segunda-feira, 28 de maio de 2018

Contribuições do Realismo Moderno de Hans Morgenthau para analisar as tensões no Leste Asiático.

Artigo apresentado na disciplina de Teoria das Relações Internacionais I, ministrado pelo Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. 

* Dominique Cubis

      Nacionalismo tem como definição ser o sentimento de pertencimento á um grupo com aspectos semelhantes, ou seja, uma nação. Segundo Morgenthau, estudioso das Relações Internacionais e autor do livro A Política Entre As Nações, destaca que a política externa de um país não é feita de acordo com os interesses de todos os cidadãos, e que alguns atos dessa política atingem diretamente apenas os que estão por trás dela, além do mais, são estes que firmam tratados, negociam acordos e os planejam.
Nisso podemos inserir as medidas do governo de Kim Jong Un em relação à Coréia do Sul nesses últimos meses, ou seja, uma atitude agressiva e de ameaças, que representa apenas benefícios para o ditador e seus aliados, pois a população norte coreana e do sul se veem ainda como uma mesma nação, uma mesma família, no qual foram separadas de seus familiares durante a guerra e não os viram mais.
Morgenthau ao analisar o nacionalismo moderno faz a seguinte pergunta "se as relações externas não são compatíveis com os interesses dos indivíduos, o que causa então o sentimento de identificação e apego com o poder exibido pelo seu país?" Ele explica que para a sociedade o alcance do poder é por meio de ações imorais, e que como maneira de suprimir esses atos ela cria normas morais, éticas e também emprega instituições e arranjos sociais como corridas eleitorais e organizações comunitárias. O efeito dessa tática é de que poucas pessoas obtém o poder, então a maioria quando não o conseguem no âmbito interno projetam no externo.
Sendo assim,  os indivíduos tornam-se cidadãos satisfeitos com as conquistas nacionais, com orgulho coletivo que os faz sentir como membros da mesma nação, e o triunfo da pátria torna-se como se fosse deles, escurecendo as falhas de cada um. Logo, as regras morais que restringem o ser comum no seu cotidiano, engrandece as conquistas nacionais. O autor ainda expõe, que é tido que o poder, quando concentrado no bem da nação torna-se algo bom para o qual os cidadãos devem batalhar. Ainda dentro do Estado é dividido dois grupos de pessoas: os que advogam as aspirações nacionais, que são normalmente a classe média e classe trabalhadora, ou os que não se identificam com as aspirações nacionais.
 O Japão, que tem em sua constituição a renúncia a guerra, ou seja ao armamento e exército, tomou a atitude de revisar e tentar mudar essa cláusula devido à insegurança em que está exposto por ter como vizinho a Coréia do Norte, e também a China no qual possui o maior exercito do mundo. A busca por esta mudança da Constituição no Japão é liderada pelo primeiro-ministro, Shinzo Abe, mas é repudiada por uma grande parte da população japonesa.
Hans Morgenthau encontra as raízes do Nacionalismo moderno na Era Napoleônica, que com suas guerras nacionais e a política externa conseguiu que a população se identifica-se com a causa, o que foi acentuado com a Primeira Guerra Mundial. Porém, na segunda grande guerra, o autor pontua que esse sentimento nacional foi se degradando e as pessoas já não mais identificavam-se com seus países.
Um dos problemas era que quando o Estado encontrava-se aliado a outro Estado que detinha características similares ao do indivíduo, segundo Morgenthau essa situação era vista como uma "desintegração da solidariedade nacional", que é colocada como não sendo um risco ao nacionalismo, pois há apenas uma transferência de lealdade de uma nação para a outra, e acima de tudo, algo efêmero e que desvaneceu com o tempo e mudança na conjuntura internacional.
Contudo, o autor afirma que depois do final da Segunda Guerra Mundial houve uma retração do nacionalismo em prol da unificação da Europa, em que ele cita os precedentes da União Europeia, ademais, ele cita que os precedentes para a integração é a destruição, causada pela guerra dos países europeus e o declínio do poder político, militar e econômico, o que causaram o sentimento de insegurança nos cidadãos que ali viviam.
Morgenthau então explica que há uma corrente de estudiosos os quais aceitam que em decorrência dos novos meios de comunicações, transporte e armamentos não existe modo de apenas uma nação ter capacidade de solucioná-los, o principal assunto de preocupação é as armas nucleares, as quais o estudioso afirma não poderem ser paradas por qualquer nação que esteja competindo com outra, estão esse objeto de apreensão, sendo de responsabilidade de todas as nações, transcendendo os interesses individuais e refletindo nas politicas internas e externas.
Morgenthau parte para outra de suas teses, afirmando que quanto mais segura e estável a população sentir-se, menor são as chances desta se interessar por um nacionalismo intenso e agressivo. Ele segue a ideia de que ao transcorrer dos últimos séculos, muitos foram os momentos de instabilidades geradas pela desagregação das pessoas pelas tradições, religião, bem como a racionalização da vida e do trabalho. Ao passar do tempo essas ideologias tornaram-se mais fervorosas, e "as politicas externas transformaram-se em missões sagradas". Além disso, o autor cita que novas ameaças surgiram, como a atomização da sociedade e o perigo de uma guerra nuclear, o que gera uma tendência de maior intensidade da identificação do indivíduo com a nação. E é com isso que Morgenthau explica as tendências modernas de cruéis politicas externas visando o poder do Estado, apoiadas pela população, chocando-se umas com as outras.
Hans Morgenthau discorre também sobre o equilíbrio de poder, ou seja, as aspirações de uma nação para manter ou alterar seu status quo. O autor afirma que mesmo que o senso comum relate sobre a balança de poder ser opcional, na verdade, ela é inevitável e necessária para a estabilidade de um Estado soberano. O equilíbrio é tido com dois pressupostos em sua base: os componentes equilibrados são essenciais ou necessários à existência, e que, sem um dos componentes um deles se tornará de maior poder, não tendo respeito pelos direitos do outro e, por fim, o destruirá. Ou seja, o autor coloca que o objetivo de todo equilíbrio é o de manter a estabilidade do sistema, sem destruir os seus membros, evitando que um conquiste uma supremacia sobre os outros.
Morgenthau ainda demonstra como a balança de poder tornou-se importante nos governos e órgãos políticos. Ele cita que em Estados multipartidários, um partido conseguiria, talvez com apoio de outros, contrabalancear o adversário; ou também a divisão dos poderes, evitando que um prepondere-se ante outros.
Morgenthau expõe dois principais padrões no equilíbrio de poder: - Padrão da oposição: em que a nação A toma ações imperialistas em relação a nação B, e esta última responde com uma medida imperialista ou de manutenção do status quo, então A quer também dominar C, enquanto B pode ou ter os mesmos objetivos ou respeitar C, sendo assim, a competição entre A e B não é direta, e sim, molda-se ao redor do domínio de C, sendo este o intermediário da disputa. Uns dos exemplos dados pelo autor sobre esse padrão é a disputa dos Estados Unidos contra China pelo controle dos países do Sudeste Asiático. Essa política têm como característica ver o poder de seu Estado suplantar o do rival, o que gera oscilações de poder entre os participantes. É adicionado que enquanto esse equilíbrio de poder funcione ele manterá uma estabilidade precária, pois ela está em risco de ser importunada, além de que assegura a liberdade de uma das nações em relação a outra. Ademais, pelo equilíbrio de poder ser instável e dinâmico, a independência dos países são precárias; - Padrão da competição: nele a mecânica entre os Estados A e B é igual a anterior, porém, a função adicional é garantir a liberdade de C em relação a invasões e A e B, que torna-se mero objeto das relações de poder dos países envolvidos na balança. Se a balança virar-se a favor de um dos países imperialistas a liberdade de C corre perigo; se a nação do status quo estiver a frente, C pode ter a oportunidade de manter sua independência; ou se a nação imperialista desistir ou encontrar outro objeto para seus desejos, então, a independência de C está a salvo.
Morgenthau diz que as pequenas nações devem sua independência ao equilíbrio de poder, à vitória de um poder protetor ou à falta de atrativos, e que esses mesmo motivos são responsáveis pela existência de Estados-Tampões como é o caso da Bélgica.
 A Coréia é citada como proveniente desses fatores. O Estado fica entre a China e o Japão, e esses sempre foram os influenciadores do país, ficando este ou entre a proteção da China ou a dominação do Japão. Esse status mudou depois da Segunda Guerra Mundial, quando as tropas japonesas retiraram-se da Península Coreana e os Estados Unidos substituíram a proteção chinesa pela sua. Sendo assim, a Coréia, que fora dividida em dois países, é exemplo de como a balança de poder afeta a história e as relações de países terceiros.

Bibliografia:

UOL Notícias. Nacionalistas do Japão pressionam por fim de Constituição pacifista pós-Segunda Guerra. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2017/05/03/constituicao-pacifista-do-japao-esta-sob-pressao.htm Acesso em: 03/04/2018

MORGENTHAU, Hans. A Política Entre As Nações. São Paulo: Editora Universidade de Brasília, 2003.
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Direito Internacional em Foco: O Caso Yerodia - Bélgica X Congo







A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter, e a supervisão da monitora da disciplina, Marina Marques. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.





CASO YERODIA - BÉLGICA X CONGO
 

Beatriz Deneka, Gabriela Dionizio, Jéssica Becker e Laura Marrie


Em 11 de abril de 2000 o Reino da Bélgica emitiu um mandado de prisão contra Abdulaye Yerodia Ndombasi, Ministro das Relações Exteriores da República Democrática do Congo de 1990 à 2000, por crimes contra os direitos humanos ao incitar o ódio racial, e por supostamente ter encorajado a população do seu país à atacar pessoas da etnia tutsi (grupo étnico existindo principalmente em Ruanda e no Burundi, mas também nas regiões vizinhas da RD Congo, do Uganda e da Tanzânia), que estavam no país principalmente depois do genocídio em Ruanda. O mandado foi expedido à todos os países, inclusive à RP do Congo, pela lista da Interpol, fundamentada no princípio de jurisdição universal - princípio que permite a atuação do Estado fora de sua jurisdição, em casos de graves violações de direitos humanos.

O desencadeamento do caso transmitido pela Interpol se deu quando a República Democrática do Congo respondeu contra a acusação feita pela Bélgica. O país alegou que a Bélgica estaria infringindo os princípios do Direito Internacional Costumeiro, segundo o qual todos os Estados possuem igualdade soberana, e um Estado não pode exercer seu poder sobre o território de outro Estado. Além disso, alegaram de que os Ministros das Relações Exteriores, assim como diplomatas em geral, possuem absoluta imunidade e inviolabilidade. Com base nessa argumentação, a República Democrática do Congo pede a anulação do mandado de prisão de Yerodia. Ficam, portanto, dois questionamentos: um tribunal nacional pode determinar a prisão de um Ministro das Relações Exteriores estrangeiro, por crimes de guerra ou contra a humanidade? E quanto à imunidade do Ministro?

Para compreender melhor o caso, é necessário conceituar soberania e imunidade, que são os argumentos usados na defesa congolesa. Em seu livro Direito Internacional Público, Marcelo Dias Varella faz um apanhado da noção de soberania construída através da história, destacando que ainda hoje ela representa a capacidade do Estado de exercer domínio sobre seu território de forma independente - o que implica capacidade de criar normas internas e julgar os atos cometidos em seu território, argumento sustentado pela defesa de Yerodia. Já a imunidade diplomática, como demonstrado por Valério de Oliveira Mazzuoli, surge como responsável pela estabilização das relações diplomáticas entre os Estados, garantindo ao Estado acreditante a proteção dos seus agentes sob a jurisdição do Estado acreditado - benefício esse que atualmente se estende não somente aos diplomatas, mas também aos Chefes de Estado e de Governo, aos Ministros das Relações Exteriores, aos navios e aeronaves públicos, às bases militares e aos imóveis da missão diplomática - sendo essa premissa o segundo argumento em prol de Yerodia.

Perante a Corte Internacional de Justiça, o entendimento foi o de que a ação belga constituiu em uma infração ao Direito Internacional, concluindo que a imunidade do Ministro das Relações Exteriores é absoluta, sem exceções, aplicada a atos civis e criminais, sem distinção entre os praticados na capacidade oficial ou privada, previamente ou durante o exercício da função de ministro, sendo esse direito garantido para permitir que sua função seja plenamente exercida. Diante disso, decreta-se então que a Bélgica deverá cancelar o mandado e informar aos países em que este foi circulado.

Durante o julgamento a Bélgica levanta diversas objeções, mas elas são todas rejeitadas pela corte. Em sua argumentação, busca abrir uma exceção para a imunidade diplomática da qual o ministro goza, apoiado nos casos Pinochet e Kaddafi, entretanto o tribunal declara que não havia exceções no direito internacional consuetudinário para apoiar tal requerimento, e salienta que a imunidade diplomática não significa impunidade: o réu pode vir a ser julgado em seu país de origem, podendo então perder sua imunidade se seu Estado optar por tal decisão, ou por um tribunal internacional.

O processo traz divergentes opiniões sobre a sua resolução, os juízes Higgins, Kooijmans e Buergenthal, por exemplo, discordaram da ordem dada pelo júri de cancelamento do mandato emitido. Apontaram ainda que o julgamento foi focado no fato de ter sido infringida a imunidade diplomática sem levar em consideração se a Bélgica teria ou não jurisdição sob o caso, o que seria um ponto necessário na discussão, levando em consideração que a questão da imunidade está profundamente atrelada a jurisdição.

É interessante ainda abordar o voto do brasileiro Francisco Rezek, que atuou como juiz da Corte Internacional de Justiça no caso. Rezek vota a favor da inviolabilidade de Yerodia e da anulação da ordem de prisão do Ministro, dizendo que não cabe à justiça belga o julgamento do caso. Nas palavras do juiz: “Estimo que o foro interno belga não é competente, nas presentes circunstâncias, para a ação penal: a uma, por faltar-­lhe base outra que o só princípio da competência universal; a duas, pela ausência da pessoa acusada em território belga, ao qual não seria legítimo fazê­la comparecer.  Penso, entretanto, que mesmo se a competência da justiça belga pudesse ser aqui reconhecida, a imunidade do ministro das relações exteriores do Congo teria frustrado o início da ação penal, bem como a lavratura do mandado de prisão internacional pelo juiz, com o apoio do governo belga.” Francisco faz ainda uma comparação interessante ao dizer que se o caso fosse invertido - isto é, se o Congo tivesse expedido a ordem a um ministro belga (ou qualquer país do hemisfério sul o fizesse em relação a um país do hemisfério norte) - a reação internacional seria diferente (considerariam uma absurda usurpação de competência!).
A Corte encerra o caso a favor da República Democrática do Congo, reconhecendo que, embora não seja chefe de estado, o Ministro das Relações Exteriores goza da mesma imunidade àquele conferida, na medida em que se trata de um canal de condução das relações diplomáticas, decidindo, então, que a jurisdição universal não poderia ser ilimitada e decretando o recolhimento do mandado.



REFERÊNCIAS

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público - Curso Elementar. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional público.  6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
Caso Yerodia - contenciosos 2000.  Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/329183552/Caso-Yerodia-conteciosos-2000>.
Case Concerning The Arrest Warrant Of 11 April 2000. Institute for International Law and Justice. Disponível em: <http://www.iilj.org/wp-content/uploads/2016/08/The-Yerodia-Case-Democratic-Republic-of-Congo-v.-Belgium-Judgment-2002.pdf>.
Arrest Warrant of 11 April 2000 (Democratic Republic of the Congo v. Belgium). International Court of Justice. Disponível em: <http://www.icj-cij.org/en/case/121>.
Abdoulaye Yerodia Ndombas. Trial International. Disponível em: <Ihttps://trialinternational.org/latest-post/abdoulaye-yerodia-ndombasi/>.
Case concerning the Arrest Warrant of 11 April 2002. International Crimes Database. Disponível em: <http://www.internationalcrimesdatabase.org/Case/3266/Case-concerning-the-Arrest-Warrant-of-11-April-2002-/>.
A aplicabilidade do princípio da “jurisdição universal” ao caso Pinochet. Jus Navigandi. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/28590/a-aplicabilidade-do-principio-da-jurisdicao-universal-ao-caso-pinochet>.
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