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quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

O início do governo Joe Biden e seu impacto no Brasil


Por Leonardo Guebert*

    Uma das principais políticas que marcou as relações internacionais do governo Bolsonaro foi o que muitos analistas entendem como um alinhamento automático ao governo de Donald Trump, isto é, uma forte aproximação entre ambos os executivos dos Estados no âmbito internacional. Bolsonaro buscava o apoio norte-americano para facilitar a entrada do país na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), conhecido como o “clube dos países ricos”. 

    Dessa forma, o governo brasileiro realizou algumas medidas pró-estadunidenses não somente na esfera doméstica, como a decisão da eliminação de vistos para visitantes norte-americanos, rompendo com uma tradição de reciprocidade do Itamaraty; mas também no campo externo, com a renúncia ao tratamento diferenciado na OMC como país em desenvolvimento, impactando diretamente na relação do país com o Brics e outros Estados emergentes, além de ter aumentado a importação de trigo e etanol norte-americanos. 

    Não obstante, essas decisões não receberam resposta à altura por parte do governo trumpista, revelando uma amizade assimétrica que não gerou grandes frutos para o Estado brasileiro. Inclusive, Trump foi o primeiro presidente norte-americano desde Jimmy Carter, no final da década de 70, que não visitou o Brasil durante seu mandato. Agora, o governo Bolsonaro presenciará um adiamento indesejado na entrada do país na OCDE com a perda do que considerava ser seu principal aliado internacional devido à eleição de Joe Biden. 

    O governo democrata, em um primeiro momento, enfrentará um contexto doméstico muito conturbado, um país fragmentado graças a um “resiliente nacionalismo religioso” deixado por Trump, como aponta o cientista político e professor Guilherme Casarões. Sendo assim, as pautas do democrata provavelmente encontrarão muitas resistências dentro da sociedade norte-americana, que agora conta com um grupo religioso cristão organizado empoderado pelo ex-presidente. Além disso, o país passa por uma crise sanitária avassaladora que o coloca como um dos Estados com mais óbitos por coronavírus no mundo, ultrapassando a marca de 400 mil mortes e trazendo dados alarmantes como no condado de Los Angeles, onde a doença faz uma vítima a cada seis minutos. 

    Na esfera comercial, o democrata Joe Biden, assim como seu antecessor, de maneira igualmente nacionalista, porém menos populista, continuará adotando medidas econômicas protecionistas agora com o nome de “Buy American”, substituindo o “America First” intitulado pelo ex-presidente republicano, porém com a mesma estratégia de valorização da indústria nacional, injetando dinheiro público na economia e aumentando investimentos em tecnologia. 

    Em termos de política externa, Joe Biden, nos seus discursos na época das eleições, manifestou seu interesse no resgate dos EUA às instituições internacionais, adotando políticas voltadas para o multilateralismo, com o objetivo de retornar o protagonismo ocidental norte-americano no sistema internacional em esferas como meio ambiente, mudanças climáticas, saúde e direitos humanos. O democrata buscará valorizar a OMC e a própria ONU além de recolocar os Estados Unidos na OMS e no Acordo de Paris, o qual foi abandonado pelo governo Trump, que justificava que o pacto prejudicava a economia do país. 

    Durante os debates presidenciais, Biden deixou clara sua crítica ao governo Bolsonaro em relação ao meio ambiente, prometendo a criação de um fundo global para a preservação da Amazônia, o que acabou provocando uma reação imediata do presidente brasileiro que sugeriu o uso da pólvora para resolver a questão. Apesar das críticas e ameaças de sanção e de barreiras comerciais ao Brasil, analistas acreditam que o democrata conduzirá os interesses nacionais norte-americanos de maneira pragmática em sua diplomacia, tanto no âmbito interno em sua articulação com o Senado quanto no campo internacional. 

    O governo brasileiro vai buscar se adequar à situação em que se colocou, também com uma política pragmática característica tanto brasileira quanto norte-americana. Bolsonaro chegou até a afirmar que Trump não era “a pessoa mais importante do mundo”, passando a adotar discurso mais moderado com a impossibilidade do retorno do republicano ao poder, já que Biden foi eleito o 46° presidente legítimo dos EUA. 

    Na carta enviada ao novo presidente norte-americano, congratulando o democrata por sua posse, apesar de ter considerado anteriormente a eleição de Biden como uma “ameaça à liberdade do Brasil”, Bolsonaro ressaltou o histórico de fraternidade entre os países. Ademais, classificou o “desenvolvimento sustentável e proteção do meio ambiente, em especial, da Amazônia", como áreas de interesse comum, além de ter reforçado o pedido de apoio para a entrada na OCDE. 

    É importante ressaltar que o Brasil não é prioridade para os assuntos externos dos EUA no momento (que tem a China como ator mais preponderante, por exemplo), porém é interessante lembrar que Joe Biden já visitou o país em três oportunidades durante sua carreira como vice-presidente de Barack Obama. É de se esperar então que o democrata realize mais alguma visita para assegurar uma boa relação de cooperação entre ambos os Estados, aproximando-se também da América Latina como um todo.

*Leonardo Guebert é acadêmico do 7º Período do curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.

Referências

DA REDAÇÃO. Trump ‘não é a pessoa mais importante do mundo’, diz Bolsonaro. VEJA, 2020. Disponivel em: <https://veja.abril.com.br/mundo/trump-nao-e-a-pessoa-mais-importante-do-mundo-diz-bolsonaro/>. Acesso em: 22 Janeiro 2021. 

LOZANO, A. V. 1 person dies every 6 minutes: How L.A. became the nation's largest coronavirus hot spot. NBC News, 2021. Disponivel em: <https://www.nbcnews.com/news/us-news/1-person-dies-every-6-minutes-how-l-became-nation-n1254003>. Acesso em: 22 Janeiro 2021. 

PASSARINHO, N. O que o Brasil perde e ganha se entrar na OCDE, o ‘clube dos países ricos’. BBC News Brasil, 2020. Disponivel em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51121488>. Acesso em: 22 Janeiro 2021. 

VENTURA, M. Carta de Bolsonaro a Biden é ‘bastante construtiva’, diz embaixador dos EUA. O Globo, 2021. Disponivel em: <https://oglobo.globo.com/mundo/carta-de-bolsonaro-biden-bastante-construtiva-diz-embaixador-dos-eua-1-24849107>. Acesso em: 22 Janeiro 2021. 

BBC NEWS BRASIL. Biden ou Trump? Como fica a relação com dos EUA com o Brasil.​ ​2020.​ ​Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=fkkbC651wvY

BBC NEWS BRASIL. O que pode mudar nos EUA com a eleição de Joe Biden. 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=dO1y-3OKxXM

EM DUPLA COM CONSULTA. EDCC Debate: Biden e o futuro dos Estados Unidos. 2020. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=12fqisJ6L7Y&t=1689s



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terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Global Swing States e o Brasil sob os holofotes da política externa americana – será?





O German Marshall Fund dos EUA e o CNAS, Center for a New American Security, publicaram em novembro de 2012 um relatório chamado “Global Swing States: Brazil, India, Indonesia and Turkey and the future of International Order”, escrito por Daniel M. Kliman e Richard Fontaine. O objetivo do relatório é oferecer uma análise de como os EUA podem desenvolver parcerias mais próximas desses países, oferecendo inclusive recomendações para ajustes na política externa no que lhes diz respeito, já que esses seriam Estados-chave na manutenção da ordem internacional.

O relatório deixa claro que não se trata de criar um G-4 ou qualquer outra denominação para um bloco de países, até porque esse países “raramente agem em conjunto” (p.6), mas diz respeito à sua posição estratégica no sistema internacional. Olhar para esses países sob um panorama comum serviria assim para orientar a política de Washington de forma estratégica, tornando-a o mais benéfica possível em lugar de focar apenas em acordos bilaterais.

Os principais componentes dessa estratégia são os seguintes:
1. Envolver-se em áreas em que esses países estão agindo e tomando responsabilidades;
2. Responder às demandas desses países por maior representação internacional;
3. Reforçar a sua capacidade de ação doméstica;
4. Aumentar os recursos e a atenção devidos a esses países, “correspondendo à sua importância estratégica” (p.6).

O termo “swing states”, emprestado das eleições americanas, é usado para se referir a estados que são definitivos na corrida presidencial e onde resultado final ainda é incerto, demandando, portanto, investimento. Aplicada em nível internacional, a chave é saber o quanto esses quatro Estados serão ou seriam capazes de defender a  atual ordem mundial, já que a sua orientação pode ser decisiva para a sustentação ou não da mesma.

Essa questão relativa à ordem mundial, aliás, dá um certo tom dramático ao relatório (particularmente no início): o sucesso dessa estratégia estaria ligado ao sucesso da manutenção da ordem internacional vigente, insinuando conseqüências desagradáveis caso essa ordem venha a cair (ecos do “Choque de Civilizações” de Huntington, talvez?).
Um dos autores, D.M. Kliman, fez questão de esclarecer em um seminário em Estocolmo, que não se trata de países que estejam oscilando entre a China e os EUA, mas sim oscilando entre um maior foco doméstico ou internacional em suas políticas. É inegável, ainda assim, que em vários momentos do relatório fique claro o desafio que a China representa, em determinadas áreas, para a ordem internacional que os EUA se propõem a defender. Ironicamente, os próprios EUA violam a tal ordem mundial em várias instâncias.


A “ordem mundial”

Antes de prosseguir, é importante esclarecer qual é o entendimento de “ordem mundial” apresentado no relatório. Essa ordem mundial seria basicamente a rede de instituições que sustenta o sistema internacional e garante sua segurança e prosperidade. É composta basicamente por cinco pilares:
1. Ordem comercial: reciprocidade e não-discriminação, ancorada na OMC;
2. Ordem financeira: focada na estabilidade monetária.  Ancorada no FMI e apoiada pelo Banco Mundial;
3. Ordem marítima: baseada na soberania territorial e liberdade de navegação. Compreensível, já que 80% do comércio mundial é feito por via marítima (Griffiths, H.; Jenks M.; Sipri, Policy Paper 32: Maritime Transport and Destabilizing Commodity Flows. Stockholm: January 2012, p.1). Deveria estar ancorada na UNCLOS, UN Convention on the Law of the Sea, mas vários países (incluindo os EUA) ainda não ratificaram a convenção;
4. Não-proliferação: ancorado no TNP, o Tratado de Não-Proliferação, e na AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica);
5. Direitos Humanos: o quinto pilar estaria ancorado no “respeito às liberdades fundamentais e ao processo democrático” (p.8), em valores disseminados através de documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e incluiria o novo e ainda polêmico conceito da “Responsabilidade de proteger”.

Dentre os desafios para a permanência desta “ordem mundial”, o relatório destaca alguns como: a ascensão econômica da China e a pressão que ela exerce à ordem comercial, as negociações infrutíferas da rodada de Doha devido a objeções por parte de vários países, os desafios da nova pirataria na África e as demandas marítimas da Rússia no Ártico, o desafio nuclear do Irã e da Coreia do Norte, a crise da dívida de diversos países, a redução do número de governos democráticos depois de anos de ascensão, entre outros. A escolha, ou antes a identificação, dos “Swing States” está relacionada assim com critérios como tamanho, importância econômica, importância geopolítica e o fato de serem democracias consolidadas.


O Brasil como um “Global Swing State”

O relatório destaca e reconhece o desejo brasileiro por maior representação internacional como uma ambição legítima do país, mencionando a iniciativa em 2011 em que Brasil, Índia e África do Sul publicaram uma chamada a uma nova ordem mundial que fosse mais inclusiva e representativa da atual situação política e econômica mundial. Segundo o relatório, tal retórica seria “mais uma evidência do desejo brasileiro de ter um papel mais proeminente dentro do sistema existente – para si e para outros países emergentes – do que um interesse em buscar novas regras e disposições” (p.13).

É preciso reconhecer que a escola política brasileira é bastante respeitada no exterior, e o Brasil é conhecido por respeitar as regras do sistema internacional – o próprio relatório reconhece que o Brasil tem colocado obstáculos ao avanço chinês, por exemplo, usando meios permitidos dentro da OMC, e é um dos países que mais recorre ao sistema de solução de controvérsias. O país tem testemunhado  relativo crescimento econômico e o fortalecimento da democracia nos últimos anos (em termos gerais, evidentemente, uma vez que não se pode esquecer os escândalos de corrupção, toda a novela da Copa do Mundo etc). Essa evolução político-econômica tem aumentado sua representação e importância no âmbito internacional tanto graças à sua posição política e diplomática, ao servir como porta-voz e intermediário em saias-justas internacionais, por assim dizer, e financeira, como grande contribuinte em órgãos como o FMI, o Banco Mundial e outros. Resta saber como Brasília vai receber a iniciativa americana – que, admite-se, provavelmente desperta sentimentos dúbios entre os analistas brasileiros dependendo da sua orientação política e teórica.

É inegável, assim, que o conteúdo e a abordagem do relatório terão diferentes significados dependendo do ponto de vista do observador. Não é incomum que países da América Latina, o Brasil inclusive, vejam a si mesmos por vezes como vítimas do sistema internacional e de “abusos” sofridos pelas “potências”. Não cabe aqui discutir se esta percepção está ou não correta,  cabe talvez agarrar-se à oportunidade de influenciar e ganhar maior relevância no âmbito internacional. Ainda que possa parecer um tit-for-tat, uma vez que há interesses americanos em jogo, o Brasil pode ver nessa abertura uma oportunidade para negociar mais detalhes do papel que acredita poder assumir no âmbito internacional. Pode ser o que o momento oportuno para negociar questões importantes depois de passar anos preparando o terreno e ganhando em relevância. Por mais que os EUA não sejam o pólo mundial que a política americana e alguns estudiosos americanos às vezes os faz parecer ser, tampouco se pode ignorar o poder de influência dos EUA e a necessidade de se engajar esse país nas mudanças que se pretende para o sistema.

A inclusão de países antes considerados periféricos como foco de uma política que visa sustentar a ordem mundial já é por si só um reconhecimento de que existem mudanças acontecendo. Caberá a esses países manterem seus questionamentos e saberem não só negociar suas posições mas também tirar proveito da oportunidade do apoio político e financeiro que os EUA podem oferecer. A necessidade dos EUA de ter maior apoio desses Estados deixa-os na condição proverbial de ter “a faca e o queijo na mão” – resta não deixar nenhum deles cair.


Um resumo das recomendações do relatório

GERAL:
1. Representação em Instituições Internacionais
- Afirmar a necessidade de reformar o Conselho de Segurança das Nações Unidas, observando que um alargamento é desejável.
- Continuar pressionando pela implementação da mudança do sistema de votos e cotas aprovado pelo FMI em 2010, além de dar suporte a um reequilíbrio da governança do órgão para refletir a situação atual.

2. Atenção e recursos americanos
- Estabelecer reuniões mensais e trimestrais em diferentes níveis para avaliar o progresso que tem sido feito e mapear os próximos passos da política norte-americana para com esses quatro países.

BRASIL:
1. Ordem comercial:
- Trabalhar com o país para tratar de práticas comerciais injustas de empresas estatais.
- Buscar um acordo de livre comércio com o país.
- Reunir o Global Entrepreneurship Summit no Brasil em 2020.

2. Ordem financeira:
- Trabalhar em parceria com o Brasil para estabelecer um modelo para o desenvolvimento africano

3. Ordem marítima:
- Reduzir as barreiras existentes para a transferência de tecnologia militar para o Brasil, aumentar a frequência de exercícios navais conjuntos e explorar a iniciativa marítima regional.

4. Parcerias:
- Aumentar os orçamentos para educação militar internacional e treinamentos para o valor atual recebido pela Turquia (cerca de US$ 4 milhões).
- Apoiar uma associação que insira profissionais de política externa brasileiros nos escritórios do congresso americano.
- Criar um programa de bolsas de direitos humanos para jornalistas brasileiros.

5. Atenção e recursos americanos:
- Recursos adicionais apropriados para agências americanas que desejem aumentar suas relações com o Brasil.
- Aumentar a capacidade do governo americano de rastrear os investimentos em educação e treinamento em língua portuguesa e outras oportunidades educacionais relativas ao Brasil.
- Lançar um programa de imersão para oficiais americanos na política e economia brasileiras.
- Aumentar as delegações do Congresso para o Brasil.



O relatório pode ser obtido gratuitamente pelo site doGerman Marshall Fund of the United States ou pelo site do CNAS.
Daniel M. Kliman esteve em Estocolmo, no Utrikespolitiska Institutet, em 14 de janeiro de 2013 para divulgar e discutir o relatório.



Postado por Gabriela Prado, internacionalista formada pelo Unicuritiba em 2009, concluiu em 2012 o MSc International Business Negotiation pela École Supérieure du Commerce de Rennes. Atualmente mora em Estocolmo, é estagiária do Sipri (Stockholm Peace Research Institute) e membro do Utrikespolitiska Institutet (Swedish Institute of International Affairs).


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