terça-feira, 10 de julho de 2018

Teoria das Relações Internacionais em destaque: Do Brasil à Fora: a fábrica nacional de motores e a Interdependência no processo de industrialização do Brasil.

Artigo realizado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais I, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. As ideias contidas no artigo não representam a visão da instituição, mas sim dos seus autores. 

Guilherme Gusso


Sabe-se que até 2014 o Brasil representava parte significativa no mercado consumidor automotivo, sendo o 4° no ranking dos países que mais possuía participação ativa no mercado de compra e venda de automóveis no mundo. Eis que surge então uma pergunta, que vem aquecendo debates entre economistas a respeito do desenvolvimento tecnológico no setor automobilístico brasileiro: “por que não possuímos industrias automotivas genuinamente nacionais para suprir nossas altas demandas? ”
A resposta para esta pergunta pode ser um pouco extensa e necessita que voltemos nossos olhos para o Brasil das décadas de 30 e 40, que é, segundo Carlos Lessa, no documentário “Um Sonho Intenso” (2015), o período chave para entendermos os rumos que a economia, política e cultura brasileira tomaram até os dias de hoje. A problemática em questão não se restringe apenas aos vieses econômicos, mas permeia de maneira muito significante um recorte histórico das Relações Internacionais brasileiras e sua crescente interdependência tecnológica-industrial.
Segundo Joseph Nye, a interdependência é caracterizada por uma rede complexa de dependência entre os atores internacionais, sejam nações, organizações ou empresas, tais redes de dependência geram resultados mútuos para os atores envolvidos em um sistema. Erroneamente, algumas correntes de pensamento liberal acreditam que a única forma para extinguir a velha competição entre as nações seria por intermédio da cooperação, porém, apesar dos benefícios conjuntos, a interdependência não elimina a concorrência no sistema internacional. Por outro lado, a aplicação de sanções, como forma de punição a condutas subversivas, dentro das relações de interdependência, vem a ser uma alternativa a violência.
As origens destas interações provem dos interesses nacionais, e visam pôr em prática acordos e tratados que trabalhem a favor de ganhos conjuntos. Trata-se de classificar a interdependência de várias formas, podendo ela variar entre:  ecológica, militar, política e econômica. É interessante colocarmos em pauta o contraste entre poder e interdependência, pois, no mundo globalizado, o poder soberano mais forte irá emanar do Estado mais autônomo, sendo os investimentos em tecnologia o carro-chefe do progresso.
Buscando interligar o conceito de interdependência com os primeiros passos dados pela industrialização brasileira, avaliaremos através deste artigo a interdependência do Brasil com relação as primeiras tentativas de se criar uma indústria nacional.
Na virada do século XIX para o XX, as indústrias brasileiras ainda eram indústrias leves, ou seja, a carência tecnológica e a ausência de indústrias pesadas (de base) durante este período é de suma importância para estruturar este trabalho e entender a posição do Brasil como um mercado extremamente interdependente na produção e no desenvolvimento de novas tecnologias.
Até a instauração do Estado Novo por Getúlio Vargas na década de 30, as indústrias nacionais eram fadadas ao primitivismo e ao retrocesso se comparadas as grandes potências da época. Caracterizado por industrias de bem de consumo não duráveis, o Brasil dos anos 20 era representado por uma economia agraria, principalmente cafeeira. A indústria têxtil e as demais indústrias brasileiras ainda se limitavam a pequenas fabricas e oficinas que importavam seus bens de produção.
O Brasil de fato só iria dar seus primeiros passos rumo a modernização industrial em meados dos anos trinta. A “Missão Aranha”, atendia a um convite pessoal do próprio Presidente Roosevelt para discutir o posicionamento brasileiro em função da Segunda Guerra Mundial, não foi apenas um marco para a intensificação das relações Brasil-Estados Unidos na época, como também antecedeu o que mais tarde ficaria conhecido como Os Acordos De Washington.
Em 1941, os EUA entram na Segunda Guerra Mundial, surge então a necessidade de uma parceria estratégica com o Brasil. Os Acordos de Washington tinham como principal objetivo a adesão do governo Vargas aos Aliados, quebrando a neutralidade da nação brasileira em relação a guerra. Em troca, seriam concedidos ao Brasil empréstimos de até 100 milhões de dólares para financiamento de projetos industriais que prometeriam nos tirar da posição de primários exportadores e nos colocar nos trilhos da industrialização.
A Fabrica Nacional de Motores, ou popularmente conhecida como “fenemê”, teve sua sede em Duque de Caxias-RJ e foi inaugurada em 1942 durante o governo de Getúlio Vargas. Seu propósito era a construção de motores aeronáuticos destinados a aviões de treinamento militar. Foi um dos frutos dos empréstimos estadunidenses firmados pelos Acordos De Washington. A Curtis-Wright, transnacional norte-americana, na época, considerada uma das maiores fabricantes de aviões do mundo foi quem licenciou a produção e forneceu o maquinário necessário para que o Brasil pudesse começar a desenvolver seus primeiros motores. O maquinário ficaria pronto apenas em 1946, com o fim da guerra, a produção já era considerada obsoleta e o Brasil ficaria novamente para trás, porém, desta vez com um razoável polo industrial em mãos.
Visto que o investimento estrangeiro trouxe para o país um maquinário de produção excelente, a Fabrica Nacional de Motores, em uma tentativa de manter suas maquinas em funcionamento, até 1948 produziu desde peças para trem até geladeiras e bicicletas.
O período do pós-guerra é considerado um momento de reconfiguração mundial, os países europeus haviam sido destruídos pelos violentos conflitos em seu território, e uma nova potência se instaurava no Ocidente. Através do Plano Marshall, os Estados Unidos buscaram investir bilhões de dólares afim de reconstruir alguns países da Europa, cujo o poder de consumo era interessante para reestabelecer o mercado internacional norte-americano. A Itália foi um dos países que mais se beneficiou com a verba do Plano Marshall, e segundo o site oficial do Itamaraty, 1944 foi o ano em que as relações diplomáticas entre Brasil e Itália foram plenamente restabelecidas. Sabendo que a economia italiana voltava aos eixos, o governo brasileiro toma mais uma medida de cooperação industrial, associando a Fabrica Nacional De Motores com a italiana Alfa Romeo no começo dos anos 50, afim de evitar a bancarrota.
Segundo Thomas Skidmore em sua obra: “Brasil, De Getúlio a Castelo” (1979), mais de 70 por cento dos trabalhadores brasileiros, antes dos anos 30 estavam concentrados no campo, pois a economia era de maioria agrícola. Visando o fato de que o interior brasileiro ainda era de difícil acesso, a Alfa Romeo em parceria com a FNM deram início a produção de caminhões e ônibus, que durante a época serviriam para integrar o país de forma bem rudimentar, embora que a verdadeira integração e “expansão para o oeste” brasileira só viriam a se concretizar no governo de JK.
A cooperação industrial abre as portas para um Brasil que produz por intermédio de capital estrangeiro, e que aos poucos perde sua soberania em função da instalação de bases militares norte-americanas no Nordeste brasileiro. Em troca, derramaríamos sangue nazista em solo alemão, tardiamente faríamos parte do progresso e da indústria, o Estado novo se encarregaria da gestão do povo brasileiro, até então esquecido nas lavouras de café e refém da opressão das elites paulistas, mas que no final das contas, nas garras do populismo, tinha apenas o direito de permanecer calado.
 “É importado”; “é coisa boa”, de onde vem a mentalidade brasileira de que a mercadoria que vem de fora é melhor? Se não de um tácito reconhecimento da incapacidade da indústria brasileira de produzir com qualidade, das necessidades populistas de controle de massa, da falta de investimentos em tecnologia e educação, da descarada forma que o governo da época encontrou de admitir essa incompetência, logo refletida na nossa cultura de consumo. Parece que não só as indústrias brasileiras se modernizaram através do bem de capital estrangeiro, mas a mentalidade do brasileiro comum como consumidor também se transforma, se torna até interessante imaginarmos os primeiros operários entrando na nova fábrica de motores, se deslumbrando com toda aquela tecnologia de produção importada, chegando em casa e contando pra família sobre mais um dia de trabalho, consolidando o que viria a ser a mentalidade dos futuros brasileiros e conduzindo a economia insistir nos mesmos erros.
Visualizamos através da história da Fábrica Nacional de Motores, diversas tentativas do governo de modernizar a economia através de estratégias de cooperação industrial, as fabricas estavam produzindo em solo brasileiro, a mão-de-obra era nacional, mas o maquinário de produção (bem de capital) sempre se manteve importado. A carência de desenvolvimento tecnológico industrial, ou seja, o desenvolvimento de tecnologias de produção- maquinário nacional- não era prioridade, o investimento internacional feito em solo brasileiro sempre foi a nível de mercado emergente, por mais moderna que as grandes montadoras pareçam elas não são divisões nacionais, não fornecem nem sua melhor tecnologia, nem seus melhores produtos. O fato é que até mesmo hoje em dia, o que vemos são multinacionais no Brasil e não do Brasil.

Referências:

BAER, Werner. A Economia Brasileira. São Paulo: Nobel, 1996.


KEOHANE, Robert O.; NYE JR., Joseph S. Poder e Interdependencia: La política mundial em transición. Grupo Editor Latinoamericano, 1988.

SKIDMORE, Thomas. Brasil : de Getúlio a Castello (1930-64). São Paulo : Companhia das Letras, 2010.

Documentário:


Um Sonho Intenso. Dirigido por: José Mariani.

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