais (sem direito a voto) da TAM, mas apenas 20% das ações ordinárias. Na ocasião, a movimentação foi vista como uma alternativa criativa para viabilizar o negócio, uma vez que a legislação brasileira não permitia um capital volante estrangeiro superior à 20% nas empresas aéreas – o que impossibilitaria, por exemplo, a compra da empresa brasileira pela chilena.
O grupo conta atualmente com mais de 53 mil funcionários, operando para 144 destinos em 26 países e uma frota de 326 aeronaves, além de receitas operacionais que orbitam a casa da dezenas de bilhão de dólares anuais. São números que posicionam a companhia entre as maiores do planeta e permitem traçar planos arrojados, como a meta anunciada de estar entre os três maiores grupos do globo até o ano de 2018. Além de TAM e LAN,  a bandeira da LATAM, também deve ser passar a estampada pelas subsidiárias da LAN no Perú, Argentina, Colômbia e Equador, além da TAM Mercosur, LAN Cargo e ABSA.
A escolha da identidade visual e do novo logo da companhia - que tem uma forma nos remete ao mapa da América do Sul, fazem um apelo à idéia de conexão e valorização de uma só “Latinoamérica”, da integração. Uma noção de integração, porém, que se restringe aos pontos conectados pela extensa malha ofertada pelo grupo.
Se analisarmos o impacto das operações de uma mega-empresa no âmbito regional, observa-se justamente o contrário, uma vez que há um ambiente amplamente desfavorável à competição e ao equilíbrio do mercado. A família à frente do grupo (e que controla a aérea chilena desde o início da década de 90) é conhecida por sua gestão de “pulso firme” e orientação fortemente voltada a números, cortes de gastos e otimização de recursos. Esta visão não abriria espaço para uma real integração do setor no continente – baseada nas necessidades regionais de fomento da atividade do transporte aéreo, sendo muito mais provável que a atuação nesse sentido se dê a partir da/como conseqüência da consideração de fatores a como a rentabilidade operacional e os interesses próprios de expansão ou manutenção da companhia.
O processo todo coloca o Brasil em uma posição de considerável vulnerabilidade uma vez que, imobilizados, deixamos a cargo da iniciativa privada chilena (ainda que o grupo conte com representantes brasileiros em posições importantes, a palavra final será dada pelos chilenos) uma série decisões estratégicas que tem impacto direto e dizem respeito à circulação de pessoas e acessos, dentro de nosso próprio território. Ao consolidar a união, o grupo LATAM abocanhou também um market share de 75% dos voos internacionais de passageiros do país. Para que se possa dimensionar o tamanho do encolhimento da participação, na década de 90 - com as operações simultâneas de empresas como VARIG, VASP e Transbrasil, os voos internacionais realizados por empresas brasileiras correspondiam a cerca de 60% do total. Estima-se que o número seja inferior a 20%, levando em conta até então a participação majoritária da TAM.
A fusão entre grandes companhias aéreas não é novidade, tendo sido realizada inclusive por gigantes da aviação civil mundial como Air France e a holandesa KLM, que uniram forças no ano de 2004 criando a terceira maior empresa do mundo no segmento. Nesse caso, porém, a aliança preservou as marcas e o funcionamento independente das companhias, e os respectivos governos mantiveram a participação em cotas significativas das respectivas empresas. Há um conjunto de elementos inerentes à atividade que eleva as essas grandes empresas de aviação civil um patamar de “patrimônio nacional”. Observa-se que até mesmo nas regiões do planeta onde as experiências de integração regional avançaram de forma bem sucedida, houve esforços para a preservação das empresas de bandeira nacional. e bandeira brasileira caiu para a casa dos 20%. Com a perda da M responde por 75% do market share no transporte de passageiros

O fim anunciado da TAM, a criação de uma marca de identidade híbrida para ocupar as maiores fatias do mercado doméstico e internacional e a transferência do centro estratégico da aviação civil sul americana para a capital chilena, apresentam uma nova realidade à aviação brasileira. Uma movimentação estratégica que nos colocou, apesar do histórico de pioneirismo e participação ativa no desenvolvimento da aviação civil internacional - e das grandes companhias que já operaram em nosso país, do amplo potencial e das dimensões favoráveis; na incomoda posição de coadjuvantes. Assistimos a essa transição com um ar de incredulidade, mas a um passo nos tornarmos, ao menos no que diz respeito à aviação – e pela primeira vez nessa história, um gigante sem bandeira.


* Rafael Veenstra é graduando do 7º Período do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e membro do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".
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segunda-feira, 25 de abril de 2016

Direito Internacional em Foco: O Caso Folke Bernadotte e a Personalidade Jurídica das Organizações Internacionais.





 A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.


O Caso Folke Bernadotte e a Personalidade Jurídica das Organizações Internacionais.

Camila Ersina, Diana Nishida, Lauãny Kintopp

No dia 17 de setembro de 1948 o mundo acordou com a trágica notícia do assassinato do Conde sueco Folke Bernadotte. O Conde havia sido nomeado pela ONU mediador de paz entre os Estados árabes e o recém-criado Estado de Israel. Diplomata fluente em seis línguas, conseguiu a libertação de 20 mil judeus dos campos de concentração alemães durante a segunda guerra mundial, período em que também ganhou reconhecimento internacional devido ao seu desempenho como chefe da Cruz Vermelha na Suécia. Seu assassinato ocorreu no contexto das primeiras negociações Israel-Palestina. 

A resolução da ONU de 29 de novembro de 1947, que firmava a partilha da Palestina, somada à declaração de independência do Estado de Israel em 14 de maio de 1948, intensificou o conflito entre árabes e judeus na região. Foi quando cinco exércitos de países árabes invadiram Israel. A resolução, que tinha como objetivo acabar com o conflito na Palestina, acabou por ser o estopim de uma forte escalada de conflitos. Neste cenário, Bernardotte permaneceu na Palestina a fim de negociar uma trégua, o que de fato conseguiu, resultando em um cessar-fogo de 30 dias.

Após viajar para o Cairo, Beirute, Amã e Tel Aviv, analisando a resposta dos Estados da região, o diplomata sueco caracterizou a partilha da Palestina como "um plano desastroso". Assim, decidiu apresentar seu próprio plano, no qual propunha que Israel cedesse Neguev e Jerusalém à antiga Transjordânia em troca da Galileia ocidental. 

O diplomata era a favor da desmilitarização de Jerusalém, afirmando que o comportamento belicoso das forças israelenses na cidade era desnecessário. Folke sugeriu ainda que os aeroportos de Haifa e Lydda se tornassem zonas livres e a imigração ilimitada por dois anos, após os quais o imbróglio passaria a ser administrado pela ONU. Ambos, árabes e judeus, rejeitaram o plano do mediador e o confronto armado foi, assim, retomado.

No contexto do conflito figurava o grupo israelense de extrema direita conhecido como LEHI (Lutadores pela Liberdade de Israel), também chamados de Gangue Stern, comprometidos com uma campanha de terror a fim de forçar a saída de não israelenses da Palestina. O grupo via os esforços diplomáticos de Folke Bernadotte como uma ameaça à recente independência de Israel. Foi nesse contexto que o LEHI, sob comando de Yitzhak Shamir, colocou quatro homens em treinamento para matar o sueco.

Foi então que, no dia 17 de setembro de 1948, Folke voltava de uma viagem a Beirute e seguia em direção à Palestina, em função de visitar Ramallah. Ali, sofreu uma primeira tentativa de assassinato, dirigida pelo grupo israelense. Nesta primeira tentativa ninguém se feriu, porém, mais tarde, naquele mesmo dia, não conseguiu escapar da segunda tentativa do grupo. No dia seguinte, seu corpo foi levado a Haifa e depois seguiu para a Suécia.

O governo israelense taxou o ato como ação terrorista, negando qualquer envolvimento, porém certamente houve negligência na investigação do crime; os culpados não foram condenados ou sequer julgados. Ironicamente, anos mais tarde, em 1983, o líder da Gangue Stern, Yitzhak Shamir, envolvido com o assassinato de Folke, foi eleito Primeiro Ministro de Israel.

Após o assassinato, e frente à inação do governo israelense, a ONU decidiu levar o debate à Corte Internacional de Justiça (CIJ). Em 3 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral adotou a resolução que submeteu à Corte duas questões jurídicas, pedindo uma opinião consultiva. Indagou-se se, em primeiro lugar, a ONU, na qualidade de uma organização internacional (OI), teria a capacidade de fazer uma reivindicação internacional contra um Estado em vistas de obter reparações por danos causados à organização ou aos seus agentes; e, se sim, com relação aos agentes, como tal ação pela ONU poderia ser conciliada com iguais direitos de proteção dotados pelo Estado de nacionalidade do indivíduo em questão.

O importante parecer respondeu afirmativamente à primeira questão, conferindo à organização o direito de formular reclamações contra o governo israelense e criando jurisprudência concernente ao tema ao estabelecer o status de personalidade jurídica à ONU.

Após o pedido de reparação, Israel reconheceu que houve negligência nas investigações do crime, em que nenhum suspeito foi condenado. Assim, concordou em pagar uma indenização à ONU, no valor de U$ 54.328,00.

A grande relevância desse caso, para o Direito Internacional Público, encontra-se na abordagem feita quanto à personalidade jurídica das OIs. Foi garantida, aí, a condição de sujeito internacional, ou a posse de personalidade jurídica de direito das gentes, a entidades carentes de espaço territorial e contingente demográfico próprios.

Tal personalidade diz-se "derivada", o que a difere da personalidade dos Estados, que é originária. Caracteriza-se um ente portador de personalidade jurídica internacional aquele que é capaz de celebrar tratados, dispor de direitos e deveres internacionais e ainda possuir responsabilidade internacional. Além dos Estados soberanos e, a partir do Caso Bernardotte, das OIs, são comumente reconhecidas as personalidades da Santa Sé e da Ordem de Malta, dos blocos econômicos, da Cruz Vermelha e, em circunstâncias excepcionais, de insurgentes e beligerantes. Há, ainda, intenso debate sobre a consideração das empresas transnacionais, organizações não governamentais e indivíduos como sujeitos de Direito Internacional.

Por carecerem de uma base territorial, as OIs precisam que um Estado compactue com sua instalação física em algum ponto dentro de suas fronteiras, o que ocorre mediante a celebração de um tratado bilateral entre as duas partes, designado acordo de sede. Não é incomum, no entanto, que determinada organização celebre acordos com mais de um Estado. A própria ONU celebrou acordos de sede com EUA, Suíça, Países Baixos e Genebra, havendo uma sede em cada país.

No discurso clássico, o direito das gentes ressalta a necessidade de proteção dos estrangeiros, devendo esta ser preservada em toda parte dentro das fronteiras estatais e sendo cabível a nacionais ou não nacionais, sem distinção. No âmbito internacional, evidencia a responsabilidade que um ente tem em caso de afronta a uma norma de direito das gentes e que provoque resultado para outro Estado; e, a partir da decisão em questão, também que provoque danos a OIs.

No caso do assassinato de Bernardotte, existiu responsabilidade por haver negligência por parte do Estado de Israel, que não foi eficaz na proteção do estrangeiro que estava em seu território a serviço de outro ente portador de personalidade jurídica.

Com relação à segunda questão apresentada pela Assembleia Geral à CIJ, a opinião consultiva estatuiu a primazia da proteção funcional sobre a proteção diplomática, no contexto das OIs.  O fundamento pode ser sintetizado pelo ensino de Francisco Rezek: não há um vínculo de nacionalidade entre o agente e a OI, donde prevalece o vínculo derivado da função exercida por este indivíduo no quadro da pessoa jurídica. Ou seja, a proteção feita pela OI deriva da função exercida pelo indivíduo em nome da organização em causa.

Apesar do Parecer Consultivo Bernadotte ter sido um marco para o Direito Internacional Público, ajudando a definir a teoria dos poderes implícitos, o assassinato do diplomata foi uma grande perda não só para a ONU, mas também para a humanidade, posto que ele dedicou sua vida e carreira a causas humanitárias, deixando um legado para a diplomacia.

FONTES CONSULTADAS:

Rezek, Francisco - Direito Internacional Público. 15ª Ed. Brasil: Saraiva Editora, 2014. ISBN 9788502215900.
Casella, Paulo Borba - Manual de direito internacional público. Paulo Borba Casella, Hildebrando Accioly e G.— 20ª ed. — São Paulo: Saraiva, 2012. (8502155873).
 Ilan, Amitzur- Bernadotte in Palestine. 1ª Ed. Mac Millan 1989 ISBN 9780333472743.

http://opiniojuris.org/2006/07/26/the-shelling-of-the-un-and-the-history-of-international-personality/

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