sexta-feira, 29 de junho de 2018

Redes e Poder no Sistema Internacional: É Copa para quem?


A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2018 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

É Copa para quem?

Amanda Delgado Gussão *

Já se passaram quatro anos desde o doloroso 7x1, e é tempo de festa outra vez. Sediada pelo Brasil em 2014, a Copa do Mundo de 2018 acontece na Rússia, e são os donos da festa, infelizmente, que delimitam quem e como se pode celebrar.

O famoso evento mundial de futebol seria um momento para a celebração da paz entre os diferentes povos, no qual não importa a religião nem o regime político de um país, e sim se “a qualidade do futebol” é suficiente para levar a taça àquela nação. A Copa do mundo também é muito importante para o sistema internacional e, principalmente, para o Estado que a sedia, pela visibilidade midiática que lhe é dada, e que expõe sua capacidade tecnológica, sua força cultural, econômica e política. A Copa da Rússia, no entanto, além das configurações que mostram o desenvolvimento do país, exterioriza a cultura/política russa de discriminação que retoma tempos antigos.

No dia 7 de junho deste ano, o Itamaraty e o Ministério do Esporte lançaram o Guia Consular do Torcedor Brasileiro, para orientação dos torcedores e turistas brasileiros que visitam a Rússia durante a Copa do Mundo FIFA 2018. A cartilha, segundo o Portal Consular do Itamaraty, “traz informações sobre aspectos da legislação e dos costumes na Rússia, procedimentos migratórios, idioma, moeda e várias outras, coletadas com o objetivo específico de preparar o viajante brasileiro para que tenha a melhor estadia possível naquele país.” 

Entre informações sobre transporte e documentos, o Guia recomenda também o comportamento da comunidade LGBT: “Não são comuns na Rússia manifestações intensas de afeto em público. Em particular, recomenda-se à comunidade LGBT evitar demonstrações homoafetivas em ambientes públicos, que podem ser consideradas “propaganda de relações sexuais não tradicionais feita a menores” e enquadradas em lei (de junho de 2016), que prevê multa e deportação. "Evite manifestar-se publicamente sobre temas políticos, ideológicos, sociais e de orientação sexual", diz a cartilha. É estranho, em 2018, ler uma recomendação assim por parte de um órgão estatal, mas não é para menos. Com pouco mais de duas semanas de duração, a Copa na Rússia já rendeu várias polêmicas e sua cultura homofóbica e racista é posta a luz. 

Vladimir Putin, Presidente e 1º ministro da Rússia desde 1999, carrega um histórico de leis de perseguição à população LGBT e que perpetuam o machismo. Em 2013, sob a justificativa de "proteger os menores de idade", o governo proibiu a promoção de "relações não-tradicionais": na prática, manifestações públicas de afeto entre um casal gay podem render multas — no caso de estrangeiros, há o risco de deportação. Em janeiro de 2017, um projeto de lei que despenaliza as violências domésticas em nome da “tradição familiar” foi sancionado pelo presidente Putin.

O perfil discriminatório do governo, entretanto, não se resume a questão LGBT. No dia 14 de junho, a deputada russa Tamara Pletnyova, presidente da comissão parlamentar para as "Famílias, Mulheres e Crianças", fez um pedido para que as mulheres russas não fizessem sexo com estrangeiros não-brancos, sob a justificativa que as crianças sofreriam discriminações no futuro. A deputada alerta que algumas mulheres poderão se tornar mães solteiras de crianças mestiças, dois fatores que, segundo ela, as colocariam em situação vulnerável na sociedade russa.

Um evento que deveria ser de representação da pluralidade existente no mundo, de respeito a diversidade, de paz e entendimento mútuo, se torna uma amostra da violência institucionalizada que existe, até hoje, contra as “minorias”. Ao mesmo tempo em que a Rússia expõe seu poder econômico, revela suas políticas opressoras e racistas, enquanto o povo se distrai com a antiga técnica do “pão e circo”.


* Amanda Delgado Gussão é acadêmica do curso de Relações Internacionais e pesquisadora do Grupo de Pesquisa "RPSI - Redes e Poder no Sistema Internacional".

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