O German Marshall Fund dos EUA e o CNAS, Center for a New American Security, publicaram em novembro de 2012 um relatório chamado “Global Swing States: Brazil, India, Indonesia and Turkey and the future of International Order”, escrito por Daniel M. Kliman e Richard Fontaine. O objetivo do relatório é oferecer uma análise de como os EUA podem desenvolver parcerias mais próximas desses países, oferecendo inclusive recomendações para ajustes na política externa no que lhes diz respeito, já que esses seriam Estados-chave na manutenção da ordem internacional.
O relatório deixa claro que não se trata de criar um G-4 ou qualquer outra denominação para um bloco de países, até porque esse países “raramente agem em conjunto” (p.6), mas diz respeito à sua posição estratégica no sistema internacional. Olhar para esses países sob um panorama comum serviria assim para orientar a política de Washington de forma estratégica, tornando-a o mais benéfica possível em lugar de focar apenas em acordos bilaterais.
Os principais componentes dessa estratégia são os seguintes:
1. Envolver-se em áreas em que esses países estão agindo e tomando responsabilidades;
2. Responder às demandas desses países por maior representação internacional;
3. Reforçar a sua capacidade de ação doméstica;
4. Aumentar os recursos e a atenção devidos a esses países, “correspondendo à sua importância estratégica” (p.6).
O termo “swing states”, emprestado das eleições americanas, é usado para se referir a estados que são definitivos na corrida presidencial e onde resultado final ainda é incerto, demandando, portanto, investimento. Aplicada em nível internacional, a chave é saber o quanto esses quatro Estados serão ou seriam capazes de defender a atual ordem mundial, já que a sua orientação pode ser decisiva para a sustentação ou não da mesma.
Essa questão relativa à ordem mundial, aliás, dá um certo tom dramático ao relatório (particularmente no início): o sucesso dessa estratégia estaria ligado ao sucesso da manutenção da ordem internacional vigente, insinuando conseqüências desagradáveis caso essa ordem venha a cair (ecos do “Choque de Civilizações” de Huntington, talvez?).
Um dos autores, D.M. Kliman, fez questão de esclarecer em um seminário em Estocolmo, que não se trata de países que estejam oscilando entre a China e os EUA, mas sim oscilando entre um maior foco doméstico ou internacional em suas políticas. É inegável, ainda assim, que em vários momentos do relatório fique claro o desafio que a China representa, em determinadas áreas, para a ordem internacional que os EUA se propõem a defender. Ironicamente, os próprios EUA violam a tal ordem mundial em várias instâncias.
A “ordem mundial”
Antes de prosseguir, é importante esclarecer qual é o entendimento de “ordem mundial” apresentado no relatório. Essa ordem mundial seria basicamente a rede de instituições que sustenta o sistema internacional e garante sua segurança e prosperidade. É composta basicamente por cinco pilares:
1. Ordem comercial: reciprocidade e não-discriminação, ancorada na OMC;
2. Ordem financeira: focada na estabilidade monetária. Ancorada no FMI e apoiada pelo Banco Mundial;
3. Ordem marítima: baseada na soberania territorial e liberdade de navegação. Compreensível, já que 80% do comércio mundial é feito por via marítima (Griffiths, H.; Jenks M.; Sipri, Policy Paper 32: Maritime Transport and Destabilizing Commodity Flows. Stockholm: January 2012, p.1). Deveria estar ancorada na UNCLOS, UN Convention on the Law of the Sea, mas vários países (incluindo os EUA) ainda não ratificaram a convenção;
4. Não-proliferação: ancorado no TNP, o Tratado de Não-Proliferação, e na AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica);
5. Direitos Humanos: o quinto pilar estaria ancorado no “respeito às liberdades fundamentais e ao processo democrático” (p.8), em valores disseminados através de documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e incluiria o novo e ainda polêmico conceito da “Responsabilidade de proteger”.
Dentre os desafios para a permanência desta “ordem mundial”, o relatório destaca alguns como: a ascensão econômica da China e a pressão que ela exerce à ordem comercial, as negociações infrutíferas da rodada de Doha devido a objeções por parte de vários países, os desafios da nova pirataria na África e as demandas marítimas da Rússia no Ártico, o desafio nuclear do Irã e da Coreia do Norte, a crise da dívida de diversos países, a redução do número de governos democráticos depois de anos de ascensão, entre outros. A escolha, ou antes a identificação, dos “Swing States” está relacionada assim com critérios como tamanho, importância econômica, importância geopolítica e o fato de serem democracias consolidadas.
O Brasil como um “Global Swing State”
O relatório destaca e reconhece o desejo brasileiro por maior representação internacional como uma ambição legítima do país, mencionando a iniciativa em 2011 em que Brasil, Índia e África do Sul publicaram uma chamada a uma nova ordem mundial que fosse mais inclusiva e representativa da atual situação política e econômica mundial. Segundo o relatório, tal retórica seria “mais uma evidência do desejo brasileiro de ter um papel mais proeminente dentro do sistema existente – para si e para outros países emergentes – do que um interesse em buscar novas regras e disposições” (p.13).
É preciso reconhecer que a escola política brasileira é bastante respeitada no exterior, e o Brasil é conhecido por respeitar as regras do sistema internacional – o próprio relatório reconhece que o Brasil tem colocado obstáculos ao avanço chinês, por exemplo, usando meios permitidos dentro da OMC, e é um dos países que mais recorre ao sistema de solução de controvérsias. O país tem testemunhado relativo crescimento econômico e o fortalecimento da democracia nos últimos anos (em termos gerais, evidentemente, uma vez que não se pode esquecer os escândalos de corrupção, toda a novela da Copa do Mundo etc). Essa evolução político-econômica tem aumentado sua representação e importância no âmbito internacional tanto graças à sua posição política e diplomática, ao servir como porta-voz e intermediário em saias-justas internacionais, por assim dizer, e financeira, como grande contribuinte em órgãos como o FMI, o Banco Mundial e outros. Resta saber como Brasília vai receber a iniciativa americana – que, admite-se, provavelmente desperta sentimentos dúbios entre os analistas brasileiros dependendo da sua orientação política e teórica.
É inegável, assim, que o conteúdo e a abordagem do relatório terão diferentes significados dependendo do ponto de vista do observador. Não é incomum que países da América Latina, o Brasil inclusive, vejam a si mesmos por vezes como vítimas do sistema internacional e de “abusos” sofridos pelas “potências”. Não cabe aqui discutir se esta percepção está ou não correta, cabe talvez agarrar-se à oportunidade de influenciar e ganhar maior relevância no âmbito internacional. Ainda que possa parecer um tit-for-tat, uma vez que há interesses americanos em jogo, o Brasil pode ver nessa abertura uma oportunidade para negociar mais detalhes do papel que acredita poder assumir no âmbito internacional. Pode ser o que o momento oportuno para negociar questões importantes depois de passar anos preparando o terreno e ganhando em relevância. Por mais que os EUA não sejam o pólo mundial que a política americana e alguns estudiosos americanos às vezes os faz parecer ser, tampouco se pode ignorar o poder de influência dos EUA e a necessidade de se engajar esse país nas mudanças que se pretende para o sistema.
A inclusão de países antes considerados periféricos como foco de uma política que visa sustentar a ordem mundial já é por si só um reconhecimento de que existem mudanças acontecendo. Caberá a esses países manterem seus questionamentos e saberem não só negociar suas posições mas também tirar proveito da oportunidade do apoio político e financeiro que os EUA podem oferecer. A necessidade dos EUA de ter maior apoio desses Estados deixa-os na condição proverbial de ter “a faca e o queijo na mão” – resta não deixar nenhum deles cair.
Um resumo das recomendações do relatório
GERAL:
1. Representação em Instituições Internacionais
- Afirmar a necessidade de reformar o Conselho de Segurança das Nações Unidas, observando que um alargamento é desejável.
- Continuar pressionando pela implementação da mudança do sistema de votos e cotas aprovado pelo FMI em 2010, além de dar suporte a um reequilíbrio da governança do órgão para refletir a situação atual.
2. Atenção e recursos americanos
- Estabelecer reuniões mensais e trimestrais em diferentes níveis para avaliar o progresso que tem sido feito e mapear os próximos passos da política norte-americana para com esses quatro países.
BRASIL:
1. Ordem comercial:
- Trabalhar com o país para tratar de práticas comerciais injustas de empresas estatais.
- Buscar um acordo de livre comércio com o país.
- Reunir o Global Entrepreneurship Summit no Brasil em 2020.
2. Ordem financeira:
- Trabalhar em parceria com o Brasil para estabelecer um modelo para o desenvolvimento africano
3. Ordem marítima:
- Reduzir as barreiras existentes para a transferência de tecnologia militar para o Brasil, aumentar a frequência de exercícios navais conjuntos e explorar a iniciativa marítima regional.
4. Parcerias:
- Aumentar os orçamentos para educação militar internacional e treinamentos para o valor atual recebido pela Turquia (cerca de US$ 4 milhões).
- Apoiar uma associação que insira profissionais de política externa brasileiros nos escritórios do congresso americano.
- Criar um programa de bolsas de direitos humanos para jornalistas brasileiros.
5. Atenção e recursos americanos:
- Recursos adicionais apropriados para agências americanas que desejem aumentar suas relações com o Brasil.
- Aumentar a capacidade do governo americano de rastrear os investimentos em educação e treinamento em língua portuguesa e outras oportunidades educacionais relativas ao Brasil.
- Lançar um programa de imersão para oficiais americanos na política e economia brasileiras.
- Aumentar as delegações do Congresso para o Brasil.
O relatório pode ser obtido gratuitamente pelo site doGerman Marshall Fund of the United States ou pelo site do CNAS.
Daniel M. Kliman esteve em Estocolmo, no Utrikespolitiska Institutet, em 14 de janeiro de 2013 para divulgar e discutir o relatório.
Postado por Gabriela Prado, internacionalista formada pelo Unicuritiba em 2009, concluiu em 2012 o MSc International Business Negotiation pela École Supérieure du Commerce de Rennes. Atualmente mora em Estocolmo, é estagiária do Sipri (Stockholm Peace Research Institute) e membro do Utrikespolitiska Institutet (Swedish Institute of International Affairs).
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