quinta-feira, 14 de abril de 2016

Direito Internacional em Foco: O Caso de Yerodia (RDC v. Bélgica) e a Imunidade no Direito Internacional










A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição. 


 

O Caso de Yerodia (RDC v. Bélgica) e a Imunidade no Direito Internacional

Francielly S. Costa e Luis Gabriel D. Brito



            Abdoulaye Yerodia Ndombasi foi o Ministro das Relações Exteriores da República Democrática do Congo (RDC) entre 1999 e 2000. Foi acusado em uma Corte belga de incitar ódio racial, chegando a supostamente incitar publicamente a população congolesa a atacar pessoas da etnia tutsi residentes em Ruanda. Seu caso discute uma importante questão do direito internacional: a imunidade e inviolabilidade de representantes de Estado.

            Em abril de 2000, o Ministro Yerodia, ainda em exercício de seu cargo, foi sujeito a um mandado de prisão de um Magistrado Belga, veiculado a todos os Estados, incluindo a RDC, através da lista da Interpol. O mandado pedia por sua prisão e extradição à Bélgica, onde seria julgado, e baseava-se na acusação de coautoria de crimes que infringiam as convenções de Genebra de 1949 e seus protocolos adicionais, relativos a crimes de guerra, assim como de crimes contra a humanidade, por conta de seus atos na RDC.

            A atitude belga foi fundamentada no princípio da jurisdição universal, segundo a qual algumas normas internacionais são erga omnes, dirigidas a e intituladas por toda a comunidade mundial, implicando que qualquer Estado possa reivindicar jurisdição sobre determinado indivíduo independentemente de onde o crime foi cometido, se este for notório em gravidade. Dessa forma, reivindicando a Bélgica jurisdição mesmo por crimes cometidos sob jurisdição territorial do outro Estado.

            Este princípio foi reconhecido fortemente no Caso Pinochet, divisor de águas no Direito Internacional, em que o ex-presidente chileno foi submetido a pedido de prisão de Magistrado Espanhol relativamente a crimes cometidos durante sua ditadura no Chile, especialmente tortura, e preso por conta deste na Inglaterra. Na questão Yerodia, no entanto, a situação esbarrou em outro princípio do Direito Internacional: o da imunidade diplomática de oficiais em exercício de função. Por isso, a RDC instituiu, em novembro de 2000, procedimentos contra o Reino da Bélgica na Corte Internacional de Justiça.

            Inicialmente, o país apresentou duas questões legais à Corte: o uso de jurisdição universal pela Bélgica e a violação da inviolabilidade absoluta e imunidade penal de um Ministro das Relações Exteriores em exercício de função. A primeira questão, no entanto, foi abandonada durante os procedimentos, não sendo mais contestada pelo país interpelante.  

            Na decisão, a Corte condenou a Bélgica por ter violado o Direito Internacional Costumeiro que garante absoluta imunidade penal e inviolabilidade pessoal de certos indivíduos em função, como Yerodia. Segundo a mesma, ao proceder dessa forma, a Bélgica atentou contra o princípio da igualdade soberana dos Estados, da qual decorre a regra geral de que representantes de um Estado não podem ser julgados por instâncias de outros Estados. Dessa forma,  foi determinado que a Bélgica  anulasse a ordem de prisão, notificando a ação a todos os Estados.

            Foi estabelecido expressamente que a imunidade garantida a Chefes de Estado, de Governo, Ministros das Relações Exteriores e agentes diplomáticos não são dadas para seu benefício próprio, mas sim para assegurar a efetividade do exercício de suas funções em nome do Estado, o que envolve, por exemplo, viagens a outros países, procedimentos que poderiam ser impedidos não fosse a imunidade. Assim, declarou-se que as funções de um Ministro como o em questão, se em exercício, são tais que não estão sujeitas a qualquer jurisdição nacional além da sua.

            A Corte examinou detalhadamente também a argumentação da Bélgica, segundo a qual imunidades tradicionalmente reconhecidas a tal grupo de indivíduos não podem em caso algum protegê-los quando estes são suspeitos de terem cometido crimes internacionais, como de guerra ou contra a humanidade.

            O argumento, no entanto, foi rejeitado. Decidiu-se que não há, no Direito Internacional Costumeiro, exceções relativas à imunidade em caso de exercício de ofício perante outros Estados. É de se notar, aqui, que os casos de uso de jurisdição universal frente a pessoas de alto ofício, como o Caso Pinochet, só são considerados aceitáveis  relativamente a ex-presidentes, ex-ministros etc., posto que a imunidade pessoal se extingue quando não mais se detém o cargo.

            No entanto, a Corte ressaltou que a imunidade de jurisdição não significa o benefício da impunidade a título de crimes internacionais. No caso, a Corte expôs quatro situações em que Yerodia poderia ser julgado: dentro de seu próprio país, segundo o direito doméstico; em qualquer país, em caso de abdicação da imunidade expressa pela RDC; após o abandono de seu ofício, com o fim da imunidade; e perante instância internacional, como o Tribunal Penal Internacional (TPI), em que a imunidade é expressamente rejeitada.

            Muito significativo, relativamente a esta última ocasião, que inclui indivíduos em ofício e ainda sem a permissão do Estado em causa, é o caso de Omar al-Bashir, presidente em cargo do Sudão, atualmente sob mandado de prisão do TPI, que é rejeitado pelo país, posto que sequer é signatário do Tribunal, tendo a situação sido levada a este pelo Conselho de Segurança da ONU. O TPI exige que qualquer Estado, tendo a possibilidade territorial, detenha al Bashir e o envie à Haia, sede do Tribunal. No ano passado, porém, o presidente do Sudão visitou a África do Sul, Estado membro do Tribunal, e não foi detido. Neste ano, relevante decisão da Suprema Corte sul-africana condenou o governo do país por não o ter detido, tendo este desrespeitado suas obrigações internacionais assumidas perante o TPI.


FONTES CONSULTADAS:


FREIRE E ALMEIDA, D. A SOBERANIA CLÁSSICA 2008. USA: Lawinter.com, Março, 2008. Disponível em: www.lawinter.com/112008dfalawinter.htm

http://eleazaralbuquerquedecarvalho.jusbrasil.com.br/artigos/154576588/o-principio-da-igualdade-soberana-dos-estados






FONTE DA IMAGEM:

http://www.iisd.ca/crs/igmkinshasa/5sep.html




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