sexta-feira, 29 de junho de 2018

Redes e Poder no Sistema Internacional: É Copa para quem?


A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2018 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

É Copa para quem?

Amanda Delgado Gussão *

Já se passaram quatro anos desde o doloroso 7x1, e é tempo de festa outra vez. Sediada pelo Brasil em 2014, a Copa do Mundo de 2018 acontece na Rússia, e são os donos da festa, infelizmente, que delimitam quem e como se pode celebrar.

O famoso evento mundial de futebol seria um momento para a celebração da paz entre os diferentes povos, no qual não importa a religião nem o regime político de um país, e sim se “a qualidade do futebol” é suficiente para levar a taça àquela nação. A Copa do mundo também é muito importante para o sistema internacional e, principalmente, para o Estado que a sedia, pela visibilidade midiática que lhe é dada, e que expõe sua capacidade tecnológica, sua força cultural, econômica e política. A Copa da Rússia, no entanto, além das configurações que mostram o desenvolvimento do país, exterioriza a cultura/política russa de discriminação que retoma tempos antigos.

No dia 7 de junho deste ano, o Itamaraty e o Ministério do Esporte lançaram o Guia Consular do Torcedor Brasileiro, para orientação dos torcedores e turistas brasileiros que visitam a Rússia durante a Copa do Mundo FIFA 2018. A cartilha, segundo o Portal Consular do Itamaraty, “traz informações sobre aspectos da legislação e dos costumes na Rússia, procedimentos migratórios, idioma, moeda e várias outras, coletadas com o objetivo específico de preparar o viajante brasileiro para que tenha a melhor estadia possível naquele país.” 

Entre informações sobre transporte e documentos, o Guia recomenda também o comportamento da comunidade LGBT: “Não são comuns na Rússia manifestações intensas de afeto em público. Em particular, recomenda-se à comunidade LGBT evitar demonstrações homoafetivas em ambientes públicos, que podem ser consideradas “propaganda de relações sexuais não tradicionais feita a menores” e enquadradas em lei (de junho de 2016), que prevê multa e deportação. "Evite manifestar-se publicamente sobre temas políticos, ideológicos, sociais e de orientação sexual", diz a cartilha. É estranho, em 2018, ler uma recomendação assim por parte de um órgão estatal, mas não é para menos. Com pouco mais de duas semanas de duração, a Copa na Rússia já rendeu várias polêmicas e sua cultura homofóbica e racista é posta a luz. 

Vladimir Putin, Presidente e 1º ministro da Rússia desde 1999, carrega um histórico de leis de perseguição à população LGBT e que perpetuam o machismo. Em 2013, sob a justificativa de "proteger os menores de idade", o governo proibiu a promoção de "relações não-tradicionais": na prática, manifestações públicas de afeto entre um casal gay podem render multas — no caso de estrangeiros, há o risco de deportação. Em janeiro de 2017, um projeto de lei que despenaliza as violências domésticas em nome da “tradição familiar” foi sancionado pelo presidente Putin.

O perfil discriminatório do governo, entretanto, não se resume a questão LGBT. No dia 14 de junho, a deputada russa Tamara Pletnyova, presidente da comissão parlamentar para as "Famílias, Mulheres e Crianças", fez um pedido para que as mulheres russas não fizessem sexo com estrangeiros não-brancos, sob a justificativa que as crianças sofreriam discriminações no futuro. A deputada alerta que algumas mulheres poderão se tornar mães solteiras de crianças mestiças, dois fatores que, segundo ela, as colocariam em situação vulnerável na sociedade russa.

Um evento que deveria ser de representação da pluralidade existente no mundo, de respeito a diversidade, de paz e entendimento mútuo, se torna uma amostra da violência institucionalizada que existe, até hoje, contra as “minorias”. Ao mesmo tempo em que a Rússia expõe seu poder econômico, revela suas políticas opressoras e racistas, enquanto o povo se distrai com a antiga técnica do “pão e circo”.


* Amanda Delgado Gussão é acadêmica do curso de Relações Internacionais e pesquisadora do Grupo de Pesquisa "RPSI - Redes e Poder no Sistema Internacional".
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terça-feira, 26 de junho de 2018

Opinião: A efetividade das instituições internacionais em meio ao unilateralismo por parte dos Estados Unidos.


O Grupo de Pesquisa sobre A Efetividade das Instituições Internacionais para o ordenamento internacional*, do UNICURITIBA, estamos bastante preocupados com o posicionamento dos Estados Unidos perante as instituições internacionais, tendo como fato mais recente a saída do país do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
A política externa americana nos séculos XVIII e XIX oscilou entre o isolacionismo e o internacionalismo unilateral. Esse último foi marcado pela busca da expansão territorial do país na América do Norte, emergindo a noção de “Destino Manifesto”: missão de disseminar o progresso por meio do liberalismo político e econômico expandindo suas fronteiras territoriais.
Essas estratégias foram representadas na Doutrina Monroe, em 1823, com a frase que resume a doutrina: “América para os americanos”, ou seja, isolamento quanto aos assuntos europeus, mas engajamento pela liderança no continente americano. Isso representou, apesar das tentativas de Woodrow Wilson – presidente dos Estados Unidos de 1913 a 1921 – do país ficar de fora da Liga das Nações.
A Liga das Nações foi a primeira tentativa de criar um mecanismo de segurança coletiva de caráter universal. Foi justamente Woodrow Wilson quem propagou a ideia de criar uma organização internacional para esse fim, no entanto, o Congresso americano não ratificou a entrada dos Estados Unidos na Liga por alegar que a mesma atendia apenas os interesses dos países europeus.
Apesar do fracasso da Liga das Nações em evitar os conflitos internacionais, que avançaram para a Segunda Guerra Mundial, consideramos que a mesma foi relevante por contribuir no aumento da utilização por parte dos Estados de mecanismos do direito internacional na busca de solucionar conflitos, bem como no surgimento de novas Instituições Internacionais.
Mas, foi somente no pós-Segunda Guerra Mundial, que ocorre um maior engajamento dos países para o multilateralismo, ou seja, a cooperação conjunta e ativa por parte dos países sobre determinados temas. Essa cooperação criou várias estruturas internacionais neste período, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre outras. Podemos dizer que os Estados Unidos exerceu um papel de liderança na criação dessas instituições internacionais.
A política externa americana se caracterizou por um internacionalismo multilateral, no qual, verificava a necessidade dessas estruturas internacionais para manter sua postura hegemônica. A Teoria da Estabilidade Hegemônica, desenvolvida por Charles Kindleberger, em 1979, e depois complementada por Robert Gilpin, que verifica no papel da hegemonia em manter a ordem econômica liberal internacional. Assim, a estabilidade seria um “bem público” para os países que fizessem parte dessa ordem. Esta teoria acreditava que se a hegemonia entrasse em queda, essa estabilidade econômica também entraria em declínio, ou seja, em colapso.
Já nos anos 1980, com o avanço da interdependência, Robert Keohane, outro importante teórico das Relações Internacionais, irá criticar essa visão. O autor destaca que mesmo com o declínio da liderança dos Estados Unidos, que foi observado pela crise do petróleo nos anos 1970, o sistema internacional continuou apresentando grande estabilidade devido ao papel das instituições internacionais em manter a cooperação e o ordenamento das relações internacionais.
Acreditamos que as instituições internacionais são relevantes pois contribuem para as discussões coletivas em vista que os problemas não são mais locais, mas transnacionais. Além disso, as mesmas trazem certos benefícios aos Estados, que além da ordem, possibilita redução de custos, aumento da transparência, novas alianças estratégicas, aumento da equidade, entre outros. Não estamos dizendo que as instituições internacionais não possuem problemas, mas na medida que as mesmas alteram o comportamento dos Estados, podemos dizer que elas foram relevantes.
Retornando ao posicionamento dos Estados Unidos quanto as instituições internacionais, mesmo após o final da Guerra Fria, o país manteve como estratégia o multilateralismo. Os Estados Unidos manteve a lógica de defender a relevância das organizações internacionais, se mantendo como o maior financiar do orçamento das organizações internacionais multilaterais, e na criação da Organização Mundial do Comércio (OMC).
No entanto, no governo Bush filho (2001-2009) os Estados Unidos passa a adotar um posicionamento mais unilateral devido ao combate contra o terrorismo. Mas com a perda da legitimidade e da credibilidade hegemônica, em meados de 2007, os Estados Unidos passa a adotar novamente o multilateralismo voltando a priorizar a atuação das Organizações Internacionais. Já no governo Obama (2009-2017) é buscado consolidar novamente o multilateralismo, tendo como um dos seus principais feitos a participação dos Estados Unidos do Acordo de Paris, em 2015, sobre a redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE).
Mas, com o governo Trump, a partir de 2017, a estratégia do país passa a ser “America first”, ou seja, a priorização dos interesses nacionais americanos. Várias medidas passam a representar esse posicionamento dos Estados Unidos como a saída do Acordo de Paris em junho de 2017, saída da Unesco em outubro de 2017, saída do acordo de nuclear com o Irã em maio de 2018, e a mais recente saída do Conselho de Direitos Humanos da ONU em junho de 2018.
Essas ações tem levado no grande questionamento quanto ao futuro do multilateralismo no ambiente internacional. Verificamos que as instituições internacionais são relevantes para o ordenamento internacional e que a estabilidade do ambiente internacional não depende mais unicamente da liderança de uma hegemonia. No entanto, acreditamos na importância dos Estados Unidos em auxiliar na manutenção do multilateralismo, já que o país é um importante global player. O que nos resta é esperar e torcer para que os avanços que foram conquistados ao longo dos séculos com relação ao multilateralismo no ambiente internacional não caiam por terra.
* Artigo originalmente publicado no Blog Institucionalizzando do "Grupo de Pesquisa sobre a Efetividade das Instituições Internacionais para o ordenamento do sistema internacional", do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), no dia 25 de Junho de 2018, coordenado pela Professora Dra Janiffer Zarpelon, e com os seguintes integrantes: Andressa Streit de Faria, Alécia Alves, Bianca Martins de Andrade, Brenda Kauanne das Neves Ferreira, Eduardo Lema Mazzafera, Eliana Gabriela Preveda Opuchkevich, Gabriela Sacoman Kszan, Guilherme Sotero Wansson, Heloisa Bronholo, Katlen Carvalho da Silva, Lígia Maffessoni Penia, Marcelo Henrique Guimarães Berger, Maria Vitoria Moreira Essenfelder, Morgana Bettega Gazabin, Rafaela Nogueira Zacarias, Rômulo Erhardt Moreski, Suellen Barreto Foppa, Thaís de Souza Soares. 

Disponível em: https://institucionalizzando.wordpress.com/2018/06/25/a-efetividade-das-instituicoes-internacionais-em-meio-ao-unilateralismo-por-parte-dos-estados-unidos/#more-62

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segunda-feira, 25 de junho de 2018

Redes e Poder no Sistema Internacional: A gestão do território na Amazônia


A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2018 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

A gestão do território na Amazônia


Helena Yuri Ueda de Carvalho *

Ao debater as gestões de territorialidades, é necessário compreender as relações dos sujeitos em torno do ambiente e o ambiente em si. No caso dos ambientes florestais, antigamente, o ambiente de várzea marcava fortemente a vida dos camponeses, que possuíam estreita relação com a água. As várzeas recentes abrigam uma diversidade de riquezas de fauna e flora, que historicamente eram e ainda são utilizadas por seus habitantes como forma de alimentação, ou parte da renda obtida através da comercialização da produção excedente de pesca extrativa ou de pequenas criações – agricultura de curto ciclo.

Toda a produção é acompanhada pela sazonalidade do ambiente, relacionada com os períodos de subida e descida das águas do rio Amazonas. A vinculação de sobrevivência antes prevista, contudo, desde o desenvolvimento das técnicas globais foi bastante impactada. Durante o século XX, devido à indução do crescimento das economias, os Estados Nacionais focaram em criar planejamentos, muito com relação aos mercados domésticos. As elites regionais se concentraram em buscar cada vez mais produtos e uma maior produção sobre os mesmos.

Locais fartos em recursos, tais como a Amazônia, sofreram grande intervenção dos Estados, já que eram e são zonas estratégicas para os países e seus planejamentos. A integração da região para o Brasil foi prioritária nos anos de 1965-1985, e por isso, iniciar programas de desenvolvimento para exploração na Amazônia era importante. O órgão responsável pela elaboração de objetivo, no caso, foi a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), logo depois das tentativas falhas do anterior, SPVEA, no governo militar.

A lógica se desenrolou basicamente no que vemos hoje em dia. Construções de subjetividades se formaram sobre o tema devido às negligências envolvidas pelos atores do Governo desde esse momento. Com a seca de 1970 então, um acordo de estratégia geopolítica veio à tona. Combinando programas de exploração de infraestrutura com um projeto de tentativa de colonização dos nordestinos sem-terra, o local se tornou uma "alternativa para a reforma agrária" (Kohlhepp, 1979). Tais atos acabaram refletindo, e ao contrário das tentativas incipientes, houve um impulso à migração de uns para o norte, espontaneamente.

As ações estatais para o desenvolvimento eram sobre o transporte rodoviário. Com o passar do tempo, tornou-se vantajoso para bancos, companhias de seguro, mineradoras e empresas estatais, de transportes ou de construção, se deslocar e investir na devastação da floresta tropical. Com a redução de impostos e a diminuição de taxas tributárias, os grandes projetos estavam no incentivo às criações de gado e nos projetos de mineração.

As consequências foram bastante excessivas. O rápido desmatamento acabou causando danos como erosão, perda de nutrientes da mata por escoamento e desregulamento no balanço de águas. O local apesar de não tão populoso, ainda possui seus cidadãos, problemas e conflitos com estrangeiros que, por tal situação, se tornaram ainda mais violentos refletem uma administração inconveniente. Marcada por abusos de poder, tráfico de recursos naturais, insegurança sobre os direitos legais das populações locais, limite das reservas dos indígenas e competição sobre as terras, uma desordem geográfica, política e social é presente nas extensões da Amazônia.


* Helena Yuri Ueda de Carvalho é acadêmica do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e membro pesquisador do Grupo de Pesquisa RPSI - Redes e Poder no Sistema Internacional.
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sexta-feira, 22 de junho de 2018

Direito Internacional em Foco: Caso das atividades paramilitares na Nicarágua

Placa de rua em Managua (1983). Tradução: Morte ao Imperialismo Yankee. 4° aniversário da Marinha Sandinista


A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter, e a supervisão da monitora da disciplina, Marina Marques. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.

 
Caso das atividades paramilitares na Nicarágua

Gabriel Wasilewski, Isadora Fonseca, Mariana Camargo



O caso das atividades paramilitares na Nicarágua, de 1984, foi um marco importante para a jurisprudência internacional. Como não possuía precedentes, a decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ) se tornou emblemática ao proibir o uso da força como norma jus cogens e ao fortalecer o princípio da não intervenção. A importância do conteúdo dos jus cogens reside no fato de ser uma norma imperativa de Direito Internacional. Em opinião separada após o julgamento, o juiz Nagendra Singh, ao afirmar que o princípio do não uso da força é de jus cogens, coloca tal instrumento como vital para a paz e o progresso da humanidade[1].

O presente caso encontra-se em um momento de acirramento da Guerra Fria, em que os Estados Unidos da América financiou um grupo paramilitar contrário ao regime sandinista na Nicarágua.  A relação política conturbada entre a Nicarágua e os Estados Unidos vêm de longa data, influenciando diversas eleições e ajuda militar à presidentes liberais, como Astolfo Diaz e Emiliano Chamorro. O governo revolucionário sandinista, apesar de democraticamente eleito, ameaçava a segurança dos EUA, que o acusava de ser influenciado pelo comunismo soviético. A partir do financiamento de armamentos, munições, treinamentos e táticas de guerra dos “contras”, um grupo armado de direita contrário ao regime vigente na época, os Estados Unidos contribuía com a desestabilização do país.
No dia 9 de abril de 1984, a Nicarágua processou os EUA perante a CIJ, sendo que a base jurídica utilizada pelo país da América Central foi a violação das obrigações contidas na Carta da ONU, mais especificamente seu artigo 2°, que afirma “Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas”.
 Ainda houveram violações à tratados bilaterais assinados entre os países, como o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, concluído em Manágua no ano de 1956. Seu artigo XXIV, artigo 2°, dispõe que “qualquer disputa que venha a ocorrer entre as partes, quanto à interpretação ou à aplicação do presente Tratado e que não puder ser solucionada de uma maneira satisfatória pela via diplomática será levada perante a Corte Internacional de Justiça, a menos que as partes concordem em solucioná-la por outros meios pacíficos”.

Eles ainda argumentam que sua soberania foi violada por conta de ataques armados, invasão de suas águas territoriais e espaço aéreo e utilização de intensa propaganda contra os revolucionários, intimidando-os e coagindo-os. 

Adotando como base o livro de Francisco Rezek, na abordagem sobre soberania, o autor argumenta que a mesma se trata de: "como atributo fundamental do Estado, a soberania o faz titular de competências que, precisamente porque existe uma ordem jurídica internacional, não são ilimitadas; mas nenhuma outra entidade as possui superiores" e "Ela é hoje uma afirmação do direito internacional positivo, no mais alto nível de seus textos convencionais." Ou seja, todo Estado é dotado (e tem o direito) de soberania no Sistema Internacional, visto que não há uma ordem superior no mesmo.

Porém, a violação da soberania de um Estado em relação a outro pode gerar um atrito entre ambos a partir do momento em que os respectivos interesses de cada um entram em conflito, colocando em risco as relações entre os mesmos, como acordos diplomáticos e até mesmo o reconhecimento mútuo perante o cenário internacional.

O presente caso também trouxe à tona discussões acerca da Cláusula facultativa de jurisdição obrigatória. Segundo Francisco Rezek, “esta cláusula, agregada ao Estatuto da Corte desde o início de sua primeira fase, é de aceitação facultativa: pode o Estado ser membro das Nações Unidas e parte no Estatuto, preferindo, contudo, não firmá-la. Seus signatários se obrigam por antecipação a aceitar a jurisdição da Corte sempre que demandados por Estado também comprometido com a cláusula — o que vale dizer, em base de reciprocidade”.

Foi a partir da controvérsia com a Nicarágua que os EUA, curiosamente, iniciaram ressalvas em relação à cláusula: sua aceitação da autoridade da Corte não se aplicaria a conflitos com países da América Central. Hoje em dia, já fora da cláusula, os EUA a repudiam por inteiro. 

Apesar de contestada pelo país réu, a Corte afirmou sua jurisdição. Já em 1984, os EUA abandonam o processo. A sentença foi promulgada dois anos após o mesmo, em que a decisão da CIJ consistia em decisão favorável à Nicarágua. Aceitando as acusações referentes às violações da soberania nicaraguense, houve intensas alterações nos princípios jurídicos de não intervenção e o não uso da força. Após tal caso, a Corte Internacional de Justiça reafirmou o princípio de solução de controvérsias por caminhos pacíficos.


Referências Bibliográficas:
REZEK, Francisco. Direito Internacional público – Curso elementar, 16° edição. Saraiva, 2016
RONALDO, Pablo. A legítima defesa como exceção ao uso unilateral da força: o caso das atividades militares e paramilitares na Nicarágua. UFF, 2015.
ORLANDO, Fredys. A Corte Internacional de Justiça e o caso Estados Unidos x Nicarágua. Brasília, 1995.


[1] ICJ, Summary of Judgments, Judgment of 27 June 1986 – Case concerning military and paramilitary activities in and against Nicaragua” (Nicaragua v. United States of America).
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quinta-feira, 21 de junho de 2018

Opinião: As crianças imigrantes separadas de suas famílias nos Estados Unidos



"Ficou visível o sofrimento de um número cada vez maior de grupos de pessoas as quais, subitamente, já não se aplicavam as regras do mundo que as rodeava..."
(ARENDT, H. As origens do totalitarismo. 4a ed. São Paulo: Schwarcz S.A., 2016, p. 369)

Nós, integrantes do Grupo de Pesquisa sobre a nova Lei de Migração* no Centro Universitário de Curitiba, acompanhamos as notícias, consternados, sobre o tratamento concedido nos Estados Unidos aos imigrantes e, em especial, às crianças imigrantes separadas de seus pais.
Com o endurecimento da política migratória do governo Trump, imigrantes estão sendo levados a centros de detenção para responderem a processos, e como seus filhos menores não podem ser detidos, consequentemente acabam recolhidos a abrigos do governo. As imagens divulgadas das crianças chorando, recolhidas em gaiolas e separadas de seus pais são estarrecedoras.
Entendemos que esta medida é cruel e desumana, uma afronta à dignidade das mais de 2.300 crianças envolvidas e uma violação a compromissos assumidos pelos Estados Unidos com o Direito Internacional dos Direitos Humanos - que, paradoxalmente, foi construído em grande medida com o apoio estadunidense e como expressão de sua cultura de liberdade.
Ainda que, nesta terça (19), o presidente Trump tenha recuado e suspendido o decreto que estipulava a separação familiar das crianças migrantes de seus pais, tal medida não foi suficiente, uma vez que ela não retroagirá para os casos em que já ocorreu a separação, estipulando também que as crianças sejam detidas juntamente com seus pais. Por conta disso, a decisão viola o Acordo de Flores de 1997 - um acordo feito entre organizações de Direitos Humanos e autoridades migratórias dos Estados Unidos - que estabeleceu a proibição de detenção de crianças por mais de 20 dias. 
As tentativas de solucionar a crise migratória ensejaram a discussão para reformar a política e as leis migratórias do país, assunto que será discutido nesta sexta (22) no Congresso dos Estados Unidos.  A Administração de Trump espera um endurecimento da regulação migratória no país. 

Somam-se a todos esses fatos a “coincidência” de que, nesta semana, os EUA saíram do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, sendo o primeiro país a sair voluntariamente de um órgão que preza pela defesa dos Direitos Humanos no plano mundial. Essa decisão lamentável apenas expressa os rumos pelo qual o governo Trump está caminhando. A rejeição ao Conselho impossibilita a construção de diálogos para solução de desafios internacionais sobre direitos mínimos irrenunciáveis, dentre eles, a própria questão dos migrantes.
Diante de todo esse contexto, percebemos claramente um retrocesso civilizatório, do qual infelizmente a maior potência econômica ocidental se torna seu principal ator. O ser humano não pode ser considerado ilegal por simplesmente escolher o espaço onde vive e não deveria ser obstado por uma despótica burocracia estatal que faz desaparecer o sentimento de solidariedade entre, primeiramente, os povos, e depois, as nações - atingindo de maneira tão cruel e brutal até mesmo as crianças. Em nosso grupo de pesquisa, nos debruçamos sobre a nova lei migratória brasileira - que em muito avançou nos direitos dos migrantes em nosso país. Percebemos, porém, que tais avanços não foram suficientes para solucionar muitas violações que circundam a questão migratória. Ansiamos, sobretudo, por uma atuação da comunidade internacional pelo reconhecimento do direito de migrar, como direito humano e, como tal, universal.
*O Grupo de Pesquisa "A NOVA LEI DE MIGRAÇÃO BRASILEIRA (LEI N° 13.445/2017) E AS MUDANÇAS NO TRATAMENTO DE MIGRANTES E REFUGIADOS NO BRASIL" foi fundado em fevereiro de 2018 e é coordenado pela Professora Michele Hastreiter. 
Integram o grupo os acadêmicos abaixo listados:
Allana da Silva Oliveira
Anielle Araújo da Silveira
Blenda Melniski Severiano
Daniel Martins de Albuquerque
Davi Bremgartner da Frota
Giorgia Botelho Nascimento
Heloah Franze Gil
Isabella Louise Traub Soares de Souza
Isadora Fonseca Janiski
Louise Karoline Assis Magron 
Maria Eduarda Torres Siqueira
Marina Raquel da Costa Marques
Matheus Felipe Silva
Paula DeMaria Corrêa Rocha
Rafael Yoshida Machado
Rafaella Pacheco do Nascimento
Sofia Sant’Anna de Faria
Thaís de Souza Soares
Suelyn Bidas da Silva                
 
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