terça-feira, 18 de outubro de 2016

Relações Internacionais - Teoria aplicada na Prática: "As contribuições do Realismo Moderno são úteis para a compreensão do mundo atual?"





A seção "Relações Internacionais - Teoria aplicada na Prática" é produzida por alunos do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Teoria das Relações Internacionais, Dra. Janiffer Zarpelon. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.

As contribuições do Realismo Moderno são úteis para a compreensão do mundo atual?

                                                                                                            Amanda Ampessan Cavali

Após duas guerras mundiais, uma Europa destruída e desestabilizada e um Estado em ascendência, um professor alemão inicia um estudo que vai tentar explicar a Teoria sobre a Política Internacional. Seguindo uma linha a qual vai inicialmente comparar o sistema internacional com os homens no estado de natureza - estado de anarquia, onde há competição e luta pela sobrevivência – e que leva em conta que o mundo é imperfeito, Hans Morgenthau cria a teoria do Realismo que vai ser explicada no livro A Política entre as Nações. Nele, ele decorre sobre os seis princípios básicos que regem e guiam o relacionamento dos Estados quando falamos das relações internacionais.
Morgenthau nasceu judeu na Alemanha, acabou migrando para os Estados Unidos e se naturalizando norte-americano, o que influencia muito na construção da sua obra, mostra a visão política Ocidental, preocupa-se com os próximos passos dos EUA como hegemonia emergente e com o novo contexto de bipolarismo.
Ele começa seu livro discorrendo sobre o objetivo de apresentar sua teoria e vê-la sendo testada teórica e empiricamente para trazer ordem e sentido aos fenômenos que até agora poderiam parecer inexplicáveis: trazer uma teoria coerente com os fatos e com seus elementos constitutivos. As principais características do realismo se baseiam no equilíbrio de poder, em princípios universais válidos para todas as sociedades, leva em conta precedentes históricos e busca o “mal menor”, já que a paz perpétua seria uma utopia.
Então, apresenta os seis princípios do Realismo Político que são construídos baseando-se na natureza humana e nos processos históricos. O primeiro é justamente o que fala que a sociedade em geral é regida por leis objetivas que refletem a natureza humana. Uma teoria deve partir do princípio de verificação dos fatos e dar a eles sentido mediante a razão. O realismo crê que a natureza de uma política externa deve ser avaliada pelos atos políticos realizados e suas consequências, pois o argumento de uma teoria que é descreditada por ser muito “ultrapassada”, antiga não é racional, mas uma tendência de colocar o presente como superior ao passado. A teoria se baseia em verificar os fatos e dá-los um sentido mediante a razão.
No segundo princípio é apontado que os Estados vão sempre querer aumentar seu poder, já que há uma competição no sistema internacional e a busca pelo poder é necessária para a sobrevivência. Conseguimos então prever os passos que um político pode tomar, pensando que suas atitudes serão tomadas partindo do princípio do interesse do poder. Isso dá a política uma ordem racional e nós conseguimos então entende-la como teoria, e quando falamos do autor internacional criamos uma certa continuidade na política externa, uma evolução racional, coerente embora haja divergências nas qualidades morais dos chefes de estado. Isso evita a preocupação com os motivos e preferências ideológicas. Não é possível julgar que as boas intenções vão levar à melhor solução, para criticar as qualidades políticas e morais devemos conhece-las, não julgá-las pelos motivos finais do político. Aqui o professor cita Robspierre, o advogado que mais tarde se torna líder do partido jacobino na Revolução Francesa que vai se manter no poder na França durante o chamado Período do Terror, ele foi um dos líderes mais virtuosos da história, porém em nome da liberdade, igualdade e fraternidade fez coisas horríveis com aqueles que criticavam o pormenor que seja. Aqui, Morgenthau se baseia nas ideias de um outro filósofo que deu à política o status de ciência e que pode ser chamado de realista clássico por sua contribuição ao estudo das Relações Internacionais: Maquiavel. Ele se propôs a ver e examinar a realidade como ela é, tomou fatos históricos para explicar sua teoria e defendeu como ninguém a ideia que um político não deve agir conforme a moral se essa não vai o guiar ao seu principal papel que é o de garantir a segurança interna e ter um certo controle da segurança externa; resumindo não se deve julgar um “príncipe” pelos seus motivos, mas pelas suas leis que são efetivas e pelo seu exército que mantem a ordem.
Quando a política externa é conduzida sob as condições de controle democrático, deve-se ter cuidado ao procurar apoio popular e acabar deixando de lado a racionalidade que deve ser presada nas relações com outros Estados. Um caso que pode ilustrar esse ponto é atualmente no governo brasileiro em que temos no comando das Relações Exteriores José Serra, que provavelmente deixando-se guiar pelas paixões nacionais de confronto e extremismos de posições políticas, tomou uma decisão no Mercosul de impedir que esse tivesse em seu cargo mais alto um venezuelano, isso tendo como justificativa a ditadura esquerdista em que se encontra a Venezuela e o desejo de afastamento de relações que remetam ou deem continuação ao partido que meses antes estava no poder do Brasil. Essa posição muito provavelmente foi equivocada e trará consequências ruins a todo o bloco econômico. Outra crítica feita por Morgenthau é de associar a uma determinada pessoa ou grupo toda a culpa de algumas questões, dando-nos a ilusão que se eliminarmos os responsáveis o problema será resolvido; e nada mais atual que hoje nossa situação no Brasil, que quer apontar dedos a um grupo político ou a uma pessoa só como únicos culpados pela crise econômica e política, tentamos achar uma solução simples para um problema complexo, definitivamente o nosso maior erro.
            Há outro fator que se baseia no contraste entre a realidade na política internacional e os conceitos, instituições e procedimentos destinados a controlar essa realidade – instrumentos os quais tentamos usar para que consigamos de alguma forma controlar o sistema anárquico internacional. O terrorismo, as operações militares dos EUA em outros países, a intervenção militar da URSS na Europa Oriental são operações que levam consigo muito mais que apenas conceitos e procedimentos internacionais. Na época da Guerra Fria já dizia William Graham "a quantidade de superstição não mudou muito; ela agora está ligada à política e não à religião", e nessa citação Hans usa o exemplo do Macarthismo, que ocorreu nos EUA, que se recusando a estudar e tomar medidas racionais à realidade ameaçadora do comunismo, banalizou e generalizou uma perseguição a todos que aparentassem o mínimo que fosse como simpatizantes do regime comunista.
Uma analogia que o autor faz quando tenta explicar o papel da teoria é o da Politica Internacional como ela é e da teoria racional dela derivada como uma fotografia e um retrato pintado, respectivamente; o retrato tenta retratar tudo que a olho nu somos capazes de captar, e tenta captar a essência da pessoa retratada. Fala também da dificuldade de haver um equilíbrio perfeito de poder, a realidade será sempre uma tentativa de ser o mais próximo possível do sistema ideal de equilíbrio de poder.
O terceiro princípio é que o realismo tem o conceito de interesse definido como poder, característica que é universalmente valida e constante na história da humanidade. Tucídides, realista clássico, analisando as experiências da Grécia antiga, diz que "a identidade de interesses é o mais seguro dos vínculos, seja entre Estados, seja entre indivíduos", o tipo de interesse que determina a ação política em um determinado período da história depende do contexto político e cultural dentro do qual é formulada a política externa. E um elemento perene em sociedades pluralistas é o equilíbrio de poder, que ainda em situação de conflito, consegue manter uma estabilidade. Hans Morgenthau previu a criação dos blocos econômicos quando fala que a nossa divisão em estados-nação seria um dia substituída por unidades maiores e de natureza diferente mais adequadas às exigências morais do mundo de hoje; outro ponto em que a teoria realista se diferencia das demais: prevê as transformações do mundo.
O quarto princípio “os princípios morais universais não podem ser aplicados às ações dos Estados em sua formulação universal abstrata, mas que devem ser filtrados por meio das circunstâncias concretas de tempo e lugar” fala que nós podemos julgar a ação política segundo princípios morais, porém o Estado não pode ficar com medo de infringir uma lei moral e permitir que isso se torne um obstáculo à ação política vitoriosa, antes  vem a prudência, a virtude máxima da política, que vai sempre calcular as consequências políticas da sua “ação moral”.
No quinto princípio, Morgenthau cita que os princípios morais variam de país a país - isso depende da cultura – e que para sermos justos uns com os outros podemos julgar outras nações com as medidas que avaliamos a nossa e com isso executar políticas que respeitem a diversidade de interesses, assim como seguindo e protegendo os nossos próprios e defendendo um julgamento moderado.
            O professor encerra os princípios com o ponto que o realismo político quer e acredita na autonomia na esfera política, assim como nas outras ciências sociais há atitude moral e intelectual, o realista político também pode existir por si só, ele baseia-se na concepção pluralista da natureza humana, somos compostos do homem “econômico”, “político”, “moral”, “religioso”..., porém essas facetas somente são compreendidas quando analisadas de modo separado. O entendimento da política internacional como ela é, e como deve ser e a comparação com a natureza humana – visto que a política é feita por homens e no sistema internacional não há um instrumento que mantenha a ordem por meio da coesão – dão origem a esse livro que se dedica à compreensão teórica do ramo dando explicações e justificativas especiais.
            É exatamente a luta dos Estados em manter ou alterar o status quo que caracteriza o chamado Equilíbrio de Poder, que é o método que os Estados acharam de conviver no sistema internacional de anarquia, forças autônomas que sobrevivem por esse balanço. Morgenthau faz uma analogia com o corpo humano, que assim como o ambiente internacional, é um sistema e quando um de seus órgãos está sofrendo qualquer tipo de perturbação todo o resto do corpo tem que compensar, reestabelecer o equilíbrio para que o corpo continue funcionando normalmente, cada órgão com sua função. “Ser estável sem destruir a multiplicidade dos elementos”. Na esfera doméstica dos Estados são usados dois tipos de “controle”: o horizontal, conhecido como Checks and balances e o vertical, o qual o povo fiscaliza e não deixa que aqueles que governam tendam a balança de poder mais pro lado deles.
Na esfera internacional, os dois padrões de equilíbrio de poder são: a oposição direta e a de competição. A primeira é quando uma nação toma políticas imperialistas em relação a outra, e esta pode reagir de forma a manter seus status quo ou tomar medidas também imperialistas. A nação que começou a tomar atitudes imperialistas quer poder controlar as decisões da outra, e esta tentará resistir à pressão, ampliando seu poder, ou também agir imperialmente. Já o segundo padrão, de competição, mostra duas potências querendo dominar uma terceira, o poder de um de dominar vai ganhar uma resposta do outro no mesmo nível ou de modo a superar esse poder da primeira. Aqui a melhor opção é preservar a independência da nação alvo das outras duas para evitar tentativas de invasão. Conclui dizendo que as nações pequenas devem agradecer ao equilíbrio de poder porque caso contrário não existiriam, pois são alvo fácil de potências.
            Mas e agora, o realismo morreu? Eu creio que não. São tempos em que as relações entre Estados ou até mesmo dentro deles parecem cada vez mais imprevisíveis, como no caso recente do Brexit. Até nas décadas passadas, o órgão internacional com mais poder no mundo, a Organização das Nações Unidas, vem demonstrando um significativo poder na área de resolução de conflitos, intermediação e assinatura de tratados e declarações. É notável a influência de outros atores internacionais como ONGs, transnacionais, Igreja e até indivíduos e impacto que esses fazem na tomada de decisões, que hoje em dia não compete apenas aos Estados tomar. Porém, ainda acredito que dentre todas as preocupações que um Estado deve ter, ainda impera a preocupação com a segurança, seja ela interna em aspecto de manter o status quo, manter no poder de seu país a ideologia que está no poder; seja externa, que aparenta estar mudando de direção, se ontem era a desconfiança com o ataque de outros Estados, hoje é a preocupação com ataques terroristas.
Talvez estamos presenciando uma metamorfose do chamado realismo, porém não deixamos de analisar as situações e transformações do mundo de hoje, de tentar achar soluções que suavizem as consequências más das decisões mal tomadas e, o mais importante, estamos cada vez mais conscientes que a guerra é inútil, nefasta, ignorante e desumana, acredito que há uma tendência que nos leva a cada vez mais evitar essa alternativa. Temos que acompanhar um mundo que necessita se adaptar a mudanças cada vez mais repentinas e problemas que nunca antes tivemos que nos preocupar, porém essa é a ordem natural da natureza humana: crescemos, evoluímos, adaptamo-nos e lutamos para sobreviver.

Fonte:
http://funag.gov.br/loja/download/0179_politica_entre_as_nacoes.pdf
https://politicaeambiente.wordpress.com/2010/07/17/resenha-de-a-politica-entre-as-nacoes-de-hans-morgenthau/
http://www.faculdadedamas.edu.br/revistas/index.php/relacoesinternacionais/article/viewFile/133/108

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