Artigo apresentado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais I, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, no curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.
Por Gabriel Wasilewski.
A ameaça nuclear iraniana não é
realmente uma ameaça, mas sim uma possibilidade de estabilidade.
A anarquia internacional
é a causa permanente da guerra. Desenvolvida na obra “Man, the State, and War”
o teórico realista Kenneth Waltz sustenta a ideia de que “guerras ocorrem
porque não há nada para preveni-las”. Apesar de desenvolvido durante a Guerra
Fria, o debate não perdeu sua atualidade, e as ideias de Waltz encaixam-se
perfeitamente em análises de conflitos geopolíticos que se desenrolam
hodiernamente.
Uma das regiões mais
instáveis do planeta e a mais conturbada geopoliticamente é o Oriente Médio, em
que os conflitos perpassam desde a religião até o petróleo. Um marco relevante
para a compreensão das tensões é a Revolução Iraniana de 1979. Foi a partir
desta que o Irã se reinventa como potência regional, principalmente pelo
controle dos aiatolás de uma das maiores reservas de petróleo do mundo. A ordem
regional foi virada de ponta-cabeça após a revolução, repercutindo em todos os
países da região, desde o Líbano e Iraque até Israel e Arábia Saudita. O Irã
enxerga a si mesmo como protetor da vertente xiita do islamismo, rivalizando
historicamente com sauditas e iraquianos, defensores do sunismo. Os conflitos
entre os Estados da região se travam basicamente através de proxy wars, sendo a Guerra Civil Síria e
a Guerra Civil Iemenita bons exemplos disto.
Segundo
especialistas, a paz no Oriente Médio depende fundamentalmente da resolução das
tensões que envolvem a construção de arsenal nuclear por parte do Irã. A
insegurança deste país perante seus vizinhos é fundamentada, pois rivaliza com
uma Arábia Saudita que dispõe de grande investimento bélico norte-americano[1]
e o exército mais bem equipado do Oriente Médio, representado pela figura de
Israel. Há grande temor por parte desses países de um Irã armado nuclearmente,
mas este seria o melhor resultado possível: a conquista de armas nucleares por
parte do Irã provavelmente restauraria a estabilidade no Oriente médio.
Tais afirmações são
sustentadas pelos princípios neorrealistas desenvolvidos ao longo das obras do
teórico Kenneth Waltz. O mesmo afirma que “não enfrentamos escolhas felizes,
uma expansão gradual de armas nucleares é melhor que expansão nenhuma” (Waltz,
1981). O princípio realista clássico de auto ajuda convém para esta análise,
pois afirma que cada Estado é responsável por sua própria segurança e não se
pode contar com outro Estado para a defesa de sua segurança e seus interesses.
Além disso, todos os Estados têm que estar prontos para usar a força ou esperar
que seus vizinhos usem-na contra si. O Sistema Internacional é claramente um
domínio de auto ajuda, mas essa verdade é ainda mais evidente em uma região tão
instável quanto o Oriente Médio.
A presente análise
seria inexequível caso deixasse de abordar os níveis de análise das relações
internacionais. O desejo iraniano de atingir o domínio de armas nucleares
encontra-se ao nível do Indivíduo, do Estado ou do Sistema Internacional? Seria
uma vontade do líder supremo Ali Khamenei, dos representantes da República
Islâmica do Irã ou é imposta pelas condições do Sistema Internacional? Sendo a
proliferação de armas nucleares um desafio global, a análise precisa englobar o
conjunto de todas as relações entre os atores das relações internacionais.
Sendo assim, os padrões sistêmicos do comportamento das unidades dentro do
sistema só podem ser verificadas caso adote-se como nível de análise o Sistema
Internacional.
A natureza anárquica
das relações internacionais ou seja, a ausência de uma estrutura hierárquica no
campo internacional, faz com que as unidades do sistema (os Estados) busquem se
defender da eventual ameaça das outras unidades produzindo um sistema de
balanceamento de poder[2].
Equilíbrio é definido pelo Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa como o
“estado daquilo que sofre ação de duas forças antagônicas iguais; igualdade
entre forças opostas”. Nesse caso, o poder deve ser equilibrado entre as forças
antagônicas do sistema.
Em recente artigo
publicado na revista Foreign Affairs[3],
Waltz afirma que “é o arsenal nuclear israelense, não o desejo iraniano por
um, que mais contribui para a crise atual”. O poder implora para ser
equilibrado, ou seja, o sentimento de insegurança por parte do Irã pode e deve
ser corrigido através de um equilíbrio militar nuclear. O autor ainda afirma
que os dois países devem olhar para exemplos como o caso da Índia e do
Paquistão e considerar o precedente de que mesmo no meio de altas tensões e
provocações, eles conseguiram manter a paz. Caso consiga capacidade nuclear,
Irã e Israel poderão se dissuadir, assim como potências nucleares sempre
fizeram, criando um sistema bipolar regional passível de uma estabilidade
concreta.
A dissuasão seria
capaz de alterar as relações assimétricas entre os Estados da região, pois duas
forças equivalentes respeitariam o poder do qual ambas as forças dispõem,
gerando um sistema mais estável do que o atual.
Uma questão a ser
ponderada que está além do artigo de Kenneth Waltz e que pode gerar objeções à
sua conclusão é a recente declaração do príncipe herdeiro saudita, Mohammed Bin
Salman, de que “caso o Irã desenvolva armas nucleares, nós também iremos”[4].
Tal declaração não deslegitima as conclusões de Waltz, apenas demonstra que
elas devem ser atualizadas para um contexto em que outro ator de peso da região
deve ser considerado. Apesar disso, as palavras finais de seu artigo são
coerentes nesse novo cenário, pois afirma que “quando se trata de armas
nucleares, agora mais do que nunca, quanto mais, melhor” (Waltz, 2012).
Referências
bibliográficas:
BAYLIS, John; SMITH, Steve; OWENS, Patricia (Ed.). The globalization of world politics: an introduction to international relations. Oxford University Press, 2017.
BOBBIO,
Norberto, MATTEUCCI, Nicola, e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política.
São Paulo:
Editora UNB - Imprensa Oficial: 2004
BUZAN, Barry; JONES, Charles; LITTLE, Richard. The
Logic of Anarchy. New York: Columbia University Press, 1993
KISSINGER, Henry. Ordem mundial. Objetiva, 2015
WALTZ, Kenneth (1959) Man, the State and War.
New York: Columbia University Press.
WALTZ, Kenneth (1979) Theory of International
Politics. Reading, MA: Addison-Wesley.
WALTZ, Kenneth (1981) The Spread of Nuclear
Weapons: More May Better. Adelphi Papers, Number 171 (London: International
Institute for Strategic Studies)
WALTZ, Kenneth (2012) "Why Iran Should Get the
Bomb." Foreign Affairs July/August 2012
WEBER, Cynthia. International Relations Theory: A
Critical Introduction. Psychology Press, 2005
[1] Sanz, Juan Carlos. Trump
assina contrato de 110 bilhões de dólares para venda de armas à Arábia Saudita.
El País, 2017. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/05/20/internacional/1495269138_611412.html
[2]
Sarfati, Gilberto. Teoria de Relações Internacionais. Saraiva, 2005
[3] Waltz,
Kenneth. "Why Iran Should Get the
Bomb." Foreign Affairs July/August 2012
[4] "Saudi
crown prince: If Iran develops nuclear bomb, so will we" CBS NEWS March 15, 2018. Disponível em: https://www.cbsnews.com/news/saudi-crown-prince-mohammed-bin-salman-iran-nuclear-bomb-saudi-arabia/
* Gabriel Wasilewski é estudante do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
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