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domingo, 26 de maio de 2019

Opinião: A renúncia de Theresa May e o Brexit na Teoria dos Jogos de Dois Níveis


Por Maria Eduarda Siqueira*



A teoria dos Jogos de Dois Níveis, desenvolvida por Robert Putnam em meados dos anos 1980, apresentou um modelo político de resolução de conflitos internacionais entre democracias liberais. O objetivo do modelo apresentado por Putnam era analisar situações políticas caracterizadas pelas pressões provenientes das esferas internacional e nacional, uma vez que:

“É infrutífero debater se a política doméstica realmente determina as relações internacionais ou se é o inverso. A resposta para essa questão é clara: ‘Algumas vezes uma influencia a outra’ ” [PUTNAM, 2010, p.147]

Seu modelo de análise descreve os níveis interno e externo, como um ambiente no qual, no nível II, da esfera doméstica, os grupos perseguem seu interesse pressionando o governo a adotar políticas favoráveis aos mesmos, enquanto os atores políticos buscam o poder angariando apoio entre tais grupos. No nível I, da esfera internacional, os governos nacionais buscam maximizar sua capacidade de satisfazer as pressões domésticas, enquanto minimizam as consequências adversas do ambiente externo (PUTNAM, 2010, p.151).

Dessa forma, é denominado Jogos de Dois Níveis a ideia de que um corpo político joga, simultaneamente, dois jogos: um na arena interna e outro na arena externa, e nenhum deles pode ser ignorado. Apesar de parecerem contraditórios, existem grandes vantagens para que haja coerência entre ambos e as mesmas são lembradas por Snyder e Diesing ao afirmarem que a previsão sobre resultados internacionais melhora significativamente ao se compreender as barganhas internas. (SNYDER & DIESING, 1977, p.510-525).

Neste contexto, é possível analisar o movimento BREXIT (união das palavras Britain, Grã-Bretanha, e exit, saída) que se desenvolve no Reino Unido com relação a sua saída da União Europeia desde meados de 2015, mas é datado como um conflito histórico.

O Reino Unido, finalmente, ingressou na União Europeia em 1973 após uma série de tentativas. Sua entrada oficial teve de ser aprovada pelos países já membros e foi possível somente após o afastamento de Charles de Gaulle como estadista francês. Contraditoriamente, mesmo após o árduo ingresso na União Europeia, o Reino Unido não adotou algumas das principais medidas do bloco, como o uso do euro. Por esse histórico de conflitos e a não adoção total dos princípios do bloco econômico, somado ao posicionamento geográfico do Reino Unido, parte de sua população sempre apoiou a saída dos países da União Europeia e, em outras palavras, parte de sua população na época não aceitou a entrada dos países na União Europeia.

Com vista a esse cenário, se faz necessário uma análise de David Cameron e seu governo que acreditava ser possível mudar a relação do Reino Unido com a União Europeia. Grande defensor do bloco econômico e da participação dos países nesse, o governo de Cameron, foi marcado por uma política multilateralista que visava grande participação e cooperação do Reino Unido no cenário internacional.

Voltando a análise de Putnam sobre os Jogos de Dois Níveis, Cameron era visto como líder ou negociador-chefe - que não deve ter preferências políticas independentes e sim buscar encontrar um entendimento que será atrativo para suas bases, no caso, agrupando os níveis I e II. (PUTNAM, 2010, p. 153). Como promessa de campanha, foi realizado em 23 de junho de 2016 um referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia onde 52% dos votos foram favoráveis à saída do RU do bloco econômico, tendo as pequenas ou médias cidades e as regiões dominadas por ingleses e galeses como regiões com maior porcentagem de votos pró BREXIT.

Dessa forma fez-se valer do que foi dito por Putnam onde algumas ratificações poderiam envolver processos formais de votação no nível II ou qualquer processo decisório que seja necessário para endossar ou implementar um acordo formal ou informal do nível I. (PUTNAM, 2010, p. 153). Apesar da votação ter acontecido com 43 anos de atraso, ela ainda assim representa a vontade da população em não fazer parte do bloco econômico e representa também a eclosão da pressão interna pela saída reprimida durante tantos anos.

Permanecendo a análise do referendo pró BREXIT, é importante trazer à tona o conceito de win-set, ou conjunto de vitórias, estabelecido por Putnam que já ressaltava que os conjuntos de vitórias do nível II são muito importantes para estender-se aos acordos do nível I e que as preferências e coalizões do nível II afetam diretamente o tamanho do conjunto de vitórias (PUTNAM, 2010, p.154-157). No cenário em questão, a vitória do referendo a favor da saída do Reino Unido demonstra que, apesar da longa permanência dos países no bloco, a preferência da população/opinião pública fez com que, anos após o acordo, o mesmo não fosse mais aceito e tivesse que ser contestado.

Segundo Putnam, a credibilidade (e, portanto, a capacidade de obter acordos) no nível I é acentuada pela capacidade comprovada do negociador em “executar” no nível II. (WINHAM, 1980, p.377-397; 1986). Dessa forma, o negociador, após não ser capaz de executar o prometido em nível nacional, renuncia ao cargo alegando que “Os britânicos votaram pela saída (da União Europeia) e sua vontade deve ser respeitada”. Com a aceitação do pedido de renúncia de David Cameron por parte da rainha Elizabeth II, assumiu o cargo de primeira-ministra do Reino Unido a conservadora Theresa May, em 13 de julho de 2016.

Diferentemente da política que até então guiava o Reino Unido no cenário internacional, May liderou um governo voltado ao unilateralismo onde o foco central de suas ações deixava de ser a participação no cenário internacional e visou proteger os países sob sua liderança em um contexto principalmente econômico e político. Em suas primeiras falas oficiais após assumir o cargo, May garante a construção de “[...] um novo papel (do Reino Unido) audacioso e positivo no mundo”, além de prometer a proteção à união do Reino Unido.

Dessa forma, May, uma conservadora determinada a defender o Projeto do BREXIT, na tentativa de responder às expectativas da população, apresentou um governo oposto ao último observado, com credibilidade e capaz de sobrepor as vitórias esperadas no cenário nacional e internacional. Entretanto, suas expectativa, e por consequência as expectativas da população britânica, não foram atingidas e o resultado foi um governo desorganizado, com inúmeras brigas internas e que, mais uma vez, não apresentou o prometido.

Marcada para o da 29 de março de 2019, a saída do Reino Unido da União Europeia não aconteceu. Após a tentativa de um novo acordo com o Bloco, o que levaria a um segundo referendo interno, e a intensa pressão do Partido Conservador, May anunciou no dia 24 de maio sua renúncia ao cargo de Primeira Ministra, com água nos olhos combinando com a típica garoa em uma manhã cinzenta de Londres.

Enquanto seu sucessor não é definido, resta a dúvida de quem assumirá o Reino Unido e se, diferente de Cameron e May, o escolhido será alguém capaz de cumprir com o prometido ou se será mais um a tornar a tradicional política inglesa em uma balbúrdia. E até que o novo Primeiro Ministro seja anunciado, a chuva continuará caindo em Londres na esperança de que não caia dos olhos do seu povo.
 


Referências
PUTNAM, Robert. Diplomacia e Política Doméstica: A Lógica dos Jogos de Dois Níveis (PDF). Disponível em: www.redalyc.org/html/238/23816091010/ . Acesso em 08 de abril de 2018.


*Maria Eduarda Siqueira é acadêmica do sétimo período de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA.
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sábado, 18 de maio de 2019

Me indica uma série: Game of Thrones e as Relações Internacionais


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 Por Manuela Paola*

Game of Thrones, uma das séries mais famosas dos últimos tempo, deixará muitos fãs saudosos no próximo domingo - 19 de maio - quando seu último episódio for ao ar. Desde 2014, a série conquistou milhões de fãs ao redor do mundo com seu enredo sempre surpreendente, personagens principais morrendo e, mais importante, a maneira como os personagens jogam o jogo dos tronos. 

O objetivo de muitos personagens sempre foi sentar no Trono de Ferro, representação simbólica do poder, e governar os Sete Reinos. E como fazer isso? É claro que a guerra é um importante fator, mas saber como fazer política e diplomacia faz uma grande diferença nesse caso, podendo até mesmo evitar conflitos tão comuns para essa história. Dessa forma, mesmo que GoT se passe em uma época muito distante da nossa, é possível perceber as semelhanças com o mundo atual. 

            As Teorias das Relações Internacionais têm o objetivo de explicar porquê os Estados se comportam de determinadas formas e de que instrumentos eles usam para alcançar seus objetivos. Apesar de desenvolvidas para acontecimentos mais recentes, é possível aplicar essas teorias a fim de entender as ações dos personagens. Hans Morgenthau, pensador da corrente realista, afirma que “a política, como aliás a sociedade em geral, é governada por leis objetivas que deitam suas raízes na natureza humana”. Esse princípio é muito claro em basicamente todos os personagens, que desejam uma coisa em especial: o poder, seja ele na forma de governante, seja ele na forma de conselheiro. Mas, nesse caso, conhecimento é poder?

Para um dos melhores jogadores da série, Petyr “Mindinho” Baelish sim. Ele acredita que quanto mais conhecimento se possui, melhor poderá fazer suas jogadas e tirar mais benefícios delas. Mas, o mesmo não pode ser dito sobre a Cersei, uma das personagens mais emblemáticas da série. A maximização de poder é o que move muitos dos reis e até mesmo conselheiros do próprio rei, e Cersei foi certeira ao dizer que poder é poder. De acordo com a corrente de pensamento Realista, essa maximização é o objetivo final dos Estados, assim como de muitos personagens, e ambos vão usar dos artifícios ao seu alcance para chegar até esse objetivo.

            As Grandes Casas de Westeros - Stark, Lannister, Baratheon, Tyrell, Martell - apesar de subordinadas ao rei dos Sete Reinos, têm autonomia dentro do seu próprio território, já que são terras extensas. Dessa forma, podem ser comparadas aos nossos Estados (a única diferença é que não há um Estado maior que comande todos os outros). Afinal, têm o interesse de se proteger e de maximizar seu poder. Portanto, outra relação que pode ser feita é com a teoria realista ofensiva, de John Mearsheimer. Para esse teórico, o sistema internacional é anárquico, ou seja, competitivo. Em Game of Thrones, isso também é verdade. Logo na primeira temporada, acontecimentos drásticos levaram a uma emergência de reis em cada canto do continente, competindo para ver quem seria o legítimo governante de Westeros, ou, como ocorreu no caso do Norte, um movimento separatista dessa região. Alguns atores, ou Casas, possuem fatores que o colocam numa posição muito mais vantajosa nessa luta pelo Trono. A Casa Lannister, por exemplo, é extremamente rica e possui um grande poderio militar.

Mesmo que as Casas dos Setes Reinos tenham uma boa relação entre si, tanto econômica quanto diplomática, há sempre uma desconfiança em relação ao  próximo passo dos atores, o que gera uma postura agressiva por parte dos soberanos das Casas com o objetivo de se proteger.

            A análise individual também pode ser empregada para comparamos o mundo real com o mundo fictício de Game of Thrones. Thomas Hobbes, um dos mais famosos contratualistas, afirma que, no estado de natureza, o homem é o lobo do homem. Ou seja, é uma situação de todos contra todos. Para mudar esse cenário, é necessária a assinatura de um contrato que permita que uma única pessoa atue como a detentora do interesse de todos. Do contrário, as pessoas vivem em constante medo de conflito. No entanto, na série, temos os dois cenários. Enquanto num nível geral há um governante soberano, que defende os interesses de todos - ou, ao menos, deveria -, no nível individual, são os personagens que, entre si, estão em constante estado de todos contra todos.

Por esse motivo é tão importante, nesse caso, não apenas saber estratégias de guerra, mas também saber lidar com seus inimigos, entender o poder da barganha e perceber que a negociação pode ganhar guerras. Cersei Lannister, Lorde Varys, Petyr Baelish, Daenerys Targaryen, Tyrion Lannister e Sansa Stark são perfeitos exemplos de que você não precisa ser uma guerreira/o para conquistar o que deseja. Esse personagens são alguns dos mais poderosos em termos de política, pois souberam muito bem sobreviver às mais diversas situações apenas com o poder de sua fala: um atributo muito importante nas relações internacionais dos dias de hoje. 

            Game of Thrones, assim como a série de livros que originou o programa de TV, As Crônicas de Gelo e Fogo, orquestraram com maestria as relações entre Casas e personagens, e permitem traçar interessantes paralelos com o jogo da política internacional. 



* Manuela Batista é acadêmica do terceiro período de Relações Internacionais do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog Internacionalize-se, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter.
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terça-feira, 18 de outubro de 2016

Relações Internacionais - Teoria aplicada na Prática: "As contribuições do Realismo Moderno são úteis para a compreensão do mundo atual?"





A seção "Relações Internacionais - Teoria aplicada na Prática" é produzida por alunos do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Teoria das Relações Internacionais, Dra. Janiffer Zarpelon. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.

As contribuições do Realismo Moderno são úteis para a compreensão do mundo atual?

                                                                                                            Amanda Ampessan Cavali

Após duas guerras mundiais, uma Europa destruída e desestabilizada e um Estado em ascendência, um professor alemão inicia um estudo que vai tentar explicar a Teoria sobre a Política Internacional. Seguindo uma linha a qual vai inicialmente comparar o sistema internacional com os homens no estado de natureza - estado de anarquia, onde há competição e luta pela sobrevivência – e que leva em conta que o mundo é imperfeito, Hans Morgenthau cria a teoria do Realismo que vai ser explicada no livro A Política entre as Nações. Nele, ele decorre sobre os seis princípios básicos que regem e guiam o relacionamento dos Estados quando falamos das relações internacionais.
Morgenthau nasceu judeu na Alemanha, acabou migrando para os Estados Unidos e se naturalizando norte-americano, o que influencia muito na construção da sua obra, mostra a visão política Ocidental, preocupa-se com os próximos passos dos EUA como hegemonia emergente e com o novo contexto de bipolarismo.
Ele começa seu livro discorrendo sobre o objetivo de apresentar sua teoria e vê-la sendo testada teórica e empiricamente para trazer ordem e sentido aos fenômenos que até agora poderiam parecer inexplicáveis: trazer uma teoria coerente com os fatos e com seus elementos constitutivos. As principais características do realismo se baseiam no equilíbrio de poder, em princípios universais válidos para todas as sociedades, leva em conta precedentes históricos e busca o “mal menor”, já que a paz perpétua seria uma utopia.
Então, apresenta os seis princípios do Realismo Político que são construídos baseando-se na natureza humana e nos processos históricos. O primeiro é justamente o que fala que a sociedade em geral é regida por leis objetivas que refletem a natureza humana. Uma teoria deve partir do princípio de verificação dos fatos e dar a eles sentido mediante a razão. O realismo crê que a natureza de uma política externa deve ser avaliada pelos atos políticos realizados e suas consequências, pois o argumento de uma teoria que é descreditada por ser muito “ultrapassada”, antiga não é racional, mas uma tendência de colocar o presente como superior ao passado. A teoria se baseia em verificar os fatos e dá-los um sentido mediante a razão.
No segundo princípio é apontado que os Estados vão sempre querer aumentar seu poder, já que há uma competição no sistema internacional e a busca pelo poder é necessária para a sobrevivência. Conseguimos então prever os passos que um político pode tomar, pensando que suas atitudes serão tomadas partindo do princípio do interesse do poder. Isso dá a política uma ordem racional e nós conseguimos então entende-la como teoria, e quando falamos do autor internacional criamos uma certa continuidade na política externa, uma evolução racional, coerente embora haja divergências nas qualidades morais dos chefes de estado. Isso evita a preocupação com os motivos e preferências ideológicas. Não é possível julgar que as boas intenções vão levar à melhor solução, para criticar as qualidades políticas e morais devemos conhece-las, não julgá-las pelos motivos finais do político. Aqui o professor cita Robspierre, o advogado que mais tarde se torna líder do partido jacobino na Revolução Francesa que vai se manter no poder na França durante o chamado Período do Terror, ele foi um dos líderes mais virtuosos da história, porém em nome da liberdade, igualdade e fraternidade fez coisas horríveis com aqueles que criticavam o pormenor que seja. Aqui, Morgenthau se baseia nas ideias de um outro filósofo que deu à política o status de ciência e que pode ser chamado de realista clássico por sua contribuição ao estudo das Relações Internacionais: Maquiavel. Ele se propôs a ver e examinar a realidade como ela é, tomou fatos históricos para explicar sua teoria e defendeu como ninguém a ideia que um político não deve agir conforme a moral se essa não vai o guiar ao seu principal papel que é o de garantir a segurança interna e ter um certo controle da segurança externa; resumindo não se deve julgar um “príncipe” pelos seus motivos, mas pelas suas leis que são efetivas e pelo seu exército que mantem a ordem.
Quando a política externa é conduzida sob as condições de controle democrático, deve-se ter cuidado ao procurar apoio popular e acabar deixando de lado a racionalidade que deve ser presada nas relações com outros Estados. Um caso que pode ilustrar esse ponto é atualmente no governo brasileiro em que temos no comando das Relações Exteriores José Serra, que provavelmente deixando-se guiar pelas paixões nacionais de confronto e extremismos de posições políticas, tomou uma decisão no Mercosul de impedir que esse tivesse em seu cargo mais alto um venezuelano, isso tendo como justificativa a ditadura esquerdista em que se encontra a Venezuela e o desejo de afastamento de relações que remetam ou deem continuação ao partido que meses antes estava no poder do Brasil. Essa posição muito provavelmente foi equivocada e trará consequências ruins a todo o bloco econômico. Outra crítica feita por Morgenthau é de associar a uma determinada pessoa ou grupo toda a culpa de algumas questões, dando-nos a ilusão que se eliminarmos os responsáveis o problema será resolvido; e nada mais atual que hoje nossa situação no Brasil, que quer apontar dedos a um grupo político ou a uma pessoa só como únicos culpados pela crise econômica e política, tentamos achar uma solução simples para um problema complexo, definitivamente o nosso maior erro.
            Há outro fator que se baseia no contraste entre a realidade na política internacional e os conceitos, instituições e procedimentos destinados a controlar essa realidade – instrumentos os quais tentamos usar para que consigamos de alguma forma controlar o sistema anárquico internacional. O terrorismo, as operações militares dos EUA em outros países, a intervenção militar da URSS na Europa Oriental são operações que levam consigo muito mais que apenas conceitos e procedimentos internacionais. Na época da Guerra Fria já dizia William Graham "a quantidade de superstição não mudou muito; ela agora está ligada à política e não à religião", e nessa citação Hans usa o exemplo do Macarthismo, que ocorreu nos EUA, que se recusando a estudar e tomar medidas racionais à realidade ameaçadora do comunismo, banalizou e generalizou uma perseguição a todos que aparentassem o mínimo que fosse como simpatizantes do regime comunista.
Uma analogia que o autor faz quando tenta explicar o papel da teoria é o da Politica Internacional como ela é e da teoria racional dela derivada como uma fotografia e um retrato pintado, respectivamente; o retrato tenta retratar tudo que a olho nu somos capazes de captar, e tenta captar a essência da pessoa retratada. Fala também da dificuldade de haver um equilíbrio perfeito de poder, a realidade será sempre uma tentativa de ser o mais próximo possível do sistema ideal de equilíbrio de poder.
O terceiro princípio é que o realismo tem o conceito de interesse definido como poder, característica que é universalmente valida e constante na história da humanidade. Tucídides, realista clássico, analisando as experiências da Grécia antiga, diz que "a identidade de interesses é o mais seguro dos vínculos, seja entre Estados, seja entre indivíduos", o tipo de interesse que determina a ação política em um determinado período da história depende do contexto político e cultural dentro do qual é formulada a política externa. E um elemento perene em sociedades pluralistas é o equilíbrio de poder, que ainda em situação de conflito, consegue manter uma estabilidade. Hans Morgenthau previu a criação dos blocos econômicos quando fala que a nossa divisão em estados-nação seria um dia substituída por unidades maiores e de natureza diferente mais adequadas às exigências morais do mundo de hoje; outro ponto em que a teoria realista se diferencia das demais: prevê as transformações do mundo.
O quarto princípio “os princípios morais universais não podem ser aplicados às ações dos Estados em sua formulação universal abstrata, mas que devem ser filtrados por meio das circunstâncias concretas de tempo e lugar” fala que nós podemos julgar a ação política segundo princípios morais, porém o Estado não pode ficar com medo de infringir uma lei moral e permitir que isso se torne um obstáculo à ação política vitoriosa, antes  vem a prudência, a virtude máxima da política, que vai sempre calcular as consequências políticas da sua “ação moral”.
No quinto princípio, Morgenthau cita que os princípios morais variam de país a país - isso depende da cultura – e que para sermos justos uns com os outros podemos julgar outras nações com as medidas que avaliamos a nossa e com isso executar políticas que respeitem a diversidade de interesses, assim como seguindo e protegendo os nossos próprios e defendendo um julgamento moderado.
            O professor encerra os princípios com o ponto que o realismo político quer e acredita na autonomia na esfera política, assim como nas outras ciências sociais há atitude moral e intelectual, o realista político também pode existir por si só, ele baseia-se na concepção pluralista da natureza humana, somos compostos do homem “econômico”, “político”, “moral”, “religioso”..., porém essas facetas somente são compreendidas quando analisadas de modo separado. O entendimento da política internacional como ela é, e como deve ser e a comparação com a natureza humana – visto que a política é feita por homens e no sistema internacional não há um instrumento que mantenha a ordem por meio da coesão – dão origem a esse livro que se dedica à compreensão teórica do ramo dando explicações e justificativas especiais.
            É exatamente a luta dos Estados em manter ou alterar o status quo que caracteriza o chamado Equilíbrio de Poder, que é o método que os Estados acharam de conviver no sistema internacional de anarquia, forças autônomas que sobrevivem por esse balanço. Morgenthau faz uma analogia com o corpo humano, que assim como o ambiente internacional, é um sistema e quando um de seus órgãos está sofrendo qualquer tipo de perturbação todo o resto do corpo tem que compensar, reestabelecer o equilíbrio para que o corpo continue funcionando normalmente, cada órgão com sua função. “Ser estável sem destruir a multiplicidade dos elementos”. Na esfera doméstica dos Estados são usados dois tipos de “controle”: o horizontal, conhecido como Checks and balances e o vertical, o qual o povo fiscaliza e não deixa que aqueles que governam tendam a balança de poder mais pro lado deles.
Na esfera internacional, os dois padrões de equilíbrio de poder são: a oposição direta e a de competição. A primeira é quando uma nação toma políticas imperialistas em relação a outra, e esta pode reagir de forma a manter seus status quo ou tomar medidas também imperialistas. A nação que começou a tomar atitudes imperialistas quer poder controlar as decisões da outra, e esta tentará resistir à pressão, ampliando seu poder, ou também agir imperialmente. Já o segundo padrão, de competição, mostra duas potências querendo dominar uma terceira, o poder de um de dominar vai ganhar uma resposta do outro no mesmo nível ou de modo a superar esse poder da primeira. Aqui a melhor opção é preservar a independência da nação alvo das outras duas para evitar tentativas de invasão. Conclui dizendo que as nações pequenas devem agradecer ao equilíbrio de poder porque caso contrário não existiriam, pois são alvo fácil de potências.
            Mas e agora, o realismo morreu? Eu creio que não. São tempos em que as relações entre Estados ou até mesmo dentro deles parecem cada vez mais imprevisíveis, como no caso recente do Brexit. Até nas décadas passadas, o órgão internacional com mais poder no mundo, a Organização das Nações Unidas, vem demonstrando um significativo poder na área de resolução de conflitos, intermediação e assinatura de tratados e declarações. É notável a influência de outros atores internacionais como ONGs, transnacionais, Igreja e até indivíduos e impacto que esses fazem na tomada de decisões, que hoje em dia não compete apenas aos Estados tomar. Porém, ainda acredito que dentre todas as preocupações que um Estado deve ter, ainda impera a preocupação com a segurança, seja ela interna em aspecto de manter o status quo, manter no poder de seu país a ideologia que está no poder; seja externa, que aparenta estar mudando de direção, se ontem era a desconfiança com o ataque de outros Estados, hoje é a preocupação com ataques terroristas.
Talvez estamos presenciando uma metamorfose do chamado realismo, porém não deixamos de analisar as situações e transformações do mundo de hoje, de tentar achar soluções que suavizem as consequências más das decisões mal tomadas e, o mais importante, estamos cada vez mais conscientes que a guerra é inútil, nefasta, ignorante e desumana, acredito que há uma tendência que nos leva a cada vez mais evitar essa alternativa. Temos que acompanhar um mundo que necessita se adaptar a mudanças cada vez mais repentinas e problemas que nunca antes tivemos que nos preocupar, porém essa é a ordem natural da natureza humana: crescemos, evoluímos, adaptamo-nos e lutamos para sobreviver.

Fonte:
http://funag.gov.br/loja/download/0179_politica_entre_as_nacoes.pdf
https://politicaeambiente.wordpress.com/2010/07/17/resenha-de-a-politica-entre-as-nacoes-de-hans-morgenthau/
http://www.faculdadedamas.edu.br/revistas/index.php/relacoesinternacionais/article/viewFile/133/108
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