Por que as pessoas estão protestando no Irã?
Por Andrew Traumann*
Manifestantes da Diáspora Iraniana protestam contra o regime em Londres. Observe a utilização de bandeiras do Antigo Regime, que se tornou símbolo dos oposicionistas.
Nos últimos dias de 2017, o mundo foi pego de surpresa por
uma onda de manifestações políticas no Irã. Imediatamente, o presidente
norte-americano Donald Trump demonstrou seu apoio ás manifestações e afirmou
que “o grande povo iraniano se levantou e está faminto por comida e liberdade”.
Curiosa declaração de respeito para alguém que sequer permite a entrada de
iranianos em seu país e que há poucos meses chamou o Irã de “uma nação de
terroristas”. A embaixadora norte-americana na ONU Nikki Haley propôs uma reunião
de emergência para discutir como a ONU poderia apoiar os manifestantes.
Mas afinal, quem são esses manifestantes, quais os
interesses envolvidos neste jogo e o que originou a maior onda de protestos no
país desde 2009?
As razões primárias dos protestos se originaram em Mashhad
(segunda maior cidade iraniana) e depois se espalharam para Teerã e outras
grandes cidades são econômicas: o acordo intitulado P5+1 de 2015 (que envolveu
os 5 países membros do Conselho de Segurança, mais a Alemanha), propunha que as
sanções contra o Irã, que já duram quase 40 anos, seriam suspensas em troca de
um drástico recuo no programa nuclear do país. Criou-se então uma enorme
expectativa entre a população de que, com o fim do embargo o Irã finalmente
sairia do sufoco econômico, receberia maciços investimentos estrangeiros, empregos
seriam gerados e que sua qualidade de vida daria um salto qualitativo. Não foi
o que aconteceu.
Na verdade, quase três anos depois, muitas das sanções seguem
em vigor. Pra piorar, o presidente Donald Trump logo no início de seu mandato, aprovou
dois novos pacotes de sanções e, em outubro não certificou o Acordo, empurrando,
sem consultar os demais países signatários, a decisão final sobre a
sobrevivência do mesmo para o Congresso Norte-Americano. Assim, o povo iraniano se sente duplamente enganado:
pelo seu governo que prometeu que o Acordo valia a pena e pelo P5+1 que,em sua
visão,não tem honrado o mesmo. A iniciativa privada local não se sente
encorajada a investir em projetos de longo prazo num país marcado por sanções
econômicas. Segundo
dados oficiais, o desemprego no país é de cerca de treze por cento, mas há
analistas que afirmam que esse índice na verdade pode ser bem maior.
Claro que nem todos os problemas do país tem origem nas sanções.
O Irã é um país com sérios problemas
estruturais que se arrastaram por todo o século XX e que ainda não foram
solucionados a contento. Burocracia excessiva, corrupção, dependência do petróleo,
altos impostos, aumentos nos preços dos alimentos e até do combustível. No mês
passado quando foi votado o orçamento do país, o presidente reeleito Hassan
Rohani justificou o aumento do preço da gasolina com a necessidade da
manutenção de instituições religiosas pelo Estado. Essa declaração foi um dos
estopins da revolta, especialmente no clima de frustração de expectativas que
vive o país. Há também uma enorme dependência dos
investimentos da Guarda Revolucionária, instituição criada em 1979 para
proteger o Irã de um golpe que reconduzisse o Xá Reza Pahlevi ao poder,que teve
uma atuação fundamental na Guerra Irã-Iraque e que hoje representa uma elite
não apenas militar,mas principalmente econômica do país,responsáveis pela maior
parte dos investimentos,com um fortíssimo lobby
no Parlamento e respondendo somente ao Líder Supremo, o Aiatolá Ali
Khamenei.
Porém, o que começou como um protesto pela alta dos preços
de produtos básicos passou a ser instrumentalizado tanto pela oposição interna
ao regime (entre eles muitos saudosos do regime monárquico) quanto por elementos
externos. Assim, as manifestações legítimas do povo iraniano têm sido
sequestradas por grupos políticos com agendas próprias. Vários opositores do
regime no exterior têm usado as redes sociais para estimular as manifestações e
transformar um protesto pontual (como os ocorridos em 1999 e 2009) num
questionamento do regime como um todo. Como sempre acontece quando há protestos
no Irã, analistas internacionais e a mídia, especialmente anglo-americana,
prevê a implosão do regime, algo muito improvável,dado tanto ao substancial
apoio que o regime possui entre o grosso da população (que também tem saído ás
ruas), quanto pelo controle total que o governo possui dos meios de comunicação,da economia e das
Forças Armadas,amplamente fiéis ao
regime.
Após as malfadadas invasões de Iraque e Líbia devemos ficar sempre
muito atentos a quais são os interesses ocultos por detrás de cada discurso em
nome da “democracia, liberdade e direitos humanos”.
*Andrew Traumann é Professor de História das Relações Internacionais no UNICURITIBA.
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