Gustavo Glodes Blum¹
A construção do conhecimento, tal
qual conhecemos nos meios acadêmicos ou aqueles que estão para além da ciência
ocidental, é algo muito complexo. Há que se ter em vista que,
o
conhecimento, palavras derivada do latim cognescere, que significa ‘procurar,
saber, conhecer’, partimos do pressuposto, como já afirma Japiassu² de que se
trata ‘da apropriação intelectual de determinado campo empírico ou ideal de
dados, tendo em vista dominá-lo e utilizá-lo. (SPOSITO, 2004, p. 14).
Desta forma, o conhecimento
poderia ser debatido enquanto o processo de “produção intelectual (...) em suas
mais diferentes investigações, na busca de realizar uma leitura da realidade
objetiva” (SPOSITO, op. cit., p. 15).
Reunião de dados, análise, investigação, estabelecimento da base bibliográfica,
justificativa da pesquisa e de seus recortes: tudo isso faz parte da produção
do conhecimento teórico, científico. Seria algo como buscar praticar uma
leitura do mundo a partir das lentes estabelecidas pela ciência.
Porém, o conhecimento não está
restrito apenas às leituras academicistas e científicas da realidade, como a
própria Universidade enquanto instituição nos faz pensar. A busca pela análise
da realidade não é feita apenas na academia. Falando a respeito da ciência
geográfica, por exemplo, Paul Claval (2010) fala, a um público específico, mas
que pode servir de metáfora para todas as ciências: todos os seres humanos são
geógrafos, por desenvolverem conhecimento próprio a respeito de questões como
orientação, localização, distância, percepção, entre outras.
As Relações Internacionais, por
sua vez, também passam por esse problema: não apenas na questão da
empregabilidade, que já pudemos expor e debater neste mesmo espaço, mas também
em sua construção teórica, esse campo de conhecimento recebe influências das
mais diversas áreas. A própria formação acadêmica dentro das RIs permite este
debate, ou seja, a contraposição não apenas de várias ciências dentro do mesmo
campo de conhecimento, como História, Direito, Economia, Ciência Política, a
própria Geografia, entre outras, mas também, e muitas vezes, a contraposição de
correntes teóricas dentro das próprias ciências que a compõem.
Muitas vezes, porém, esta
discussão pode parecer isolada, sobretudo para os alunos que estão no início do
curso e até mesmo para alguns profissionais que não estão familiarizados com as
RIs. Afinal, infelizmente, esta ainda não é uma profissão vista como tendo uma
“cadeira” específica (e, em minha humilde opinião, não deveria, pois seria
cortar as possibilidades de ação e análise). O Bacharel em Relações
Internacionais não é um economista, não é um historiador, não é um cientista
político, não é um sociólogo.
E, muitas vezes, essa
contraposição pode ser vista como uma falta de aprofundamento em determinadas
questões. Porém, e acredito piamente nesta possibilidade, é a característica
integralizadora do profissional de RI – sua capacidade de agregar uma série de
informações e práticas dentro de um mesmo escopo – que permite a sua
diferenciação. Talvez por isso, realizar campos nas RIs talvez seja uma boa
estratégia e um esforço necessário, algo que tem sido pormenorizado e
negligenciado dentro de nossa área.
Um dos grandes desafios em
Relações Internacionais é justamente esta integralização. Ao utilizar este
termo, me refiro à capacidade de experenciar e compreender uma série de
informações na construção do devido conhecimento. Enquanto domínio das informações
e utilização para algo, nas Relações Internacionais, o grande desafio é,
justamente, criar a materialização dos anos de estudo e dos grandes debates
teóricos. Materializa-se o estudo em Relações Internacionais numa possível
perspectiva: a realização de aulas em campo ou trabalhos de campo.
As duas situações propostas são
diferentes. Se, por um lado, a aula em campo depende de um trabalho de campo
previamente realizado pelos organizadores, as duas têm dinâmicas muito
diferentes: a aula em campo permite confrontar a teoria e a prática, enquanto
que o trabalho de campo se baseia na busca, in
loco, das informações, sensações e paisagens que compõem o objeto. E são
estas duas alternativas que permitem integralizar, justamente, o ensino e a
prática das Relações Internacionais.
Enquanto um curso com forte carga
teórica, a oportunidade de confrontar a teoria e a realidade das RIs é algo
essencial na formação de bons bacharéis para a área. A teorização, por si
própria, é algo fundamental. Porém, se ela se vale por si própria, acaba
criando uma das coisas mais fundamentais do curso: a possibilidade de criar uma
ligação, uma ponte, entre a arregimentação de informações de diversas áreas
diferentes, e a experiência da realidade cotidiana.
É apenas através desta análise
que o acúmulo de diversas informações de integralizam. Para citar apenas um
exemplo da área da geografia, o avanço da fronteira agrícola no Brasil, ou
seja, a derrubada da Floresta Amazônica nas regiões Norte e Centro-Oeste do
Brasil, está tão diretamente relacionada com a falta de água que tem
recentemente se abatido por sobre os estados do Sudeste do Brasil quanto com o
comércio internacional de commodities. Porém, se isso é possível de ser
analisado na teoria, apenas com o encontro face-a-face com estes efeitos da
globalização é que o conhecimento, então separado nas “caixinhas” das
diferentes matérias da grade curricular, se integralizam.
Tornar as RIs mais reais, mais
relacionadas à vivência das pessoas: aí está o desafio qualitativo para que a
expansão deste campo de conhecimento possa ter impacto direto na vida das
pessoas, e, inclusive, mais reconhecido como um âmbito relevante e importante
de análise. Caso esse salto não seja dado, estaremos fadados a nos tornarmos
uma área restrita à “Torre de Marfim”: tão distante da realidade humana que nos
distanciaremos até da possível humanidade que há na ciência.
Referências
CLAVAL, Paul. Terra dos homens: a geografia. São
Paulo, SP: Contexto, 2010.
SPOSITO, Eliseu S. Geografia e filosofia: contribuição para o ensino do pensamento
geográfico. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
¹ Gustavo Glodes Blum é professor
de Geografia Política e Geopolítica do curso de Relações Internacionais do
UNICURITIBA, Mestre em Geografia pela UFPR e Bacharel em Relações Internacionais
pelo UNICURITIBA.
² JAPIASSU, H.;
MARCONDES, D. Dicionário básico de
Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
Nenhum comentário:
Postar um comentário