segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Opinião: A Vitória do “Não” no plebiscito sobre a paz na Colômbia - o que acontece agora?




A Vitória do “Não” no plebiscito sobre a paz na Colômbia : o que acontece agora?

                                                                         *Por  Andrew Patrick Traumann
 

Em um dia histórico, o povo colombiano decidiu ontem não referendar o acordo de paz costurado entre o governo e as FARC. Para aqueles que acompanham o processo a distância parece no mínimo estranho que a população rejeite “uma paz estável e duradoura”,como constava na pergunta da cédula de votação. Há, porém uma série de fatores internos que explicam o que ocorreu na Colômbia. 

Quando o presidente Juan Manuel Santos foi reeleito em 2014, sua vitória foi vista como um sinal verde da população para o prosseguimento das negociações de paz. Muitos dos assessores do presidente por isso o aconselharam a não convocar um plebiscito para referendar o Acordo, uma vez que este já tinha o apoio tácito da população, que afinal o reelegera. Santos, talvez demonstrando excesso de confiança, insistiu no plebiscito e tal como David Cameron em relação ao Brexit, foi vítima de sua própria invenção.

Analistas dizem que o “Não” também foi um voto contra Santos. Além de reclamações gerais acerca do seu governo incluindo o sistema de saúde precário e os altos índices de desemprego há uma divisão ideológica clara. Setores conservadores da sociedade colombiana têm demonstrado constantemente sua irritação com o que chamam de ensino da “ideologia de gênero” nas escolas. Tudo começou quando o governo passou a distribuir uma cartilha intitulada “Ambientes Escolares Livres de Discriminação”. A cartilha pregava a tolerância à diversidade. Ponto. No entanto, o que foi divulgado nas redes sociais era que a cartilha estimulava a homossexualidade. Reforçava este argumento o fato de a Ministra da Educação Gina Parody ser homossexual. O presidente Santos teve que vir a público apoiar Parody e ao mesmo tempo garantir que a cartilha não fazia apologia a nenhum tipo de orientação sexual. A polêmica, contudo, aumentou ainda mais a polarização no país.
Outra razão para o “Não” era a suposta possibilidade de uma renegociação do Acordo com as FARC.  O senador e ex-presidente Álvaro Uribe foi o maior difusor da ideia de que o “Não” não significava uma rejeição à paz, mas sim um “Não” a impunidade dos guerrilheiros. Mas afinal, o que havia no texto do Acordo que gerou tanta polêmica?

Em primeiro lugar, o texto deixa no ar a possibilidade de impunidade tanto para a guerrilha quanto para os paramilitares. Crimes como assassinatos, seqüestros e estupros seriam punidos com no máximo oito anos de cadeia comutáveis por trabalhos comunitários como a construção de creches, hospitais, estradas etc. Ou seja, alguém que cometeu crimes contra a humanidade não deveria mais nada a Justiça após trabalhar alguns anos como pedreiro para o Estado. Além disso, as FARC se tornariam um partido político com cinco cadeiras garantidas na Câmara e no Senado pelos próximos dois pleitos. Não se falou também em reparação as vítimas. Assim, é compreensível que boa parte da população, por mais que queira a paz, não esteja disposta a pagar este preço.

De todo modo, o Acordo era uma forma de acabar com uma guerra que dura mais de cinqüenta anos, que pelo menos daqui por diante não haveria mais seqüestros, massacres, deslocamentos forçados (quase 7 milhões de pessoas foram expulsas de seus locais de origem durante a guerra,número maior do que o conflito sírio). Seria um acordo ruim, sem dúvida, mas seria o acordo possível. E agora?

Há dois caminhos: um seria recomeçar as negociações e Santos teria que chamar negociadores do “Não” como o ex presidente e adversário político Álvaro Uribe,o grande vitorioso de ontem. Outro caminho seria convocar uma Assembleia Constituinte, o que também fortaleceria a ingerência da oposição no Acordo. O que é certo é que todo o Processo de Paz no momento se encontra paralisado. Sem a aprovação do Acordo, tudo o que foi decidido em Havana não tem efeito jurídico. A bola agora está com os partidários do “Não” que terão que mostrar ao país que possuem uma solução melhor e que são mais habilidosos para negociar com as FARC para que assim finalmente termine um dos mais longos conflitos da História.
                                                               
   *Andrew Patrick Traumann é Doutor em História, Cultura e Poder pela UFPR e professor de História das Relações Internacionais do UNICURITIBA.



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