terça-feira, 31 de maio de 2016

Onde estavam as armas químicas?

Trabalho desenvolvido na disciplina de Análise das Relações Internacionais sob orientação da Professora Jaqueline Ganzert, em que todos foram convidados a escrever análises satíricas sobre períodos históricos. Em votações "as cegas" nas turmas, os textos foram selecionados para o blog.



* Flávia Lantmann Roman



“Aonde leva essa loucura?
Qual é a lógica do sistema?
Onde estavam as armas químicas?
O que diziam os poemas?”
Engenheiros do Hawaii



“Nós devemos nos levantar pela nossa segurança e pelos direitos e esperanças permanentes da humanidade”. Que bela frase, lindas palavras! Ouso perguntar a quem o leitor atribuiria a autoria do enunciado. Seriam as palavras de Nelson Mandela? Hitler? Mao Tsé Tung? Fidel Castro? O discurso com certeza pode pender para vários lados, mas foi usado no dia 12 de setembro de 2002, por George W. Bush em seu discurso à Assembleia Geral da ONU, em que instava uma invasão ao Iraque[1]. “Nosso compromisso com a dignidade humana é desafiado por fome persistente e doenças avassaladoras. O sofrimento é grande. E Nossas responsabilidades são claras”, disse ele. E esse foi o começo o começo da ruína.
Ó, Estados Unidos da América, defensor dos fracos e oprimidos! O berço da democracia! Deitado eternamente em berço esplendido! A responsabilidade de libertar o povo iraquiano era clara, tirar o ditador que por si mesmos colocaram no topo, passando por cima dos transgressores dos direitos humanos. E o resto? Mera causalidade. Civis, sejam homens, mulheres crianças ou idosos, são apenas causalidade na busca pela tão necessária liberdade. Liberdade provida pela própria terra dos livres – the land of the free –, assim não é preciso tentar atravessar a fronteira norte americana para desfrutar das benesses. Não que isso fosse possível, é claro. “Mas as intenções dos Estados Unidas não devem ser duvidadas”, garante o rei da democracia. Tudo tem um motivo, afinal...
É preciso acabar com a barbárie. “Dezenas de milhares de opositores políticos e cidadãos comuns foram sujeitos a detenções e prisões arbitrárias, execução sumária e tortura por espancamentos, queimaduras, choques, fome, mutilação e estupro”, revelou Bush filho. Mas a dívida estadounidense deve ser certamente histórica, já que tal discrição poderia ser atribuída a tantos regimes ditatoriais apoiados pelos EUA durante a Guerra Fria. Então é preciso se redimir. Mas de que importam os direitos humanos na realidade se podemos protegê-los em abstrato? Mais vale um pássaro na mão do que dois voando, um líder muçulmano deposto do que uma dezena de latinos.
De tal discurso inferimos ainda informação chocante: além de exímio político, Bush filho é também vidente. “Irá Organização das Nações Unidas servir seu propósito fundador ou se será irrelevante?”, disse Pai Jorge anos antes do descumprimento da resolução do Conselho de Segurança que optava pela não invasão do Iraque.
-- Mas isso tudo é culpa do governo, que desrespeita os direitos humanos! – comenta Average Joe no facebook em seu iPhone produzido em regime de escravidão na China, vestido em suas roupas fabricadas por crianças cambojanas, após consumir sua dose diária de café plantado por uma família brasileira de seis membros que recebe um salário mínimo por mês.
-- Esses absurdos só acontecem fora do país – conclui Plain Jane, enquanto mais um latino é deportado e morre mais um jovem negro por brutalidade policial nos Estados Unidos.
“Essa organização [das Nações Unidas] foi reformada, e a América irá participar completamente em sua missão para avançar os direitos humanos, e tolerância, e aprendizado”. Isso porque a educação começa em casa. Então talvez os EUA devessem começar assinando e ratificando tratados de direitos humanos. Em casa de ferreiro, espeto de pau. Essa parece ser a base dos detentores do destino manifesto: faça o que digo, mas não faça o que faço.
Mas apesar de suas habilidades incríveis de previsão, nem o vidente Bush poderia ser perfeito. “Onde estavam as armas químicas?”, já disseram os Engenheiros[2].  O presidente ainda errou feio em seu discurso sobre o Iraque dizendo que: “eles podem um dia se unir a um Afeganistão democrático e uma Palestina democrática, inspirando reformas através do mundo mulçumano”. E este discurso, caro leitor, é uma sátira em si mesmo.





[1] Discurso divulgado pelo The Guardian, disponível na íntegra em <http://www.theguardian.com/world/2002/sep/12/iraq.usa3>. Tradução livre.

[2] Referência à música “Armas químicas e poemas” da banda Engenheiros do Hawaii.



 Flávia Lantmann Roman o é graduanda do 7° período curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
** FONTE da imagem: Adam Zyglis - 2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário