quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Opinião: Nacionalista e Neoliberal - O Discurso do Estado da União de Trump


O "Discurso do Estado da União" de Donald J. Trump, proferido ontem, dia 30 de janeiro, fala mais sobre o Governo estadunidense que sobre seu Presidente, e deixa tudo muito claro: trata-se de uma plataforma política pautada num misto de políticas nacionalistas e neoliberais.

Por Gustavo Glodes Blum *

Nos últimos dias, alguns círculos denunciavam a falta de relevância de ouvir o Discurso do Estado da União de Donald J. Trump, proferido ontem (30) em uma reunião conjunta do Congresso estadunidense. Segundo essa linha de pensamento, não é necessário ouvir um presidente que tanto fala no Twitter aquilo que bem pensa num discurso que, nas últimas décadas, tem servido aos Chefes de Estado dos EUA para "falarem à nação". Através de seus tuítes, Trump já indicaria tudo o que pensa, sendo desnecessário "saber o quê o Presidente pensa" sobre seu país, sua situação doméstica e mundial, e suas propostas de ação.

O Disrcuso do Estado da União

Ainda assim, o discurso de ontem foi um momento muito importante para tentar dar sentido a essa que tem sido uma das mais polêmicas da história dos EUA. Isso em razão daquilo que o Discurso do Estado da União representa para o país: iniciado pelo governo de George Washington, primeiro presidente estadunidense, foi feito de forma escrita entre 1801 e 1913. Naquele ano, Woodrow Wilson (um ilustre conhecido da área das Relações Internacionais) iniciou a tradição de ler pessoalmente o discurso, numa prática que têm continuado desde então.

O Discurso, porém, é muito mais que apenas uma tradição. O pronunciamento do presidente estadunidense junto ao Congresso, reunindo a Câmara dos Deputados e  o Senado daquele país, tem dois principais objetivos. Ao mesmo tempo em que mira no público, que atualmente assiste não apenas pela TV, mas também pela internet ao redor do mundo, foca na reunião destes dois relevantíssimos órgãos de funcionamento do governo norteamericano. 




Enquanto busca apresentar a sua versão a respeito de fatos que ocorreram durante o período anterior, o Chefe de Estado tenta convencer a população e o Congresso de sua visão a respeito do país e do mundo. Assim, busca construir uma lógica que justifique as propostas que quer colocar em jogo e que pretende fazer valer no período legislativo que se inicia. Embora possa ser observado o avanço de "ordens executivas", emitidas diretamente pelo Poder Executivo em uma situação similar àquela das Medidas Provisórias Brasileiras, o Presidente dos Estados Unidos ainda depende fortemente do Congresso para poder emitir legislação que coloque em funcionamento suas propostas governamentais.

Assim, o Estado da União representa não apenas um discurso oficial do Presidente, mas a apresentação, de certa forma, daquilo que virá num futuro próximo, e um anúncio das batalhas legislativas que se colocam na esfera política dos Estados Unidos da América para o ano.

Nenhuma novidade no front, mas fazendo toda a diferença

O discurso do Estado da União de Donald J. Trump não apresentou, realmente, nenhuma diferença com relação às já conhecidas opiniões do "líder do mundo livre" que atualmente senta na cadeira principal do Salão Oval. Ainda assim, o discurso fez toda a diferença com relação àquilo com que estamos nos acostumando a observar na política americana.

No último ano, fomos literalmente bombardeados com polêmica após polêmica do governo de Donald Trump - que só não são superados pelas polêmicas de sua contraparte tupiniquim, Michel Miguel Temer. Semana após semana, a "presidência mais longa da história dos Estados Unidos", como definiu o comediante/apresentador/comentador político Stephen Colbert, tem se envolvido nos mais diversos escândalos de várias naturezas.

Ainda assim, me parece que ainda que não seja uma estratégia consistente por parte da Casa Branca, este tipo de atitude política continua sendo interessante para diversos setores da política americana. Assim como no "capitalismo de desastre" do governo de George W. Bush (descrito por Naomi Klein em seu "A doutrina do choque"), o "governo da polêmica" de Donald Trump serve muito bem a uma parte muito relevante do Partido Republicano estadunidense. 

Enquanto todas as atenções se voltam aos tuítes de Trump ou suas declarações que mobilizam toda a mídia internacional, os Republicanos - que controlam atualmente a Câmara dos Deputados, o Senado e a Suprema Corte americana - virtualmente governam os Estados Unidos de maneira unilateral. Apenas recentemente os Democratas, partido opositor, conseguiram algum tipo de vantagem política, ao bloquear o acesso a recursos do governo federal, suspendendo seu funcionamento. Porém, essa vitória ainda parece pequena diante de um ano de "tratoragem" de legislação anti-Obama, liderada pelo Presidente da Câmara, Paul Ryan.


Essa é a grande diferença do discurso de ontem. Ao invés de declarações esparsas e lutas virtuais com dissidentes, o discurso de ontem se apresentou enquanto uma plataforma de governo consistente. Enquanto em alguns aspectos (como na Política Externa) repetiu-se o que já se sabia, outras questões apresentadas por Trump indicam a forma como seu governo encarará, propositiva ou executivamente, questões relevantes como a economia, a política, a questão da imigração e a área policial-militar do seu país.

Nacionalista e neoliberal: Trump adepto da Reagonomics?

O discurso de ontem foi um típico showdown republicano, no qual o Presidente, enquanto legítimo representante de seu partido, apresentou um tom altamente nacionalista e neoliberal. 

Embora apenas ao fim do discurso tenha sido possível os gritos típicos dos apoiadores de Trump ("USA! USA!", vindos sobretudo de seus filhos, nas galerias do Salão), o discurso como um todo adotou um tom nacionalista muito representativo. Este discurso, inclusive, se pautou em alguns "direitos de resposta" que o Presidente considerou que tinha em relação a questões polêmicas relevantes na vida política americana dos últimos anos.

Estas respostas envolveram, por exemplo, um ataque direto ao jogador de futebol americano Colin Kaepernick. Ainda no início do discurso, após citar as inúmeras tragédias naturais ou humanas do último ano nos EUA (envolvendo furacões e tiroteios em massa), Trump afirmou que "americanos de verdade", que ele pretende representar, "levantam-se orgulhosos para ouvir seu hino nacional". 

Ele busca, assim, atacar diretamente Kaepernick, que a partir de 2016 começou a utilizar o momento do hino nacional para um protesto silencioso contra a desigualdade racial do país. É sintomático, também, que o único negro convidado para o discurso do Presidente enquanto representante da comunidade para o discurso seja um empregado de uma família branca, num dos vários jogos simbólicos durante o discurso.

Esses jogos foram, de certa forma, uma tentativa de demonstração de força de Trump com relação à oposição Democrata no Senado e na Câmara. Ao adotar esse discurso nacionalista, e aliando ele a um discurso muito próximo daquele do Partido Republicano, Trump busca capitalizar tanto no momento do discurso como no futuro. Ele poderá, por exemplo, acusar a falta de apoio simbólico dos Democratas ao não se levantarem em aplauso quando ditava algumas questões relevantes para o governo. Ao mesmo tempo, ao aliar a ideia de nacionalismo com a adoção de uma política mais dura com relação ao crime, às drogas e à imigração, Trump também poderá indicar que os Democratas "não são americanos verdadeiros", "traidores da pátria", como já tem acusado a mídia americana.

Tratou-se, também, de um discurso altamente alinhado com alguns pressupostos conservadores da direita americana, ainda que Democrata. Ao lembrar que o lema dos EUA era "Em Deus acreditamos" ("In God we trust"), indicou o seu alinhamento a setores religiosos muito fortalecidos nos últimos anos de crise econômica no país. 

Ao apontar que o aspecto relevante dos EUA é a Cristandade (tanto ao indicar que essa crença é mais relevante que aquela no governo, ou ao apresentar um desertor nortecoreano que "após conhecer cristãos resolveu que queria ser realmente livre"), assim como ao relembrar seu reconhecimento de Jerusalém como capital do Estado de Israel, pressão sobretudo de setores evangélicos norteamericanos, Trump indicou que a relação entre cristandade e nacionalidade dos EUA é uma condição importante para considerar-se um "verdadeiro americano". Ataca assim, então, comunidades imigrantes não-cristãs (sobretudo muçulmanas), ao mesmo tempo em que protegeu a "liberdade religiosa" no sentido da permissão às organizações religiosas de agirem como acharem melhor, e não da aceitação de diversas religiões no mesmo espaço público.

Por outro lado, é visível a forma como o Trump se aproxima cada vez mais de uma "linha dura" do Partido Republicano, caracterizada sobretudo por sua visão neoliberal do mundo. Assim, o atual presidente lembra algumas das ações de dois presidentes republicanos recentes, Ronald Reagan e George W. Bush, que aplicaram em várias situações ações de exceção ou processos de desregulamentação do mercado "pela segurança do povo americano".

Trump indicou, por exemplo, que "num país em que cada pessoa é um trabalhador", a educação deveria ser direcionada á formação profissional, técnica, e as reformas estruturais (como aquelas da prisão e da imigração) devem ter como foco criar "pessoas que aproveitem as oportunidades" e "demonstrem bom caráter", estando "qualificadas" para estarem nos EUA (no caso dos imigrantes) ou serem "reintroduzidas na sociedade" (como no caso dos detentos).

Numa nova "Guerra às Drogas", declarada dessa vez contra os chamados "opióides" - substâncias que agem no sistema nervoso das pessoas e que agem de maneira parecida ao ópio, como relaxantes musculares e ansiolíticos. Essa guerra, porém, ligou também ao "sistema imigratório quebrado" e que "tem várias lacunas jurídicas" e permite "a entrada de gangues e traficantes" por meio das fronteiras. Trump conseguiu, assim, demonstrar sua visão sobre a imigração: é visível que o Presidente - e seu governo - enxergam na imigração a fonte da criminalidade em "comunidades vulneráveis" de imigrantes. Trouxe, inclusive, pais que perderam suas filhas para gangues formadas por imigrantes - para justificar, também o seu famoso muro que diz que construirá na fronteira com o México.

Instrumentalização do governo para alcance de objetivos: Política Externa e as instituições americanas

Também foi relevante a apresentação de alguns aspectos da Política Externa de Donald Trump em sua presidência. Assim como em outros aspectos, não houve muita novidade, embora a colocação dessas questões em conjunto tenha conseguido dar uma ideia de "plataforma" às suas práticas internacionais. Além de garantir que não fechará a base naval de Guantánamo em Cuba, usada para a detenção extrajudicial de "terroristas", Trump anunciou que a caça a terroristas se organizará também contra regimes que apoiam o terrorismo, listando os já listados "inimigos da liberdade" segundo sucessivos governos americanos: Irã, Cuba, Venezuela e a Coreia do Norte.

Porém, talvez um dos aspectos "novos", por assim se dizer, do discurso de Trump foi o seu pedido ao Congresso que reveja os programas do governo americano de ajuda internacional. Segundo o presidente, esse tipo de ajuda "não pode ir para inimigos dos EUA", tendo que necessariamente "atender aos interesses americanas e ir apenas para os amigos da América". 

Alinhando-se à já citada "linha dura" do Partido Republicano, provavelmente veremos, no futuro próximo, outras ações como aquelas que já ocorreram. A retirada do país da Unesco e a pressão para que países se alinhem à política dos EUA na Organização das Nações Unidas (ONU) simplesmente pelo fato de que eles são os maiores financiadores da organização devem ser seguidas por outras ações da mesma natureza.

Essa instrumentalização, porém, parece não estar relacionada apenas com a política externa. Em um determinado momento, o presidente indicou que um de seus objetivos era "tomar conta do judiciário", também, indicando o maior número de Ministro da Suprema Corte e, mais estrategicamente, juízes de segunda instância ("circuit judges") alinhados com as propostas do governo Republicano. Instrumentalizar, portanto, todo o governo, montando um plano de "governo de longo prazo".

E é a consolidação política, judiciária e econômica desse governo de longo prazo que podemos esperar das próximas ações do governo Trump, instrumental em incluir essa lógica dentro do governo estadunidense e abrir as portas para um possível novo governo republicano com Trump ou, possivelmente, Pence à frente nas eleições de 2020.

* Gustavo Glodes Blum é Professor de Geografia Política e Política Internacional Contemporânea do curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA, e líder do grupo de pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".
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quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Experiência Internacional: A aluna Maria Giulia Gaede Senesi relata sua experiência em programa de formação da ONU


A aluna Maria Giulia Gaede Senesi participou do programa de Formação Complementar na Missão Permanente do Brasil junto à Organização das Nações Unidas e Outros Organismos Internacionais em Genebra (Delbrasgen) no período de 18 de abril a 14 de julho de 2017. 

Confira mais detalhes sobre a experiência em sua entrevista para o Blog Internacionalize-se. 




Blog Internacionalize-se: Conte-nos um pouco mais a respeito da Delegação Permanente do Brasil para as Nações Unidas em Genebra (DELBRASGEN).

Maria Giulia: Delegação Permanente do Brasil para as Nações Unidas em Genebra é composta por vários diplomatas, conselheiros, ministros, oficiais de chancelaria, contratados locais e dois embaixadores que atuam em temas cruciais da conjuntura internacional. A rotina de trabalho é cheia, já que durante todo o ano, diversos eventos sobre variados temas que competem à missão ocorrem em Genebra e o impacto e decisões concernentes a esses eventos  devem ser reportadas para o Brasil, bem como todo o processo de preparação anterior necessário para que as tomadas de decisões estejam em consonância com o interesse nacional. Toda a equipe então, tem um caráter dinâmico, de boa estruturação de  suas funções e de verdadeira sinergia com a equipe que atua em Brasília sobre os temas correlatos.

Blog Internacionalize-se: Como foi participar das atividades da DELBRASGEN? Em que tipo de atividades você se engajou em seu período junto à Delegação? 
 
Maria Giulia: A minha participação no programa de formação complementar foi uma experiência incrível e extremamente marcante positivamente nos aspectos profissionais e pessoais. Poder ter acesso e livre entrada a diversas agências da ONU, conviver com a atuação dessas na prática e cotidianamente, conhecer novas áreas de atuação, me integrar do funcionamento de tomadas de decisão em negociações,  conhecer profundamente a atuação  do Brasil em um posto multilateral, dentre tantas outras atividades e conhecimentos depreendidos, foi algo verdadeiramente fantástico. As nossas atuações variavam de acordo com a agenda do momento, que por vezes exigia atividades nos próprios organismos internacionais, e por outras, atividades de preparação e pesquisa dentro da missão.  De modo mais específico, algumas dessas  atividades eram: auxílio à delegação brasileira lotada na DELBRASGEN em suas atividades internas e junto aos organismos internacionais ali sediados;Apoio à delegação brasileira em reuniões de interesse da missão; Pesquisa aplicada e acompanhamento de temas de interesse da DELBRASGEN; Preparação de material de apoio para reuniões internas com delegados brasileiros ou convidados, de outras delegações, organismos internacionais ou organizações não-governamentais;Manejo de documentação e operação de bases de dados de instrumentos internacionais relacionados aos temas afetos à DELBRASGEN,auxílio em relatórios oficiais, entre outras.
  

Blog Internacionalize-se: Quais foram os principais temas abordados durante a sua estadia?
 
Maria Giulia: Os principais temas abordados foram diplomacia pública, direito internacional, direitos humanos, assuntos humanitários,temas sociais como saúde  e trabalho, meio ambiente, desenvolvimento sustentável, e  paz e segurança internacional com enfoque no desarmamento.


Blog Internacionalize-se: Quais foram as Instituições Internacionais do Sistema ONU com as quais você teve contato?
 

Maria Giulia: Além da própria sede da ONU, chamada de “Palais des Nations” que abrigava uma série de eventos de grande porte e impacto, como a Assembleia Mundial de Saúde, Conselho de Direitos Humanos, Conferência Internacional do Trabalho e Conferências do Desarmamento,  tive contato com outras instituições como a  OIT (Organização Internacional do Trabalho), OMS (Organização Mundial da Saúde), UNAIDS, (programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids), UNODA (Escritório das Nações Unidas para Assuntos de Desarmament), a OIM (Organização Internacional para as Migrações), OMM (Organizaçāo Metereológica Mundial), ECOSOC (Conselho Econômico e Social)  e UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento).

 
Blog Internacionalize-se: Como você percebe essas atividades? Como percebe a representatividade da DELBRASGEN?

Maria Giulia: As atividades de todas as áreas de atuação da missāo sāo de altíssimo valor para o Brasil. Por serem realizadas em âmbito multilateral, assuntos de importante impacto global são discutidos, analisados e negociados e que tem impacto em todos os cidadãos brasileiros. Desse modo, um posto multilateral exerce importância de destaque e responsabilidade dentro do Itamaraty. Tive a oportunidade de ver a diplomacia atuante do Brasil, que atua em várias frentes da conjuntura global, com uma delegação muito bem estruturada, diligente e preocupada em como o Brasil pode impactar o Sistema Internacional e como negociar para que o Sistema melhor favoreça os seus cidadãos. 



Blog Internacionalize-se: Durante sua estadia, quais foram os conhecimentos de Relações Internacionais que mais pode aplicar? Como lhe auxiliaram a desempenhar suas atividades?
 

Maria Giulia:A grade curricular de Relações Internacionais como um todo, possui uma interconexão com o mundo e capacita seus estudantes a ver além de acontecimentos e temas de interesse global. Como os temas que trabalhei na DELBRASGEN foram variados, diversos conhecimentos práticos foram utilizados. Poderia listar aqui o Direito Internacional, Teoria das RI, Política Internacional e outros.Entretanto, de modo geral, acredito que as análises críticas de forma ponderada e multicultural  e as institucionais e históricas que adquirimos durante o curso foram de grande valia, tanto para tarefas mais simples como preparação de materiais internos, quanto para análise e relatos de negociação de eventos importantes que o Brasil havia participado.Colaborando então, para a compreensão da complexidade dos temas abordados dentro de um cenário multilateral, e facilitando na execução de tarefas, bem como na assimilação de todos os conteúdos vistos.


Blog Internacionalize-se: O que acha da formação em Relações Internacionais para esse tipo de atividade?

Maria Giulia: Acredito que a formação em Relações Internacionais está extremamente atrelada tanto a atividade diplomática, quanto com a atuação em Organizações Internacionais, que foram as duas das atividades que mais tive contato durante o Programa. A grade ampla do curso, permite que o internacionalista desenvolva capacidades analíticas e críticas extremamente importantes, principalmente quando se trata de posicionar e entender  o Brasil no cenário internacional. Desse modo, acredito o profissional formado nesse curso estará altamente apto a compreender a missão e objetivos que norteiam uma Organização Internacional, seja lá qual seja sua área específica de atuação, ou então representar diplomaticamente um país e negociar importantes temas com outras nações. Na minha avaliação, esse profissional tem toda a  base para ser alguém que busca o entendimento mútuo entre partes de um cenário plural, enxergando todas as suas complexidades e cria pontes, mesmo em assuntos ou temas que parecem inconciliáveis.


 
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quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Opinião: Por que as pessoas estão protestando no Irã?


Por que as pessoas estão protestando no Irã?

Por Andrew Traumann*



Manifestantes da Diáspora Iraniana protestam contra o regime em Londres. Observe a utilização de bandeiras do Antigo Regime, que se tornou símbolo dos oposicionistas.




Nos últimos dias de 2017, o mundo foi pego de surpresa por uma onda de manifestações políticas no Irã. Imediatamente, o presidente norte-americano Donald Trump demonstrou seu apoio ás manifestações e afirmou que “o grande povo iraniano se levantou e está faminto por comida e liberdade”. Curiosa declaração de respeito para alguém que sequer permite a entrada de iranianos em seu país e que há poucos meses chamou o Irã de “uma nação de terroristas”. A embaixadora norte-americana na ONU Nikki Haley propôs uma reunião de emergência para discutir como a ONU poderia apoiar os manifestantes.

Mas afinal, quem são esses manifestantes, quais os interesses envolvidos neste jogo e o que originou a maior onda de protestos no país desde 2009?

As razões primárias dos protestos se originaram em Mashhad (segunda maior cidade iraniana) e depois se espalharam para Teerã e outras grandes cidades são econômicas: o acordo intitulado P5+1 de 2015 (que envolveu os 5 países membros do Conselho de Segurança, mais a Alemanha), propunha que as sanções contra o Irã, que já duram quase 40 anos, seriam suspensas em troca de um drástico recuo no programa nuclear do país. Criou-se então uma enorme expectativa entre a população de que, com o fim do embargo o Irã finalmente sairia do sufoco econômico, receberia maciços investimentos estrangeiros, empregos seriam gerados e que sua qualidade de vida daria um salto qualitativo. Não foi o que aconteceu. 

Na verdade, quase três anos depois, muitas das sanções seguem em vigor. Pra piorar, o presidente Donald Trump logo no início de seu mandato, aprovou dois novos pacotes de sanções e, em outubro não certificou o Acordo, empurrando, sem consultar os demais países signatários, a decisão final sobre a sobrevivência do mesmo para o Congresso Norte-Americano. Assim, o  povo iraniano se sente duplamente enganado: pelo seu governo que prometeu que o Acordo valia a pena e pelo P5+1 que,em sua visão,não tem honrado o mesmo. A iniciativa privada local não se sente encorajada a investir em projetos de longo prazo num país marcado por sanções econômicas.    Segundo dados oficiais, o desemprego no país é de cerca de treze por cento, mas há analistas que afirmam que esse índice na verdade pode ser bem maior.

Claro que nem todos os problemas do país tem origem nas sanções.  O Irã é um país com sérios problemas estruturais que se arrastaram por todo o século XX e que ainda não foram solucionados a contento. Burocracia excessiva, corrupção, dependência do petróleo, altos impostos, aumentos nos preços dos alimentos e até do combustível. No mês passado quando foi votado o orçamento do país, o presidente reeleito Hassan Rohani justificou o aumento do preço da gasolina com a necessidade da manutenção de instituições religiosas pelo Estado. Essa declaração foi um dos estopins da revolta, especialmente no clima de frustração de expectativas que vive o país.   Há também uma enorme dependência dos investimentos da Guarda Revolucionária, instituição criada em 1979 para proteger o Irã de um golpe que reconduzisse o Xá Reza Pahlevi ao poder,que teve uma atuação fundamental na Guerra Irã-Iraque e que hoje representa uma elite não apenas militar,mas principalmente econômica do país,responsáveis pela maior parte dos investimentos,com um fortíssimo lobby no Parlamento e respondendo somente ao Líder Supremo, o Aiatolá Ali Khamenei.


Porém, o que começou como um protesto pela alta dos preços de produtos básicos passou a ser instrumentalizado tanto pela oposição interna ao regime (entre eles muitos saudosos do regime monárquico) quanto por elementos externos. Assim, as manifestações legítimas do povo iraniano têm sido sequestradas por grupos políticos com agendas próprias. Vários opositores do regime no exterior têm usado as redes sociais para estimular as manifestações e transformar um protesto pontual (como os ocorridos em 1999 e 2009) num questionamento do regime como um todo. Como sempre acontece quando há protestos no Irã, analistas internacionais e a mídia, especialmente anglo-americana, prevê a implosão do regime, algo muito improvável,dado tanto ao substancial apoio que o regime possui entre o grosso da população (que também tem saído ás ruas), quanto pelo controle total que o governo possui  dos meios de comunicação,da economia e das Forças Armadas,amplamente fiéis  ao regime.

 Após as malfadadas invasões de Iraque e Líbia devemos ficar sempre muito atentos a quais são os interesses ocultos por detrás de cada discurso em nome da “democracia, liberdade e direitos humanos”. 

*Andrew Traumann é Professor de História das Relações Internacionais no UNICURITIBA.
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