Artigo realizado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais I, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. As ideias contidas no artigo não representam a visão da instituição, mas sim dos seus autores.
* Guilherme Gusso
Sabe-se que até 2014 o Brasil representava
parte significativa no mercado consumidor automotivo, sendo o 4° no ranking dos
países que mais possuía participação ativa no mercado de compra e venda de
automóveis no mundo. Eis que surge então uma pergunta, que vem aquecendo debates
entre economistas a respeito do desenvolvimento tecnológico no setor
automobilístico brasileiro: “por que não possuímos industrias automotivas
genuinamente nacionais para suprir nossas altas demandas? ”
A resposta para esta pergunta pode ser um
pouco extensa e necessita que voltemos nossos olhos para o Brasil das décadas
de 30 e 40, que é, segundo Carlos Lessa, no documentário “Um Sonho Intenso”
(2015), o período chave para entendermos os rumos que a economia, política e
cultura brasileira tomaram até os dias de hoje. A problemática em questão não
se restringe apenas aos vieses econômicos, mas permeia de maneira muito
significante um recorte histórico das Relações Internacionais brasileiras e sua
crescente interdependência tecnológica-industrial.
Segundo Joseph Nye, a interdependência é
caracterizada por uma rede complexa de dependência entre os atores internacionais,
sejam nações, organizações ou empresas, tais redes de dependência geram
resultados mútuos para os atores envolvidos em um sistema. Erroneamente,
algumas correntes de pensamento liberal acreditam que a única forma para
extinguir a velha competição entre as nações seria por intermédio da cooperação,
porém, apesar dos benefícios conjuntos, a interdependência não elimina a concorrência
no sistema internacional. Por outro lado, a aplicação de sanções, como forma de
punição a condutas subversivas, dentro das relações de interdependência, vem a
ser uma alternativa a violência.
As origens destas interações provem dos
interesses nacionais, e visam pôr em prática acordos e tratados que trabalhem a
favor de ganhos conjuntos. Trata-se de classificar a interdependência de várias
formas, podendo ela variar entre:
ecológica, militar, política e econômica. É interessante colocarmos em
pauta o contraste entre poder e interdependência, pois, no mundo globalizado, o
poder soberano mais forte irá emanar do Estado mais autônomo, sendo os
investimentos em tecnologia o carro-chefe do progresso.
Buscando interligar o conceito de
interdependência com os primeiros passos dados pela industrialização
brasileira, avaliaremos através deste artigo a interdependência do Brasil com
relação as primeiras tentativas de se criar uma indústria nacional.
Na virada do século XIX para o XX, as
indústrias brasileiras ainda eram indústrias leves, ou seja, a carência
tecnológica e a ausência de indústrias pesadas (de base) durante este período é
de suma importância para estruturar este trabalho e entender a posição do
Brasil como um mercado extremamente interdependente na produção e no
desenvolvimento de novas tecnologias.
Até a instauração do Estado Novo por Getúlio
Vargas na década de 30, as indústrias nacionais eram fadadas ao primitivismo e ao
retrocesso se comparadas as grandes potências da época. Caracterizado por
industrias de bem de consumo não duráveis, o Brasil dos anos 20 era
representado por uma economia agraria, principalmente cafeeira. A indústria
têxtil e as demais indústrias brasileiras ainda se limitavam a pequenas
fabricas e oficinas que importavam seus bens de produção.
O Brasil de fato só iria dar seus primeiros
passos rumo a modernização industrial em meados dos anos trinta. A “Missão
Aranha”, atendia a um convite pessoal do próprio Presidente Roosevelt para
discutir o posicionamento brasileiro em função da Segunda Guerra Mundial, não
foi apenas um marco para a intensificação das relações Brasil-Estados Unidos na
época, como também antecedeu o que mais tarde ficaria conhecido como Os Acordos
De Washington.
Em 1941, os EUA entram na Segunda Guerra
Mundial, surge então a necessidade de uma parceria estratégica com o Brasil. Os
Acordos de Washington tinham como principal objetivo a adesão do governo Vargas
aos Aliados, quebrando a neutralidade da nação brasileira em relação a guerra.
Em troca, seriam concedidos ao Brasil empréstimos de até 100 milhões de dólares
para financiamento de projetos industriais que prometeriam nos tirar da posição
de primários exportadores e nos colocar nos trilhos da industrialização.
A Fabrica Nacional de Motores, ou
popularmente conhecida como “fenemê”, teve sua sede em Duque de Caxias-RJ e foi
inaugurada em 1942 durante o governo de Getúlio Vargas. Seu propósito era a
construção de motores aeronáuticos destinados a aviões de treinamento militar. Foi
um dos frutos dos empréstimos estadunidenses firmados pelos Acordos De
Washington. A Curtis-Wright, transnacional norte-americana, na época,
considerada uma das maiores fabricantes de aviões do mundo foi quem licenciou a
produção e forneceu o maquinário necessário para que o Brasil pudesse começar a
desenvolver seus primeiros motores. O maquinário ficaria pronto apenas em 1946,
com o fim da guerra, a produção já era considerada obsoleta e o Brasil ficaria
novamente para trás, porém, desta vez com um razoável polo industrial em mãos.
Visto que o investimento estrangeiro trouxe
para o país um maquinário de produção excelente, a Fabrica Nacional de Motores,
em uma tentativa de manter suas maquinas em funcionamento, até 1948 produziu
desde peças para trem até geladeiras e bicicletas.
O período do pós-guerra é considerado um
momento de reconfiguração mundial, os países europeus haviam sido destruídos
pelos violentos conflitos em seu território, e uma nova potência se instaurava
no Ocidente. Através do Plano Marshall, os Estados Unidos buscaram investir
bilhões de dólares afim de reconstruir alguns países da Europa, cujo o poder de
consumo era interessante para reestabelecer o mercado internacional norte-americano.
A Itália foi um dos países que mais se beneficiou com a verba do Plano Marshall,
e segundo o site oficial do Itamaraty, 1944 foi o ano em que as relações diplomáticas
entre Brasil e Itália foram plenamente restabelecidas. Sabendo que a economia
italiana voltava aos eixos, o governo brasileiro toma mais uma medida de
cooperação industrial, associando a Fabrica Nacional De Motores com a italiana
Alfa Romeo no começo dos anos 50, afim de evitar a bancarrota.
Segundo Thomas Skidmore em sua obra: “Brasil,
De Getúlio a Castelo” (1979), mais de 70 por cento dos trabalhadores
brasileiros, antes dos anos 30 estavam concentrados no campo, pois a economia
era de maioria agrícola. Visando o fato de que o interior brasileiro ainda era
de difícil acesso, a Alfa Romeo em parceria com a FNM deram início a produção
de caminhões e ônibus, que durante a época serviriam para integrar o país de
forma bem rudimentar, embora que a verdadeira integração e “expansão para o
oeste” brasileira só viriam a se concretizar no governo de JK.
A cooperação industrial abre as portas para
um Brasil que produz por intermédio de capital estrangeiro, e que aos poucos
perde sua soberania em função da instalação de bases militares norte-americanas
no Nordeste brasileiro. Em troca, derramaríamos sangue nazista em solo alemão,
tardiamente faríamos parte do progresso e da indústria, o Estado novo se
encarregaria da gestão do povo brasileiro, até então esquecido nas lavouras de
café e refém da opressão das elites paulistas, mas que no final das contas, nas
garras do populismo, tinha apenas o direito de permanecer calado.
“É
importado”; “é coisa boa”, de onde vem a mentalidade brasileira de que a
mercadoria que vem de fora é melhor? Se não de um tácito reconhecimento da
incapacidade da indústria brasileira de produzir com qualidade, das
necessidades populistas de controle de massa, da falta de investimentos em
tecnologia e educação, da descarada forma que o governo da época encontrou de
admitir essa incompetência, logo refletida na nossa cultura de consumo. Parece
que não só as indústrias brasileiras se modernizaram através do bem de capital
estrangeiro, mas a mentalidade do brasileiro comum como consumidor também se
transforma, se torna até interessante imaginarmos os primeiros operários entrando
na nova fábrica de motores, se deslumbrando com toda aquela tecnologia de
produção importada, chegando em casa e contando pra família sobre mais um dia
de trabalho, consolidando o que viria a ser a mentalidade dos futuros
brasileiros e conduzindo a economia insistir nos mesmos erros.
Visualizamos através da história da Fábrica
Nacional de Motores, diversas tentativas do governo de modernizar a economia
através de estratégias de cooperação industrial, as fabricas estavam produzindo
em solo brasileiro, a mão-de-obra era nacional, mas o maquinário de produção
(bem de capital) sempre se manteve importado. A carência de desenvolvimento
tecnológico industrial, ou seja, o desenvolvimento de tecnologias de produção-
maquinário nacional- não era prioridade, o investimento internacional feito em
solo brasileiro sempre foi a nível de mercado emergente, por mais moderna que
as grandes montadoras pareçam elas não são divisões nacionais, não fornecem nem
sua melhor tecnologia, nem seus melhores produtos. O fato é que até mesmo hoje
em dia, o que vemos são multinacionais no Brasil e não do Brasil.
Referências:
BAER, Werner.
A Economia Brasileira. São Paulo: Nobel, 1996.
BRASIL.
Itamaraty: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/ficha-pais/5270-republica-italiana
KEOHANE,
Robert O.; NYE JR., Joseph S. Poder e Interdependencia: La política
mundial em transición. Grupo Editor Latinoamericano, 1988.
SKIDMORE,
Thomas. Brasil : de Getúlio a Castello (1930-64). São Paulo : Companhia
das Letras, 2010.
Documentário:
Um
Sonho Intenso. Dirigido por: José Mariani.
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