O Caso da Fábrica de Chorzów
Alice Springer, Helena Comninos, Naiara Suszek e Sofia Sant’Anna
Em 1915, o governo germânico liderado por Guilherme II, assinou contrato com a empresa Baeyrische Stickstoffwerk para a construção de uma fábrica de nitratos na cidade de Chorzów, região da Alta Silésia, então território alemão. A propriedade, antes privada, foi obtida em nome do Reich, ou seja, império vigente na época; no entanto incumbiria a empresa da Baviera de gerenciar o empreendimento até 1941, além da propriedade das patentes, licenças e demais bens intangíveis procedentes do negócio.
Entretanto em dezembro de 1919, as terras e a propriedade da fábrica, tal como os demais bens tangíveis – que antes pertenciam ao Império – foram vendidos e assim transferidos para a Öberschlesische Stickstoffwerk.
Por consequência da derrota na Primeira Guerra Mundial em 1918, que foi encerrada com o Tratado de Versalhes (1919), a Alemanha foi condenada ao pagamento de reparações econômicas, militares e territoriais, perdendo cerca de 10% de seu território. Dentre tais territórios perdidos, a Alta Silésia (Öberschlesien) – onde se localizava a fábrica – passou a fazer parte do território polonês.
Nessa nova configuração territorial, a corte polonesa – em 1922 – anulou o registro em nome da Öberschlesische e transferiu a posse da fábrica e da terra para seu patrimônio. Por conseguinte, o governo polonês expropriou as empresas alemãs e assumiu a posse da fábrica em julho do mesmo ano.
Descontente com o acontecimento, a Öberschlesische Stickstoffwerk solicitou que se restaurasse a situação anterior, ou se pagasse indenização no Tribunal Arbitral Misto Germano-Polonês de Paris, assim como na justiça polonesa, mas ficou sem resposta até 1927. Mas antes mesmo, em 1925 a Alemanha incluiu uma nova tentativa na Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI), contra a Polônia.
· Autor: Governo da Alemanha (República de Weimar);
· Réu: Governo da República da Polônia.
As solicitações da Alemanha à CPJI foram:
1. Condenação ao pagamento de indenização às companhias Öberschlesische Stickstoffwerk e Baeyrische Stickstoffwerk, dentro do período de um mês após o julgamento.
2. Proibição da exportação de nitratos para Alemanha, Estados Unidos da América, Itália e França até Junho de 1931.
Em contrapartida, a defesa da Polônia reside no fato de a Corte Permanente de Justiça Internacional ser incompetente para julgar o fato e alega que os pedidos não poderiam ser julgados até que a questão fosse decidida no Tribunal Arbitral Germano-Polonês. Sua formulação se baseia nos artigos 92 e 297 do Tratado de Versalhes.
A Corte Internacional de Justiça decidiu quanto ao caso:
1. Que o pedido de indenização da Alemanha fosse aceito, pois a expropriação sem devida compensação por parte do Governo Polonês era ilegal.
2. Que o pedido de impedimento de exportação de nitratos com Alemanha, Estados Unidos, França e Itália fora improcedente, pois os dados provenientes da concorrência de mercado de nitrato, já estão contemplados na indenização da decisão anterior.
Segundo Francisco Rezek, o Estado responsável pela prática de um ato ilícito – de acordo com o direito internacional –, deve ao Estado a qual o ato tenha causado prejuízo uma reparação adequada. É essa, em linhas simples, a ideia da responsabilidade internacional. Cuida-se de uma relação entre sujeitos de Direito das Gentes, ou seja, vale dizer que, apesar de deduzido em linguagem tradicional, com mera referência a Estados soberanos, o conceito se aplica igualmente às organizações internacionais. Sidney Guerra afirma que “a responsabilidade internacional é o instituto jurídico em virtude do qual o Estado a que é imputado um ato ilícito segundo o Direito Internacional deve uma reparação ao Estado contra o qual esse ato foi cometido”.
A importância do caso para o Direito Internacional reside no fato de que a jurisprudência consolidou o princípio geral da reparação de dano integral, ou seja, gerou um precedente, tanto na CPJI quanto em Tribunais Arbitrais. Tal caso foi o ponto de partida para o raciocínio dedutivo de que “aquele que viola um compromisso, causando dano à outra parte, deve repará-lo na íntegra (restitutium in integra)”. Deve ser restaurado o statu quo ante e se restituir uma indenização justa, devendo conter sobre o montante básico o que no Brasil chamamos juros moratórios, além de compensação por lucros cessantes (por isso não se impediu a Polônia de comercializar nitrato com EUA, Itália, França e com o próprio Estado alemão). Danos indiretos não devem ser somados, mas só aqueles que tenham sido o resultado imediato do ato ilícito.
Para Nelson Speranza Filho, esse princípio passou a ser utilizado em TODO o Direito Internacional (Declaração do Princípio Integral da Reparação Integral do Dano) como corolário da responsabilidade civil internacional, não sendo preciso, inclusive, estar positivado para ser aplicado. É usado também no âmbito contratual. Sua natureza é consuetudinária e tem caráter peremptório (jus congens). Também se conclui desse caso que a competência da CPJI não depende de análise a priori de um Tribunal Arbitral e que não há litispendência entre o Direito Interno e a CPJI.
Referências Bibliográficas:
SPERANZA FILHO, Nelson. O caso da fábrica de Chorzów e a responsabilidade civil internacional. In Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n.107, dez.2012. Disponível:<http//www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/principal.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12308>. Acesso em abril 2018.
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar, pgs. 353-355. Editora Saraiva, São Paulo-SP, 16ª Ed., 2016.
GUERRA, Sidney. Direito Internacional Público, pgs. 181-183. Editora Saraivajur, São Paulo-SP, 11ª Ed., 2017.
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