terça-feira, 31 de maio de 2016

Onde estavam as armas químicas?

Trabalho desenvolvido na disciplina de Análise das Relações Internacionais sob orientação da Professora Jaqueline Ganzert, em que todos foram convidados a escrever análises satíricas sobre períodos históricos. Em votações "as cegas" nas turmas, os textos foram selecionados para o blog.



* Flávia Lantmann Roman



“Aonde leva essa loucura?
Qual é a lógica do sistema?
Onde estavam as armas químicas?
O que diziam os poemas?”
Engenheiros do Hawaii



“Nós devemos nos levantar pela nossa segurança e pelos direitos e esperanças permanentes da humanidade”. Que bela frase, lindas palavras! Ouso perguntar a quem o leitor atribuiria a autoria do enunciado. Seriam as palavras de Nelson Mandela? Hitler? Mao Tsé Tung? Fidel Castro? O discurso com certeza pode pender para vários lados, mas foi usado no dia 12 de setembro de 2002, por George W. Bush em seu discurso à Assembleia Geral da ONU, em que instava uma invasão ao Iraque[1]. “Nosso compromisso com a dignidade humana é desafiado por fome persistente e doenças avassaladoras. O sofrimento é grande. E Nossas responsabilidades são claras”, disse ele. E esse foi o começo o começo da ruína.
Ó, Estados Unidos da América, defensor dos fracos e oprimidos! O berço da democracia! Deitado eternamente em berço esplendido! A responsabilidade de libertar o povo iraquiano era clara, tirar o ditador que por si mesmos colocaram no topo, passando por cima dos transgressores dos direitos humanos. E o resto? Mera causalidade. Civis, sejam homens, mulheres crianças ou idosos, são apenas causalidade na busca pela tão necessária liberdade. Liberdade provida pela própria terra dos livres – the land of the free –, assim não é preciso tentar atravessar a fronteira norte americana para desfrutar das benesses. Não que isso fosse possível, é claro. “Mas as intenções dos Estados Unidas não devem ser duvidadas”, garante o rei da democracia. Tudo tem um motivo, afinal...
É preciso acabar com a barbárie. “Dezenas de milhares de opositores políticos e cidadãos comuns foram sujeitos a detenções e prisões arbitrárias, execução sumária e tortura por espancamentos, queimaduras, choques, fome, mutilação e estupro”, revelou Bush filho. Mas a dívida estadounidense deve ser certamente histórica, já que tal discrição poderia ser atribuída a tantos regimes ditatoriais apoiados pelos EUA durante a Guerra Fria. Então é preciso se redimir. Mas de que importam os direitos humanos na realidade se podemos protegê-los em abstrato? Mais vale um pássaro na mão do que dois voando, um líder muçulmano deposto do que uma dezena de latinos.
De tal discurso inferimos ainda informação chocante: além de exímio político, Bush filho é também vidente. “Irá Organização das Nações Unidas servir seu propósito fundador ou se será irrelevante?”, disse Pai Jorge anos antes do descumprimento da resolução do Conselho de Segurança que optava pela não invasão do Iraque.
-- Mas isso tudo é culpa do governo, que desrespeita os direitos humanos! – comenta Average Joe no facebook em seu iPhone produzido em regime de escravidão na China, vestido em suas roupas fabricadas por crianças cambojanas, após consumir sua dose diária de café plantado por uma família brasileira de seis membros que recebe um salário mínimo por mês.
-- Esses absurdos só acontecem fora do país – conclui Plain Jane, enquanto mais um latino é deportado e morre mais um jovem negro por brutalidade policial nos Estados Unidos.
“Essa organização [das Nações Unidas] foi reformada, e a América irá participar completamente em sua missão para avançar os direitos humanos, e tolerância, e aprendizado”. Isso porque a educação começa em casa. Então talvez os EUA devessem começar assinando e ratificando tratados de direitos humanos. Em casa de ferreiro, espeto de pau. Essa parece ser a base dos detentores do destino manifesto: faça o que digo, mas não faça o que faço.
Mas apesar de suas habilidades incríveis de previsão, nem o vidente Bush poderia ser perfeito. “Onde estavam as armas químicas?”, já disseram os Engenheiros[2].  O presidente ainda errou feio em seu discurso sobre o Iraque dizendo que: “eles podem um dia se unir a um Afeganistão democrático e uma Palestina democrática, inspirando reformas através do mundo mulçumano”. E este discurso, caro leitor, é uma sátira em si mesmo.





[1] Discurso divulgado pelo The Guardian, disponível na íntegra em <http://www.theguardian.com/world/2002/sep/12/iraq.usa3>. Tradução livre.

[2] Referência à música “Armas químicas e poemas” da banda Engenheiros do Hawaii.



 Flávia Lantmann Roman o é graduanda do 7° período curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
** FONTE da imagem: Adam Zyglis - 2008
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Redes e Poder no Sistema Internacional: A redefinição da categoria de vírus e seu impacto na Internet



A seção Redes e Poder no Sistema Internacional é produzida por integrantes do Grupo de Pesquisa “Redes e Poder no Sistema Internacional”, que desenvolve no ano de 2016 o projeto “Controle, governamentalidade e conflitos em novas territorialidades” no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca promover o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a inter-relação entre redes e poder no SI. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

A redefinição da categoria de vírus e seu impacto na Internet


Paulo Vergara*


Antes da popularização da internet no Brasil, em meados dos anos 90, muito se especulava do que seria esse novo mundo de computadores e conexões. Muitas pessoas até mesmo acreditavam na necessidade de estudar informática para, o que hoje é básico e cotidiano para uma parcela da população, ou seja, saber utilizar a rede digital. Com essa popularização, termos técnicos passam a se tornar expressões e até mesmo entram no léxico idiomático como estrangeirismos. São palavras como software, hardware, mouse, entre outras, com as quais convivemos hoje em dia. 

Diferentemente destes termos, já comuns hoje, existem outras palavras que não se enquadram em estrangeirismos, mas assumem novos significados. Esse é o exemplo da palavra "vírus", que apesar de ser um software maligno na leitura informática de hoje em dia em razão do seu uso em língua inglesa para esses casos, tem por definição e popularização um termo de origem latina. 

Evidentemente, o vírus em questão deixa de ser o vírus biológico e natural para assumir outro significado diante de uma realidade cada vez mais modificada e artificializada. Etimologicamente, a expressão vírus estaria próxima da palavra "veneno", pois vem da raiz linguística indo-europeia "weis" (fluir; veneno) e do grego "ióç" (ios = veneno). 

O termo vírus começaria a ser usado com essa conotação informática a partir de 1984. O primeiro deles a existir foi conhecido como "Creeper", e não vírus, que atacou uma máquina em 1971 com a seguinte frase: "im a creeper, catch me if you can!", que em inglês significa "sou uma árvore trepadeira, pegue-me se for capaz!". A partir dos anos 1980, porém, eles começam a receber essa denominação, e começam a surgir os vírus informáticos como conhecemos, que naquela época eram inseridos nos disquetes. No começo os vírus de internet eram encarados como uma brincadeira, que tinha a intenção de simplesmente irritar as pessoas, porém em pouco tempo se faria jus ao termo cunhado ocorrendo em 1986, de uma grande "epidemia" em que os vírus começavam a destruir o sistema operacional das máquinas. 

Nos anos 90, além da criação de vários outros vírus, os mesmos também deram origem a outros tipos de softwares malignos que não simplesmente destroem o sistema operacional, como também furtam informações e/ou controlam a própria máquina afetada. O vírus artificial também começava a criar uma sintomática, seja nas máquinas durante seu uso, quanto ao conteúdo em que nelas se encontrava. As redes, que se popularizavam, se mostravam também uma dimensão na qual era preciso cautela. As derivações dos vírus também se espalhavam pelos e-mails, como é o exemplo do trojan, também conhecido como "cavalo de Troia", que carrega dentro de si vários inimigos preparados para uma enorme invasão, ecoando a lenda grega à qual seu nome faz referência.

  

Em maio de 2012, o vírus mais temível já identificado fora anunciado como "Flame", que em linguagem de internet quer dizer ‘’bate-boca’’. O Flame foi considerado um vírus semelhante ao Stuxnet, que foi o primeiro vírus a se infiltrar e reprogramar sistemas industriais. Este último teve por alvo os sistemas industriais da marca Siemens (SCADA). Já o Flame se infiltra e pode controlar a máquina de locais remotos sem que o manipulador seja identificado, além de furtar informações, e foi identificado no Irã com um número baixo de infecções, chegando a afetar apenas algumas centenas de máquinas. Esse fato gerou a especulação de que o desenvolvedor fosse alguma nação e não um hacker comum, visando informações específicas e não uma contaminação generalizada. A insegurança causada foi tão grande a ponto da União Internacional de Telecomunicações, órgão ligado às Nações Unidas, alertar os outros países de possíveis riscos de ataque. 

Laboratórios como a Kaspersky Lab, empresa russa produtora de software e segurança em vista de vírus, ganham cada vez mais relevância em nosso mundo repleto de ciberguerras. Os vírus nem sempre são evidentes e os riscos podem ser grandes. 


* Paulo Vergara é acadêmico do 5º Período do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e membro do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional"
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domingo, 29 de maio de 2016

Direito Internacional em Foco: A Responsabilidade Individual No Tribunal Penal Internacional


A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.



A Responsabilidade Individual No Tribunal Penal Internacional
Ana Carolina Gral, Leonardo Albanez, Mariana Carvalho e Otávio Vidal


            A criação do Tribunal Penal Internacional aconteceu como resposta às violações mais graves dos direitos humanos que ameaçavam a manutenção da paz, segurança e bem-estar dos povos. Não obstante, a doutrina estabelece uma divisão rígida entre o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional Penal, tanto com relação a seu objeto quanto a seu modus operandi.

            Ao contrário do Direito Internacional dos Direitos Humanos, que prevê e regula direitos cujos beneficiários são indivíduos e vê nos Estados o meio de sua efetivação, tornando-se estes últimos responsáveis internacionalmente em caso de não cumprimento, o Direito Internacional Penal tem como objeto principal a responsabilização de indivíduos pela comissão de determinadas condutas, criminalmente. O princípio que sustenta este ramo é o de que certos crimes são tão graves que são de interesse e alcance de toda a humanidade, legitimando-se a existência de uma instância internacional na matéria.  

            Dessa forma, criou-se o Estatuto de Roma, tratado assinado no dia 17 de julho de 1998, que deu origem ao Tribunal Penal Internacional, o primeiro de caráter permanente, também conhecido como Corte Penal Internacional. O Tribunal, é importante notar, é fruto de um processo histórico que se inicia após a Segunda Guerra Mundial, tendo como antecedentes diretos os Tribunais Internacionais Militares de Nuremberg e Tóquio e os Tribunais Internacionais Penais para Ruanda e Iugoslávia, todos de caráter ad hoc. O TPI não é órgão da ONU, podendo agir com absoluta independência, mas prevê-se a cooperação e harmonia entre as duas organizações.

            Sua sede é instalada em Haia, na Holanda, e o Estatuto conta hoje com 124 signatários, que representam os Estados-membros do Tribunal. Dos Estados que não participam, destacam-se os Estados Unidos, a Rússia e a China. Apesar de o Estatuto ter sido assinado pelo primeiro Estado em 1998, só entrou em vigor em julho de 2002, após o mínimo necessário de ratificações, data em que o Tribunal entrou em operação, e por isso só pode julgar crimes cometidos a partir desta data.

            O Estatuto tem o objetivo de tipificar os crimes considerados de interesse internacional, chamados na doutrina de core crimes, e impor os parâmetros de penalização internacional dos indivíduos que são responsáveis pelos mesmos; embora não estabeleça objetivamente as penas, que são definidas pelos juízes caso a caso, estabelece seus limites. O Estatuto traz em seu artigo 5º: "a competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes: a) O crime de genocídio; b) Crimes contra a humanidade; c) Crimes de guerra; d) O crime de agressão". O crime de agressão, no entanto, só foi emendado em 2010 por razão da Revisão de Kampala, e a jurisdição material do Tribunal para o mesmo só entra em vigor em 2017.

            Como qualquer instância internacional, o TPI não pode agir de forma isolada, devendo trabalhar complementarmente aos Estados signatários e deles dependendo no processo de prisão e entrega de indivíduos; e não pode intervir na soberania dos Tribunais nacionais. O Tribunal também deve ser considerado como última instância, onde irá intervir apenas se o Estado Nacional não se manifestar sobre determinado processo judicial, ou for considerado incapaz, por quaisquer motivos, de cumprir com suas obrigações.

            Neste sentido, porém, é importante notar que a intervenção do Tribunal não depende de consentimento dos Estados caso a caso: desde o momento em que ratifica o Estatuto, qualquer Estado está sujeito a ingerências não programadas do Tribunal, caso não tome as medidas necessárias para investigar e julgar aqueles responsáveis pela comissão dos crimes definidos no Art. 5º do Estatuto. Existe, ademais, a possibilidade de intervenção do Tribunal frente a Estados não signatários, por determinação do Conselho de Segurança da ONU.

            A comissão de crimes de alcance internacional geralmente implica na cooperação de um grande número de pessoas, por sua própria gravidade; no entanto, mesmo que a natureza do crime seja internacional, não podemos ignorar a responsabilidade individual do sujeito, sendo esta a razão de ser do Tribunal. 

            De acordo com o Doutor em Direito Antonio Paulo Cachapuz de Medeiros, “uma das principais qualidades do Estatuto reside na afirmação do princípio da responsabilidade penal de indivíduos pela prática de delitos contra o Direito Internacional”. A partir desse pensamento, passou-se a considerar o indivíduo como sujeito de direitos e deveres do cenário internacional também, sendo passível de responsabilização internacional por seus atos. O autor diz que o pensamento surgiu com base nas explicações de Hugo Grotius, que discordava do fato de que as relações internacionais só prestavam atenção nas relações entre Estados. 

            Dessa forma, agora a pessoa concreta passa a ser reconhecida expressamente como sujeito no Direito Internacional, a despeito do contínuo debate acerca do tema na doutrina. Não obstante todo o afirmado, reitera-se que a obrigação primária na investigação e julgamento de tais indivíduos reside nos Estados nacionais, não cabendo intervenção do Tribunal em situações de normalidade. Assim, as conquistas não isentam a responsabilidade do Estado do indivíduo de cumprir com suas obrigações.

            Em que pesem os indivíduos, o Estatuto ainda é inovador ao trazer diversas modalidades de perpetração de crimes, de forma mais elaborada que o trazem os códigos penais de diversos Estados. O julgamento dos indivíduos leva em conta a consciência e a vontade para pressupor a existência da responsabilidade penal do agente. O crime é composto, dessa forma, tanto por seu aspecto material (actus reus) quanto pelo aspecto psicológico que o acompanha (mens rea). Mais importante: será julgado independentemente de o crime ter sido cometido individualmente ou em conjunto com demais pessoas.

            O Art. 25 do Estatuto estabelece as diretrizes do Tribunal com relação à responsabilidade individual. Segundo seu parágrafo terceiro, uma pessoa pode responder criminalmente e ser passível de punição se: cometer crime, seja individualmente, seja conjuntamente a outro, ou seja através de alguém, ainda que o último não seja passível de punição; ordenar, solicitar ou induzir a prática de um crime que ocorra ou seja atentado; com o objetivo de facilitar a comissão de um crime, ajude ou colabore para o acontecimento ou tentativa do delito; contribua para a comissão ou tentativa de crime por um grupo de propósito comum; em se tratando do crime de genocídio, incite publicamente sua comissão; e tente cometer qualquer crime de jurisdição do Tribunal, ainda que este não chegue a produzir efeitos, caso tenha tomado passos substanciais e sua não execução ocorra devido a circunstâncias independentes ao indivíduo.

            Haja vista todas estas provisões, resulta evidente a interessante abrangência do Estatuto. Um indivíduo é passível de punição individual pela participação na comissão de crime nas mais diversas formas, inclusive pela mera facilitação na comissão de crime por outro indivíduo ou grupo, ainda que este não seja responsabilizado; só deixa de ser passível de responsabilização na eventualidade de abandonar ou de alguma forma impedir a consumação do crime, renunciando o propósito do delito, em caso de comissão individual.

            Digno de nota também é o fato de que o Estatuto não estabelece uma hierarquia de níveis em matéria de responsabilidade, sendo todas as modalidades de participação passíveis de julgamento em mesmo nível, embora as Regras de Procedimento do Tribunal estabeleçam que os juízes possam levar em consideração, na atribuição da sentença, o nível de participação.

            A título de exemplo, em 2011, tramitaram processos pelo TPI que ficaram mundialmente conhecidos: a situação da Líbia, envolvendo o  ditador Muammar Gaddafi, seu filho Seif al-Islam, e seu chefe dos serviços de inteligência, Abdallah Al Senusi, acusados de cometer crimes contra a humanidade. O promotor do caso foi o argentino Luis Moreno-Ocampo, responsável pela investigação que incluiu diversos documentos, vídeos e fotografias, além da participação de mais de 50 pessoas como testemunhas.

            A promotoria afirmou que Gaddafi e seu filho Saif al-Islam ordenavam pessoalmente todos os ataques que foram cometidos contra os civis, e que Senussi era o executor das ordens. Entre os crimes cometidos estão o ataque a civis em vias públicas, disparos contra manifestantes com armas de fogo, uso de armamento pesado em funerais e uso de franco-atiradores nos protestos. O fato de o ditador e seu filho nunca terem executado objetivamente os atos, fica claro, não os isenta de qualquer forma de serem passíveis de punição. Por isso, mandados de prisão foram expedidos contra eles.

            O ditador acabou morrendo no combate conhecido como Batalha de Sirte, em 2011, sendo seu mandado de prisão anulado em decorrência do fato. O mandato do TPI contra seu filho também nunca chegou a ser cumprido; finda a guerra de 2011 e a morte de Gaddafi, o Judiciário da Líbia tomou controle das investigações para si, não sendo mais necessária a atuação do Tribunal.

              Saif al-Islam, além de oito pessoas de altos cargos, liderados por ele, foram investigados e condenados dentro do país. O julgamento teve autorização para acontecer na Líbia, mas teve de ocorrer em conformidade às normas do TPI, que abandonou o caso. Todos os acusados foram condenados pelo Tribunal de Trípoli e sentenciados à morte,  o que não teria acontecido se o julgamento efetivo tivesse acontecido em Haia, pois a pena mais severa que o TPI tem permissão de aplicar é a de prisão perpétua.

REFERÊNCIAS:

WERLE, G.; BUNG, J. Summary (Indiv. Crim. Responsibility) – International Criminal Justice Sommersemester 2010.
AMBOS, Kai. Individual Criminal Responsibility Under Art. 25 of the Rome Statute of the International Criminal Court.
http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2011/05/16/tpi-emite-mandado-de-prisao-contra-gaddafi-por-crimes-contra-a-humanidade.htm

REFERÊNCIAS DA IMAGEM:



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quarta-feira, 25 de maio de 2016

Direito Internacional em Foco: A denúncia da Convenção n° 158 da OIT

A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.

A denúncia da Convenção n° 158 da OIT


Alinne Ross, Camila Ersina, Diana Nishida, Isabella Petry e Lauãny Kintopp



O Direito Internacional do Trabalho surge por volta do século XIX juntamente com a Legislação Internacional do Trabalho na qual juristas, sociólogos, autoridades eclesiásticas buscavam uma melhoria nas questões sociais e dignificar o trabalho e os trabalhadores. Com a publicação das obras de Robert Owen e com reformas sociais realizadas em sua própria fábrica, propôs uma série de medidas protetivas ao trabalhador.

            Com a Primeira Guerra Mundial, as falhas do liberalismo ficaram evidentes e se iniciou um processo de grande crescimento da intervenção estatal. Neste contexto, as questões sociais passam a ser vinculadas ao desenvolvimento econômico, como na Constituição de Weimar. É sob este espírito que, em 1919, é assinado o Tratado de Versalhes que pôs fim à guerra e ainda cria a Organização Internacional do Trabalho que tem como finalidade a justiça social por meio da uniformização de suas normas jurídicas. Suas convenções, uma vez ratificadas devem ser incorporadas pelo direito interno dos Estados.

            A Segunda Guerra Mundial interrompe temporariamente a evolução do direito Internacional do Trabalho, mas ao seu final, a criação da ONU é um grande passo para a universalização dessas regras e a OIT se torna a sua primeira agência especializada sendo também a única tripartite (composta pelos representantes do governo, as organizações de empregadores de trabalhadores). O Direito Internacional do Trabalho ganhou ainda mais força com a assinatura do Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que transformou a Declaração Universal dos Direitos do Homem em um tratado multilateral, ou seja, que tinha força de lei.

          
O Direito Internacional do Trabalho por ser um ramo do Direito Internacional Público, tem os mesmos objetivos, princípios e instrumentos deste. A Organização Internacional do Trabalho e a Organização das Nações Unidas têm vários objetivos em comum e muitos instrumentos internacionais de várias organizações internacionais dedicam, parte ou totalmente, os seus tratados aos assuntos do Direito do Trabalho.

           No cenário atual, a Organização Internacional do Trabalho promoveu a internacionalização do Direito do Trabalho, preocupando-se não só com as condições previdenciárias e do trabalho, mas também com as políticas de desemprego, seguridade social populacional, políticas sociais de empresas multinacionais, entre outros, através de dois instrumentos normativos: as convenções e as recomendações internacionais. As Convenções da OITsão extremamente relevantes no que tange ao reconhecimento dos direitos humanos e a valoração dos trabalhadores e suas particularidades em relação ao emprego.
            
           No que diz respeito ao procedimento de incorporação, ratificação e denúncia de Tratados Internacionais, a Convenção 158 da OIT merece um especial destaque. Assinada em 22 de junho de 1982 em Genebra, na Suíça, a Convenção diz respeito ao término das relações de trabalho, estabelecendo a necessidade de motivar as dispensas realizadas por iniciativa do empregador.

           A referida Convenção foi aprovada na Conferência Internacional do Trabalho em Genebra, em 1982; no Brasil, essa Convenção demorou dez anos para ser aprovada no Congresso Nacional, por Decreto Legislativo, e só em 1996 foi promulgada e começou a ter validade jurídica. Entretanto, posteriormente, a Convenção  foi denunciada unilateralmente pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, deixando de vigorar no ano de 1997.  A denúncia é o ato pelo qual o Estado manifesta o interesse do Estado em descontinuar suas obrigações perante o Tratado. No caso em comento, a denúncia significou que o país encerrou o compromisso que havia assumido com a Convenção 158, mormente desobrigando as empresas a esclarecerem as razões por trás  de uma despedida sem justa causa.

           É de se destacar que os tratados e convenções, as mais importantes fontes do Direito Internacional atualmente,  para serem ratificados pelo Brasil, precisam ser incorporados ao ordenamento interno, passando por um processo de internalização. Isto acontece em razão da adoção, pelo Brasil, da perspectiva dualista na análise da relação entre o Direito Interno e o Direito Internacional. Para esta teoria,  o Direito Internacional e o Direito interno são considerados como dois ordenamentos distintos. Sendo assim, para que sejam aplicados no conjunto de normas internas, primeiramente é necessário que o instrumento seja referendado pelo Congresso e, posteriormente, que o Presidente da República decida se o ratifica e o promulga. Se o fizer, o Tratado celebrado no âmbito da OIT – por tratar de matéria de Direitos Humanos – assume natureza supralegal.

           No entanto, a Convenção 158 foi denunciada unilateralmente pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, que entendeu que suas normas não estavam de acordo com a Constituição Brasileira. Ainda hoje, questiona-se o fato da decisão da denúncia ter excluindo os demais poderes e v
iolado “o princípio da coparticipação dos Poderes Executivo e Legislativo na denúncia dos tratados”, uma vez que a Constituição determina que é dever do Congresso Nacional resolver sobre tratados (art. 49, I, da CF/88). Com isso, acendeu-se uma discussão judicial da inconstitucionalidade do decreto presidencial que determinou a denúncia, por não ter ocorrido manifestação do Congresso, nem consultas efetivas às entidades sindicais. Além disto, a denúncia também ocorreu sem que fosse observado o prazo de dez anos previsto no próprio tratado.  O caso está sub judice no Supremo Tribunal Federal, ou seja, aguardando determinação judicial.

           
            Os tratados e as convenções internacionais não constituem fontes independentes, uma vez que são ratificados pelo Congresso Nacional, tornam-se lei interna. As fontes do Direito do Trabalho são “os meios que se formam, se originam e estabelecem suas normas jurídicas”. Elas podem ser materiais (os fatos sociais, econômicos, filosóficos e políticos, ou seja, as influências externas, que determinam a formação da norma jurídica) e formais (mecanismos de exteriorização do Direito que se instauram na ordem jurídica, como a Constituição, as leis, costumes, convenções, acordos, contratos, tratados, etc.).

           A principal fonte do Direito é a Constituição, que é comum a todos os ramos, porque determina as regras básicas de um ordenamento jurídico. Então, a Constituição Federal é que a prevalece na hierarquia das fontes do Direito do Trabalho, mas se existir conflito de normas, deverá predominar as normas jurídicas mais favoráveis ao trabalhador, mesmo sendo hierarquicamente inferior. Outros direitos podem ser criados, sendo importantes fontes da mesma forma, como a convenção coletiva, acordo coletivo e contrato coletivo de trabalho que visam a valorização da autonomia coletiva e individual.
            
          A lei, também, é de extrema importância, pois é uma fonte formal por excelência, promovendo a prescrição de regras obrigatórias dentro do ordenamento jurídico de acordo com a Constituição. A jurisprudência é um conjunto de decisões judiciais sempre no mesmo sentido sobre uma matéria específica. E os usos e costumes são uma forma contínua e habitual de comportamento, atos ou condutas praticados continuamente e que com o tempo passam a integrar no cotidiano da sociedade. Muitos direitos trabalhistas que são atualmente obrigatórios surgiram dessa forma, como a gratificação natalina (13º salário), por exemplo.
              
          Dessa forma, a Organização Internacional do Trabalho procura garantir os direitos fundamentais ao trabalhador, auxiliando-o quanto à demissões sem justa causa e aviso prévio através da Convenção 158. No entanto, o Brasil  denunciou a Convenção e os direitos nela previstos não tem sido garantidos aos brasileiros. A demora para a apreciação da questão pelo Supremo Tribunal Federal surge como mais um indicativo do descaso com o qual o país aprecia suas questões internacionais e, neste caso, reverbera em desfavor dos trabalhadores no país.   

FONTES CONSULTADAS:
Direito Internacional do Trabalho. Süsseking, Arnaldo. Editora LTr.
Revista Eletrônica – Convenção 158 da OIT
https://jus.com.br/artigos/44540/a-denuncia-da-convencao-158-da-oit
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7936
http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2510&revista_caderno=25
http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/%3C?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12215
http://www.portaleducacao.com.br/direito/artigos/24542/fontes-do-direito-do-trabalho


FONTE DA IMAGEM:
http://conampe.org.br/tag/organizacao-internacional-do-trabalho/


 


 

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