Artigo apresentando na disciplina de Teoria das Relações Internacionais I, ministrada pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. As opiniões expressas no artigo pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.
* Laura Marrie de Oliveira
Almeida
A
primeira onda acontece no fim do século XIX, caracterizado pelo ataque às
diferenças discriminatórias insustentáveis, principalmente com relação ao
trabalho e à política, o marco desse período é o movimento sufragista nos
Estados Unidos e na Inglaterra. É nessa época também que começam a surgir os
primeiros movimentos estruturados da luta feminista, focos de concentração e
organização de protestos e manifestações a favor dos direitos políticos,
sociais e econômicos das mulheres. No Brasil, o movimento feminista ganha força
sob a liderança de Bertha Lutz, parte do movimento de mulheres da classe média
e classe média alta, altamente instruídas e com grande influência política -
Bertha é a responsável pelo projeto de lei que garante a extensão do voto às
mulheres, em 1927.
A
segunda onda surge no final dos anos 1960, sob a influência dos movimentos
políticos de 1968 e do sentimento que nasce no pós-guerra e ainda persiste
nesse período. Aqui as reivindicações são a respeito da liberdade da mulher, de
seu direito sobre seu próprio corpo e também sobre os papéis de gênero. Apesar
do importante papel feminino realizado durante a guerra, a reinserção da mulher
na sociedade pós-guerra não acontece de forma eficaz, e a imposição da conceito
“bela, recatada e do lar” volta a aparecer - o ser mãe, esposa e dona de casa se
torna novamente uma obrigação, mas a experiência de “liberdade” ainda é
expressiva e buscada. Apesar da agenda internacional falar principalmente sobre
a liberdade feminina, no Brasil, e na América Latina de forma geral, a
necessidade era de combate à violência contra a mulher, em especial a doméstica
e a policial (tendo em vista o período antidemocrático que a região
experienciou).
Nos
anos 1990 a pauta feminista se reformula, principalmente no que diz respeito ao
movimento nele mesmo. A terceira onda do feminismo, ou como chamados por alguns
estudiosos, o pós-feminismo, abre as discussões sobre a identidade do
movimento, expondo a exclusão das fases anteriores ao exibir um movimento
universal e uniforme, deixando à margem a luta de mulheres negras, lésbicas,
indígenas e pobres. Essa nova onda vai trazer pluralidade e novas realidades ao
movimento, tornando-o mais inclusivo.
Nas
Relações Internacionais, as leituras feministas começam a surgir a partir da
década de 1980, como consequência dos movimentos sociais das mulheres em todo o
mundo. O lugar da mulher na política internacional foi um dos primeiros alvos
de questionamentos de feministas nas RI - a ocupação de cargos menos
importantes, ou ainda quase invisíveis, na visão de autoras como Ann Tickner e Cynthia
Enloe, é fruto da desigualdade de gênero e também de sua construção social.
A construção de gênero é
um tema recorrente nas discussões feministas, a idéia predominante é de que as
relações de gênero são construtos sociais, fruto de um substrato psicológico
subjetivo e inconsciente comum a todos os seres humanos, que definem o que é
“feminino e masculino”. A partir disso, entende-se que nas Relações
Internacionais os papéis de gênero tem o poder de gerar experiências
masculinizadas, como o militarismo e a não inclusão de mulheres na política
internacional. É possível dizer que a constante relação traçada entre a
“fragilidade feminina” e o poder associados a cargos mais altos influenciam
diretamente a conquista desses lugares pelas mulheres.
Para além das questões
políticas, o feminismo nas Relações Internacionais tem contribuído para a
reconsideração de certezas disciplinares à muito fincadas nesse campo de
estudo. A segurança internacional, por exemplo, tem sido reformulada,
notoriamente quanto a ideia de segurança e
proteção. As novas leituras feministas de segurança
internacional vão questionar o Estado como provedor último da segurança de seus
cidadãos, sugerindo a necessidade de proteção do indivíduo mesmo que este
esteja sob um Estado. Além disso há uma exposição do estupro como uma
estratégia militar que suscita reflexões sobre a situação de mulheres e
crianças em situação de conflito.
O estupro em situações de
guerra não é uma prática recente, é possível identificar essa realidade em
diversas obras literárias e artisticas - como em A ilíada de Homero, onde as troianas são usadas como recompensa da
guerra e instrumento de vingança, ou em The
tragedy of lucretia de Botticelli - que representa a peça O estupro de lucrécia de Shakespeare.
Um caso atual do uso
estupro como arma de guerra aconteceu na Guerra da Bósnia de 1992. Durante o
conflito, campos de estupro foram instaurados (geralmente em escolas, armazéns
e ginásios) onde as mulheres, principalmente muçulmanas e croatas eram
obrigadas a ter relações sexuais com mais de um soldado. Em seu livro Mass Rape, Alexandra Stiglmayer conta do
caso do campo em Doboj, onde duas mil mulheres e algumas crianças foram
aprisionadas. Os relatos falam sobre a situação desesperadora que passavam no
campo, onde frequentemente homens chegavam e escolhiam algumas mulheres para
serem estupradas a fim de engravidá-las. Caracterizada por uma “limpeza
étnica”, o objetivo final de tamanhos absurdos era de dominação da descendência
e subjugação da mulher, e estima-se que cerca de vinte mil mulheres foram
estupradas durante a guerra.
É possível citar também o
caso vivido no Iraque, durante a invasão norte-americana. Há inúmeros relatos
de estupros cometidos por soldados estadunidenses contra as mulheres nacionais,
mas o tema não é muito abordado e discutido. É interessante citar a abordagem
dada por Camen Rial em seu artigo Guerra
de imagens e imagens da guerra, no qual a autora expõe a omissão das mídias
de informação que nunca citaram os crimes cometidos no Iraque, dizendo ainda
que a escolha “aleatória” (majoritariamente mulheres de estereótipo muçulmano)
era usado como arma de guerra uma vez que esse estereótipo atribui ao ato um
caráter de vitória, o transforma em um troféu contra a própria nação, de certa
forma.
Diante de tal realidade,
é legítimo o questionamento sobre as ações das autoridades internacionais, e da
comunidade internacional como um todo a respeito do tema. É somente em 1993 que
o estupro é reconhecido como arma de guerra, pelo Conselho de Direitos Humanos
da ONU. Fora da ONU, é aprovado em 1998 o Estatuto de Roma, que cria o Tribunal
Penal Internacional, e que traz em seu texto a criminalização do estupro e de
outros atos de violência sexual, especialmente como crime de guerra. Nesse
ponto, as teorias feministas possuem papel fundamental, pois é a partir das
discussões trazidas pelo movimento que a relação entre os gêneros são
contestadas.
É importante ressaltar
que as discussões sobre a mulher no cenário internacional ainda é inicial,
sendo necessário inúmeros avanços tanto quanto à segurança na guerra, como em
outras áreas, mas a inclusão do tema no debate internacional é significativo e
serve como pressuposto para o avanço das discussões e das ações para a defesa
dos direitos femininos em todo o mundo.
REFERÊNCIAS
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* Laura Marrie de Oliveira Almeida é estudante do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
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