sexta-feira, 6 de julho de 2018

Redes e Poder no Sistema Internacional: A política de tolerância zero de Trump e a vulnerabilidade das crianças que emigram


A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2018 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

Política de Tolerância Zero de Trump e a vulnerabilidade das crianças que imigram

Suelyn Bidas *

Nas últimas semanas, todos os olhos se voltaram para os Estados Unidos da América, graças a uma fotografia. Nela, várias crianças aparecem desacompanhadas, deitadas sobre finos colchonetes estirados ao chão e com apenas mantas aluminizadas sobre seus corpos, enquanto totalmente cercadas por grades. São as vítimas da chamada nova política de migração de “tolerância zero” do governo de Donald Trump.

Segundo essa nova política, os imigrantes que forem pegos cruzando a fronteira de maneira irregular não serão mais apenas deportados, mas sim processados criminalmente e julgados em tribunais federais norte-americanos. Mesmo os que vieram para pedir asilo (o que não é ilegal) são separados de seus filhos na fronteira. Essas crianças ficarão sob a custódia do chamado “U.S. Department of Health and Human Services”, órgão governamental que ficará responsável por alocar cada criança com um familiar, um tutor voluntário ou em um abrigo. Segundo funcionários da administração Trump, essa é, acima de tudo, uma maneira de desencorajar a “imigração ilegal”.

Após serem colocadas sob a tutela de um familiar ou tutor, as crianças aguardarão os devidos procedimentos legais, e é aí que um fato ainda mais estarrecedor vem à tona: crianças, tão jovens quanto três anos de idade, estão sendo obrigadas a comparecer sozinhas perante o juiz que decidirá seu destino. Crianças em tribunais de migração simplesmente não têm direito a um defensor público gratuito.

Apesar disso, essas crianças têm o direito de serem representadas por advogados de ONG’s ou escritórios de advocacia que trabalham com casos pro bono. O que acontece, porém, é que muitas delas não conseguem acesso a nenhum destes, que não têm recursos suficientes para atender a enorme demanda de casos que lhes são apresentados.

Não é uma tática nova fazer menores desacompanhados passar sozinhos pelo processo de deportação. Porém, desde a efetivação da controversa política de migração de Trump, mais crianças estão sendo afetadas. É provável que as mais de 2.000 crianças que foram separadas na fronteira desde abril terão que lidar com o processo legal de deportação sozinhos, ao mesmo tempo em que vivenciam o trauma de terem sido arrancadas de seus pais. Geralmente, os pais que eram julgados junto a seus filhos é que explicavam ao juiz as condições de violência e violação de direitos fundamentais em seus países de origem que os fizeram migrar para os EUA. 

Muitas vezes, só os pais da criança estão cientes dos motivos pelos quais a família fugiu de seu país e a falta deles perante o julgamento coloca a criança em uma posição de extrema desvantagem. Segundo dados coletados pela Universidade de Siracusa, entre 2015 e 2017 cerca de 300 mil crianças desacompanhadas tiveram que comparecer sozinhas a audiências de deportação, ao que metade delas não possuía representação legal. Uma criança que não tem advogado é quatro vezes mais propensa a receber uma ordem de deportação.

No tribunal, o procurador argumentará pela deportação da criança. Em teoria, a criança sem representação legal tem a oportunidade de se defender das acusações e apresentar as evidências e argumentos a seu favor. Isso, porém, não funciona na prática, uma vez que uma criança não tem a capacidade e discernimento para exercer esse direito por si só.

Atualmente, não existem regras ou diretrizes indicando qual a idade mínima para que uma criança possa ser obrigada a se defender sozinha perante um tribunal. O judiciário provê um tradutor, caso seja necessário, mas é discricionariedade dos juízes adiar as audiências para que a criança tenha tempo de obter representação legal. Lindsay Toczylowski, diretora executiva do Centro de Defensoria de Imigrantes de Los Angeles (Immigrant Defenders Law Centre), segundo veiculado pela ONG “Kaiser Family Foundation”, contou que recentemente representou uma criança de três anos que havia sido separada dos pais. No meio da audiência, esta começou a subir em cima da mesa, o que, para Lindsay, evidenciou o quão absurda é essa situação.

Após a polêmica trazida pela divulgação da foto, Trump cedeu à pressão internacional e assinou uma ordem executiva para cessar a separação de famílias na fronteira (apesar de dias antes ter declarado que isso só poderia ser feito por meio do congresso, e nunca por ordem executiva). Nessa ordem, porém, não há diretrizes sobre os casos em que as famílias já foram separadas. Foi um juiz federal da Califórnia quem ordenou que elas fossem reunificadas em um prazo de 30 dias. Enquanto isso, as crianças ainda se apresentarão sozinhas perante tribunais de imigração.

É evidente, portanto, que ainda serão necessárias muito mais medidas e esforços por parte do governo dos EUA a fim de sanar as inúmeras consequências da política de tolerância zero.


* Suelyn Bidas é acadêmica do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e pesquisadora do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".

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