Artigo apresentado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais I, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon. As opiniões expressas no artigo não representam a visão da instituição, mas sim dos seus autores.
* Mariana M. L. Camargo
As mulheres, ao longo da história, sofrem
desde pequenas com os obstáculos vindos de uma opressão e submissão institucionalizados,
que colocam a mulher como inferior ao homem e com menos direitos que os mesmos,
simplesmente pelo fato de serem consideradas mulheres pela biologia. Elas encontram
- e continuam encontrando - apoio no chamado movimento feminista, que a longo
do tempo foi ganhando cada mais força e visibilidade. A historicidade desse
movimento se dá de acordo com suas (até então) três ondas, tendo como
antecedente principal a Revolução Francesa e Olympe de Gouges.
Em pontos distantes da história, as
mulheres tinham direitos de propriedade e participação na esfera pública, como
as mulheres espartanas, por exemplo. Elas chegavam a controlar as finanças
domésticas e a participar de reuniões públicas que estavam relacionadas a vida
política de Esparta (século IX a.C.), mesmo que socialmente sua função como
mulher fosse vista como dona de casa e educadora dos filhos que futuramente serviriam
o Estado. Porém, com o período Renascentista (de 1300 a 1600), os poucos direitos
que antes eram atribuídos as mulheres foram se tornando, progressivamente,
exclusividade masculina.
Com o estouro da Revolução Francesa em 1789,
as mulheres viram na transição de sistema (do monárquico para o republicano)
uma oportunidade de obter voz e direitos na esfera pública. Infelizmente, não
foi assim que a situação se procedeu. A Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, resultado da transição da revolução, não trouxe nenhum direito a
mulher, não a citando nem mesmo no título da Declaração. Foi nesse contexto que
Olympe de Gouges (1748 – 1793) ganhou espaço como ícone de protesto feminista,
já que se manifestou a favor dos direitos femininos e da isonomia entre homens
e mulheres. Em 1791, ela lançou seu livro “Declaração dos direitos da Mulher e
Cidadã”, visando não só o combate aos privilégios de classe e ao ordenamento
político vigente, mas também vendo como necessária a mudança na relação de
poder desigual no âmbito privado dos lares, onde a hierarquia entre os sexos
estava enraizada. Ela acabou sendo decapitada na Praça da Concórdia, em Paris,
no ano de 1893, por se manifestar contra o Estado, mesmo que o mesmo fosse uma
República.
Pensando no Brasil e a atuação das mulheres
na transição do regime monárquico para o republicano, em 1889, também houve
engajamento pensando que conseguiriam assegurar seus direitos, mas o resultado
obtido não foi diferente do da luta das mulheres na Revolução Francesa.
A primeira onda
Em relação a primeira onda do movimento
feminista, ela ocorreu em meados do século XIX, com a presença de duas
vertentes; a vertente das mulheres de classe média-alta, que buscava o direito
ao voto (pelo movimento do sufrágio feminino), a herança e a educação, e a
vertente das mulheres operárias, através da formação da União das Costureiras,
Chapeleiras e Classes Anexas, influenciadas pelos ideais marxistas, querendo a
valorização do trabalho e a diminuição da jornada de trabalho, idealizando uma
sociedade anarquista. Uma conquista dessa primeira onda foi o direito ao voto
feminino, primeiramente na Nova Zelândia, em 1893, seguida pela Finlândia, em
1906.
A segunda onda
Já a segunda onda do movimento feminista ocorreu
entre os anos de 1960 e 1980, no período de pós-guerra, junto com o estouro dos
movimentos sociais, como os direitos humanos e os relacionados ao meio
ambiente. Diferentemente da primeira onda, a segunda buscou focar no que era
específico da mulher, almejando o reconhecimento e a proteção do Estado no que
se referia as peculiaridades femininas.
Simone Bouvoir, com seu livro “O Segundo
sexo”, onde escreveu que “não se nasce mulher, torna-se”, contribuiu para a
discussão da ideia de gênero dentro da segunda onda, fazendo com que os
comportamentos vistos como típicos da mulher feminina (dona de casa, suave,
mãe, submissa) fossem contestados em nome da liberdade feminina de se viver da
maneira que bem entendesse, não seguindo um padrão imposto pela sociedade.
Betty Friendnan, por sua vez, ao escrever a
obra “A mística feminina”, em 1963, divulgou que as mulheres da época estavam em
situação depressiva, não só por conta do baby
boom do pós-guerra, mas também por conta dos direitos trabalhistas que as
mulheres estavam perdendo progressivamente mais uma vez, já que o crescimento
demográfico das populações demandava não só uma maior renda familiar (fazendo
com que os homens voltassem ao trabalho), mas também alguém da família em casa
para a criação e educação dos filhos, atrelando a esse papel, mais uma vez na
história, a mulher.
Essa onda também se caracterizou pelos
movimentos pró-aborto, pela busca por métodos contraceptivos (com a conquista
que permitia o uso da pílula anticoncepcional em alguns países), possibilidade
de divórcio e a discussão sobre a violência doméstica que, como já pontuado por
Olympe de Gouges na época da Revolução Francesa, deveria ser abordada em âmbito
público pois era no privado que o patriarcado era fortemente estabelecido.
No Brasil, a partir de 1985, como resposta
aos movimentos da segunda onda que falavam sobre a violência contra a mulher,
foram criadas as Delegacias da Mulher, que tem sob sua responsabilidade os
crimes de violência sexual e de lesão corporal contra a mulher. Porém, os
feminicídios (homicídios cometidos contra mulheres) continuaram a ser apurados
em delegacias comuns.
A terceira onda
A terceira onda do movimento feminista é a
mais recente, a partir dos anos 90. Ela critica as duas ondas anteriores por
serem excludentes; caracterizadas pelas mulheres brancas, de elite,
heterossexuais e de países desenvolvidos.
O foco dos ideais dessa onda encontra-se na
diferença dentro da diferença, ou seja, o pluralismo feminino, que contém
diferentes culturas e etnias. Além disso, busca fugir da ideologia de que as
mulheres são frágeis, colocando principalmente as mulheres negras como um
símbolo de resiliência e força ao longo da história, já que sempre foram
escravas e empregadas, não podendo se “dar ao luxo” da fragilidade, como as
mulheres brancas de classe média alta da primeira e segunda onda.
Há também a crítica ao culto a beleza pelas
mulheres ocidentais, que criticam o uso da burca em países orientais, como se
as mulheres dessa região fossem presas ao uso do véu, mas elas mesmas encontram-se
presas a padrões de moda e beleza impostas pelos países ocidentais.
O surgimento da slutwalk
e sua internacionalização
Com a influência de todas as abordagens
trazidas pelas ondas do movimento feminista ao longo da história, mas
principalmente com as ideias da segunda onda, referentes as peculiaridades do
corpo feminino e a violência e opressão em âmbito privado, em abril de 2011, no
Canadá, aconteceu um movimento marcante na história da luta do movimento
feminista, a Slutwalk, ou Marcha das
Vadias em português.
Esse movimento foi uma resposta a um
comentário de um policial que, ao falar sobre a segurança e prevenção ao crime,
afirmou “as mulheres deveriam evitar se vestir como vadias, para não serem
vítimas de ataque”, como se a culpa pela agressão a mulher (seja verbal ou
física) fosse culpa da própria vítima, intitulada “vadia” por usar roupas
consideradas provocativas, como saias curtas, salto alto, batom e roupas
transparentes, demonstrando o pensamento machista de que as mulheres não podem
nem mesmo ter a liberdade de escolha sobre os itens que vestem/usam, já que
podem ser culpadas por uma possível violência causada contra elas mesmas.
Tendo como lema a frase “Se ser livre é ser
vadia, então somos todas vadias”, a marcha chama atenção para a luta contra o
fim da violência de gênero e da culpabilização da vítima, além da busca pelo
fim da opressão, visando alcançar a liberdade feminina em âmbito privado,
mostrando que todas as mulheres têm tanta liberdade quanto os homens. Nas
marchas, reafirma-se que o termo “vadia” virou sinônimo da mulher que luta e
não se cala diante da violência.
A marcha, a partir de então, foi ganhando
cada vez mais força entre o movimento feminista, resultando na
internacionalização da Slutwalk. Após
a primeira marcha no Canadá, o movimento aconteceu nos Estados Unidos, na
Argentina, na Holanda e em grande parte das capitais brasileiras. Pesquisas e
divulgações de números relacionados a violência contra a mulher também ganharam
força nos países e na sociedade internacional.
Estatísticas
Tendo como base as estatísticas levantadas em
2016 e 2017 pela Kering Foundation a
nível internacional, e pelo Datafolha a nível de Brasil, em 2016, sabemos que:
- A cada dois segundos, uma garota menor de 18 anos é
forçada a se casar;
- 15 Milhões de adolescentes de 15 a 19 anos já sofreram
abuso sexual;
- 1 em cada 4 garotas nos Estados Unidos sofrem abuso sexual
antes de completarem 16 anos;
- 1 em cada 4 adolescentes do Reino Unido sofrem violência
física pelos seus próprios namorados;
- 2,2 Milhões de brasileiras já foram beijadas ou agarradas
sem consentimento;
- 1 em cada 4 adolescentes francesas são vítimas de assédio
pela internet;
- 31,5% das mulheres e garotas italianas são vítimas de
violência física ou sexual;
- 43% das mulheres europeias já sofreram de assédio moral ou
violência física pelos seus parceiros;
- 200 Milhões de garotas e mulheres já foram obrigadas a
passar por mutilação genital;
- 43% das agressões em mulheres brasileiras ocorreram dentro
das casas das vítimas.
O Dia Internacional da Mulher
Por fim, é válido comentar sobre o chamado
Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março. Celebrado desde o início
do século XX, o marco inicial do Dia Internacional da Mulher foi a greve feita
por mulheres russas que reivindicavam contra a fome e a 1ª Guerra Mundial (1914
– 1918), sendo uma greve considerada também como ponta pé da Revolução Russa
(1917). Depois disso, as mulheres operárias nos Estados Unidos e em alguns
países da Europa começaram uma campanha dentro do movimento socialista para
reivindicar seus direitos trabalhistas, já que as mesmas se encontravam em condições
piores que os homens.
A oficialização da data pela Organização
das Nações Unidas (ONU) se deu apenas em 1975, ano que a ONU intitulou de “Ano
internacional da Mulher” para lembrar suas conquistas políticas e sociais. Como
pontuou Eva Blay, fundadora do Centro de Estudos de Gênero e dos Direitos da
Mulher da Universidade de São Paulo: “Esse dia tem uma importância histórica
porque levantou um problema que não foi resolvido até hoje. A desigualdade de
gênero permanece até hoje. As condições de trabalho ainda são piores para as
mulheres”. Porém, cabe a nós pensar, grande parte dos homens que parabenizam,
homenageiam e dão flores as mulheres no dia 8 de março, são os mesmos que, no resto
do ano, contribuem para as estatísticas citadas acima.
As lutas do movimento feminista ainda têm
muito chão pela frente, cabendo a nós, mulheres, termos o conhecimento desse
movimento que foi e ainda é responsável pela conquista de muitos direitos femininos,
pela luta pelo fim do patriarcado, e pela busca da tão almejada igualdade de
gênero.
Referências bibliográficas
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REVISTA GLAMOUR, “Violência
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POLITIZE, “A
conquista do direito ao voto feminino”. Disponível em < http://www.politize.com.br/conquista-do-direito-ao-voto-feminino/ >. Acesso em 9 de
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BBC BRASIL, “A origem
operária do 8 de Março, o Dia Internacional da Mulher”. Disponível em
< https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43324887 >. Acesso em 9 de
junho de 2018.
* Mariana M. L. Camargo é estudante do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
* Mariana M. L. Camargo é estudante do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.
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