sábado, 19 de maio de 2018

Direito Internacional em Foco: O Caso Adolf Eichmann (Argentina vs. Israel)


A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter, e a supervisão da monitora da disciplina, Marina Marques. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.



CASO ADOLF EICHMANN (ARGENTINA vs. ISRAEL)

Leticia Niehues, Milena de Sotomayor e Raphaela Zamuner


O Caso Adolf Eichmann (Argentina vs. Israel) é um exemplo na discussão a respeito da violação da soberania dos Estados. A controvérsia ocorreu em razão do sequestro do ex-oficial nazista fugitivo, nos subúrbios de Buenos Aires (onde residia), por agentes do Mossad, o serviço secreto israelense, em maio de 1960 - e como isso implica na violação do status soberano da Argentina.

A fim de melhor compreender os estatutos jurídicos violados no caso estudado, Marcelo Varella afirma que a soberania nas Relações Internacionais entre os Estados significa independência. A independência em relação a uma parte do globo é o direito de exercer as funções estatais nessa região, excluindo todos os demais Estados. O desenvolvimento da organização nacional dos Estados durante os últimos séculos e, como corolário, o desenvolvimento do direito internacional estabeleceram o princípio da competência exclusiva do Estado, no tocante a seu próprio território, de forma a tornar a soberania o ponto inicial de solução das questões relacionadas às Relações Internacionais (VARELLA, 2012, p. 263).

O considerado arquiteto da "Solução Final" de Hitler e responsável pela liquidação definitiva da questão judia, Adolf Eichmann, fora convidado a se filiar ao partido Nazista após ficar desempregado em 1932. Poucos anos depois, acabou sendo realocado como chefe da Seção de Assuntos Judeus no Departamento de Segurança de Hitler, onde continuou até a queda da Alemanha ao fim da Segunda Guerra. Eichmann era o responsável por definir a rota dos judeus para os campos de concentração e, muitas vezes, visitava os mesmos para garantir sua funcionalidade. Quando a guerra foi encerrada, ele foi capturado pelos Estados Unidos e levado para os campos de interrogatório, onde se passou por um soldado alemão comum, escondendo sua identidade e proximidade com os assuntos nazistas. Um ano depois do aprisionamento, conseguiu fugir com outros que também se encontravam ali, escondendo-se no norte da Alemanha, onde trabalhou como lenhador.

Em 1950 fez contato com a Odessa, uma organização secreta de ex-oficiais da SS, que o ajudou a fugir para a Itália, onde encontrou ajuda de um padre franciscano que conhecia sua identidade verdadeira e o providenciou documentos falsos, usando o pseudônimo de Ricardo Klement, refugiando-se na Argentina. Morou no país com sua família por 10 anos, até que foi sequestrado pelo Mossad. 

A soberania internacional não deve ser violada ou ignorada como ocorreu no caso de Eichmann, visto que a captura ilegal (ou, abdução internacional) de uma pessoa por agentes de outro estado com um propósito, fere gravemente a soberania argentina na subdivisão externa – ignorando tratados estabelecidos de extradição – e na interna – desrespeitando a ordem do país.

Por fim, vale ressaltar que foi tirado de Adolf o direito de ter um pedido de extradição feito pelo devido processo legal, violando os direitos humanos. Existe no Direito Internacional, o princípio territorial que se configura na premissa de que o território é um elemento fundamental em determinar a personalidade jurídica de um Estado perante os demais no sistema internacional. Não obstante, o princípio territorial aponta que o Estado é soberano sobre seu território e que essa soberania é exclusiva, impedindo dessa forma que outro exerça o mínimo ato de autoridade em um espaço que não o próprio país.

Requerido pela Argentina, o Conselho de Segurança das Nações Unidas adotou uma resolução (resolução 138, aprovada com 8 votos, e duas abstenções: da Polônia e da União Soviética) declarando que atos como este, afrontando a soberania de um Estado, podiam ameaçar a paz e a segurança internacionais.

A resolução pedia ao governo israelense que oferecesse à Argentina uma “reparação adequada”, estando de acordo com a Carta das Nações Unidas e com as regras do direito internacional de responsabilidade dos Estado. Definido por Francisco Rezek, “o Estado responsável pela prática de um ato ilícito segundo o direito internacional deve ao Estado a que tal ato tenha causado dano uma reparação adequada (...)” (REZEK, 2002, p.261). E apoiada também por Hildebrando Accioly, que diz que “o princípio fundamental da justiça traduz-se concretamente na obrigação de manter os compromissos assumidos e na obrigação de reparar o mal injustamente causado a outrem, princípio este sobre o qual repousa a noção de responsabilidade” (ACCIOLY, 1996, p. 124).  

Entretanto, a Argentina insistia que a única reparação seria o retorno de Eichmann ao país (restituição do status quo ante), e pediu também para que Israel castigasse aqueles que haviam retirado o individuo ilegalmente do país. As autoridades israelenses enviam um pedido de desculpas à Argentina, que o rejeita com veemência, pois os israelenses recusam-se a devolver o alemão ao país.

Em 11 de abril de 1961 foi dado início ao julgamento na cidade de Israel, mesmo com a captura ilegal do réu. As divergências sobre qual nação detinha a competência para julgar o prisioneiro (Argentina, a Alemanha Ocidental ou Israel) foram muitas. O chefe do governo israelense defendia que o julgamento deveria acontecer em seu país por um dever de respeito aos mortos e por serem herdeiros dos 6 milhões de judeus assassinados. O estatuto jurídico usado como justificativa pelo Estado era da Jurisdição Universal, que diz que crimes contra os direitos humanos podem ser julgados por qualquer tribunal no planeta com competência jurídica para tanto, independente do Estado de residência ou processador. Israel, apesar de tentar qualificar seu ato, acabou sendo severamente criticado por colocar em questionamento a soberania já citada.

Após uma visita do jurista israelense Shabtai Rosenne à Buenos Aires, os dois países chegaram a um acordo. A condenação de Eichmann com a pena capital do enforcamento foi baseada no depoimento de mais de cem testemunhas, em duas mil provas e três mil e quinhentas páginas do protocolo da polícia israelense.

REFERÊNCIAS:
*REZEK, Fransisco. O Direito Internacional No Século XXI. 1ª ed. São Paulo, SP. Editora Saraiva, 2002, pg.261.
*VARELLA, Marcelo. Direito Internacional Público. 4ª ed. São Paulo, SP. Editora Saraiva, 2012, pg.263.
* ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento. Manual de Direito Internacional Público. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p.124
*FILHO, Fransisco Ferrer Gorgulho, Análise sobre os aspectos objetivos dos direitos humanos e sua aplicabilidade: caso Karl Adolf Eichmann. Disponível em: <https://repositorio.ufjf.br/jspui/bitstream/ufjf/5212/1/franciscoferrergorgulhofilho.pdf>
*SILVA, Cacilda Bonfim. Hanna Arendt: Justiça como julgamento. Disponível em <http://www.repositorio.unb.br/bitstream/10482/10171/1/2011_CacildaBonfimeSilva.pdf>
*Legal Issues Of The Adolf Eichmann Trial International Law Essay. Disponível em: <https://www.lawteacher.net/free-law-essays/international-law/legal-issues-of-the-adolf-eichmann-trial-international-law-essay.php?vref=1>  
*JONAS. A problematização do mal julgamento de Eichmann, segundo Hannah Arendt. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/169-noticias/noticias-2015/543849-a-problematizacao-do-mal-no-julgamento-de-eichmann-segundo-hannah-arendt>
*Simulação Intermundi do Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNI-RN) Corte Distrital de Jerusalém, Caso: Adolf Eichmann Vs. Estado de Israel. Disponível em: <https://eventos.unirn.edu.br/sisuni/anexosEventos/Guia-de-estudos-oficial-CDJ.pdf>
 


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