segunda-feira, 1 de junho de 2015

Ir a campo: uma estratégia adequada e um esforço necessário dentro das Relações Internacionais


Gustavo Glodes Blum¹

A construção do conhecimento, tal qual conhecemos nos meios acadêmicos ou aqueles que estão para além da ciência ocidental, é algo muito complexo. Há que se ter em vista que,

o conhecimento, palavras derivada do latim cognescere, que significa ‘procurar, saber, conhecer’, partimos do pressuposto, como já afirma Japiassu² de que se trata ‘da apropriação intelectual de determinado campo empírico ou ideal de dados, tendo em vista dominá-lo e utilizá-lo. (SPOSITO, 2004, p. 14).

Desta forma, o conhecimento poderia ser debatido enquanto o processo de “produção intelectual (...) em suas mais diferentes investigações, na busca de realizar uma leitura da realidade objetiva” (SPOSITO, op. cit., p. 15). Reunião de dados, análise, investigação, estabelecimento da base bibliográfica, justificativa da pesquisa e de seus recortes: tudo isso faz parte da produção do conhecimento teórico, científico. Seria algo como buscar praticar uma leitura do mundo a partir das lentes estabelecidas pela ciência.

Porém, o conhecimento não está restrito apenas às leituras academicistas e científicas da realidade, como a própria Universidade enquanto instituição nos faz pensar. A busca pela análise da realidade não é feita apenas na academia. Falando a respeito da ciência geográfica, por exemplo, Paul Claval (2010) fala, a um público específico, mas que pode servir de metáfora para todas as ciências: todos os seres humanos são geógrafos, por desenvolverem conhecimento próprio a respeito de questões como orientação, localização, distância, percepção, entre outras.

As Relações Internacionais, por sua vez, também passam por esse problema: não apenas na questão da empregabilidade, que já pudemos expor e debater neste mesmo espaço, mas também em sua construção teórica, esse campo de conhecimento recebe influências das mais diversas áreas. A própria formação acadêmica dentro das RIs permite este debate, ou seja, a contraposição não apenas de várias ciências dentro do mesmo campo de conhecimento, como História, Direito, Economia, Ciência Política, a própria Geografia, entre outras, mas também, e muitas vezes, a contraposição de correntes teóricas dentro das próprias ciências que a compõem.

Muitas vezes, porém, esta discussão pode parecer isolada, sobretudo para os alunos que estão no início do curso e até mesmo para alguns profissionais que não estão familiarizados com as RIs. Afinal, infelizmente, esta ainda não é uma profissão vista como tendo uma “cadeira” específica (e, em minha humilde opinião, não deveria, pois seria cortar as possibilidades de ação e análise). O Bacharel em Relações Internacionais não é um economista, não é um historiador, não é um cientista político, não é um sociólogo.

E, muitas vezes, essa contraposição pode ser vista como uma falta de aprofundamento em determinadas questões. Porém, e acredito piamente nesta possibilidade, é a característica integralizadora do profissional de RI – sua capacidade de agregar uma série de informações e práticas dentro de um mesmo escopo – que permite a sua diferenciação. Talvez por isso, realizar campos nas RIs talvez seja uma boa estratégia e um esforço necessário, algo que tem sido pormenorizado e negligenciado dentro de nossa área.

Um dos grandes desafios em Relações Internacionais é justamente esta integralização. Ao utilizar este termo, me refiro à capacidade de experenciar e compreender uma série de informações na construção do devido conhecimento. Enquanto domínio das informações e utilização para algo, nas Relações Internacionais, o grande desafio é, justamente, criar a materialização dos anos de estudo e dos grandes debates teóricos. Materializa-se o estudo em Relações Internacionais numa possível perspectiva: a realização de aulas em campo ou trabalhos de campo.

As duas situações propostas são diferentes. Se, por um lado, a aula em campo depende de um trabalho de campo previamente realizado pelos organizadores, as duas têm dinâmicas muito diferentes: a aula em campo permite confrontar a teoria e a prática, enquanto que o trabalho de campo se baseia na busca, in loco, das informações, sensações e paisagens que compõem o objeto. E são estas duas alternativas que permitem integralizar, justamente, o ensino e a prática das Relações Internacionais.

Enquanto um curso com forte carga teórica, a oportunidade de confrontar a teoria e a realidade das RIs é algo essencial na formação de bons bacharéis para a área. A teorização, por si própria, é algo fundamental. Porém, se ela se vale por si própria, acaba criando uma das coisas mais fundamentais do curso: a possibilidade de criar uma ligação, uma ponte, entre a arregimentação de informações de diversas áreas diferentes, e a experiência da realidade cotidiana.

É apenas através desta análise que o acúmulo de diversas informações de integralizam. Para citar apenas um exemplo da área da geografia, o avanço da fronteira agrícola no Brasil, ou seja, a derrubada da Floresta Amazônica nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil, está tão diretamente relacionada com a falta de água que tem recentemente se abatido por sobre os estados do Sudeste do Brasil quanto com o comércio internacional de commodities. Porém, se isso é possível de ser analisado na teoria, apenas com o encontro face-a-face com estes efeitos da globalização é que o conhecimento, então separado nas “caixinhas” das diferentes matérias da grade curricular, se integralizam.

Tornar as RIs mais reais, mais relacionadas à vivência das pessoas: aí está o desafio qualitativo para que a expansão deste campo de conhecimento possa ter impacto direto na vida das pessoas, e, inclusive, mais reconhecido como um âmbito relevante e importante de análise. Caso esse salto não seja dado, estaremos fadados a nos tornarmos uma área restrita à “Torre de Marfim”: tão distante da realidade humana que nos distanciaremos até da possível humanidade que há na ciência.

Referências

CLAVAL, Paul. Terra dos homens: a geografia. São Paulo, SP: Contexto, 2010.
SPOSITO, Eliseu S. Geografia e filosofia: contribuição para o ensino do pensamento geográfico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
¹ Gustavo Glodes Blum é professor de Geografia Política e Geopolítica do curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA, Mestre em Geografia pela UFPR e Bacharel em Relações Internacionais pelo UNICURITIBA.

² JAPIASSU, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
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