domingo, 30 de setembro de 2012

Invasão inglesa, o eterno retorno.






Danilo Verpa/Folhapress
Em tour pelo Brasil, o premiê britânico, David Cameron, caminha na avenida Paulista rumo a evento na Fiesp



Por José Renato Teixeira da Silva



É a primeira vez na história das relações internacionais que um chefe de estado inglês visita o Brasil fazendo-se acompanhar de 50 businessmen de seu país. E pela primeira vez, também, eles se defendem dizendo que o seu interesse não é unilateral. Para entender um pouco da importância do assunto, basta ver a repercussão do fato na imprensa internacional sobre as estratégicas movimentações da superpotência que abriu os nossos portos às "nações amigas". 

Já, com Raymond Aron, vínhamos aprendendo que, durante a Guerra Fria e nos tempos que a sucederam, o mais importante nas relações entre os povos eram o soldado e o diplomata. Nesta lógica, não se devia abrir mão do uso da força para fazer retornar o diálogo civilizado. Em outras palavras, a função do diplomata é mostrar aos seus interlocutores, com palavras educadas, que a nação representada por ele possui as mais potentes armas. Um modo imbecil de viver que se perpetua desde a guerra travada entre os povos mais cultos da Antiguidade há 2.500 anos no Vale do Peloponeso, um lugar que até hoje cultiva as suas oliveiras.

Mas, com o fim da Guerra Fria, os homens de negócio se juntaram aos soldados e diplomatas para representar as nações pelas quais falam. É a isso que se referem, também, os especialistas quando mencionam os novos atores e processos internacionais. A histórica visita de James Cameron ao Brasil elimina as dúvidas sobre a pertinência dessa teoria. E quem viu de perto, ou ouviu falar da visita da comitiva inglesa à FIESP reforçou a sua compreensão do que significa, afinal, a tal diplomacia empresarial. Aquilo que tanto discutíamos quando buscávamos entender o campo de atuação do profissional de RI. Vamos retornar agora mesmo à leitura daquele material.

Recomendo a visita à obra, pouco conhecida e lida, chamada "República Imperial" escrita por ARON na década de 1970, encomendada por alguma instituição norte-americana, publicada nos Estados Unidos em 1973 e traduzida pela Jorge Zahar, no Brasil, um ou dois anos depois. Na minha visão, ela antecede o livro Império, de NEGRI e HARDT, sobre a clássica discussão entre as duas Romas e as dificuldades para a governança de um vasto império habitado por muitas culturas. O que diferencia o novo império americano (como Roma, trata-se de uma república) dos que o sucederam é a atuação externa das suas empresas nacionais. Se o Aquecimento Global não derreter as esperanças que habitam os nossos cofres gelados, vivamos para ver o que acontecerá!


José Renato Teixeira é Professor de Ciências Sociais na Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, Mestre em Sociologia das Organizações pela UFPR e Sociólogo.
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sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A denúncia da Convenção Americana de Direitos Humanos por parte da Venezuela



             

Por Thiago Assunção

Em carta encaminhada no dia 10 de setembro de 2012, ao Secretário Geral da OEA – Organização dos Estados Americanos, José Miguel Insulza, a República Bolivariana da Venezuela comunicou que estava denunciando a Convenção Americana de Direitos Humanos e, portanto, saindo do Sistema Interamericano de proteção dos direitos humanos.
A iniciativa foi criticada por diversas organizações internacionais e não governamentais. A Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Navi Pillay, instou o país a rever sua decisão, dizendo que a saída da Venezuela pode ser um precedente perigoso, com potencial para enfraquecer a proteção desses direitos no âmbito do sistema interamericano[1].
A Anistia Internacional se manifestou dizendo que “esta ação é uma afronta às vítimas de violações de direitos humanos e às gerações futuras de venezuelanos e venezuelanas que não terão mais a possibilidade de recorrer a esse órgão regional quando não consigam fazer valer seus direitos na Venezuela”[2].
Por trás da decisão da Venezuela, está a condenação do país pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Raúl Diaz Peña. Ele foi acusado e condenado a nove anos de prisão na Venezuela por atentados à bomba contra as embaixadas da Colômbia e Espanha em Caracas. Ao ter sua pena convertida em domiciliar, Peña fugiu para os EUA, alegando ser perseguido politicamente pelo regime de Chávez. Diaz Peña protocolou então uma petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, reclamando de tratamento desumano e degradante que teria recebido na prisão, em violação aos artigos 5.1 e 5.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos. O caso chegou à Corte Interamericana, que por fim decidiu que a Venezuela violou a Convenção, no que diz respeito à integridade física do autor da ação, determinando o pagamento pelo Estado Venezuelano de uma indenização a Raúl Diaz Peña, bem como a adequação das condições das cadeias no país.
Chávez reagiu, dizendo que a Corte não era imparcial e estaria a serviço do imperialismo norte-americano. As críticas do Presidente Venezuelano ao Sistema Interamericano não são novas. A Venezuela foi condenada diversas outras vezes pela corte regional de direitos humanos (assim como o Brasil). Num caso que chamou atenção, a Corte Interamericana mandou o país reintegrar ao trabalho dois juízes que teriam sido demitidos pelo Estado por “erro judicial grave”. Esta sentença foi levada à análise do Tribunal Supremo venezuelano, o qual declarou que ela violaria a Constituição da Venezuela. Na mesma decisão de setembro de 2008, o Tribunal solicita a denúncia da Convenção Americana de Direitos Humanos por parte do Poder Executivo do país.
A decisão da Venezuela de denunciar a Convenção só terá eficácia depois de transcorrido o período de um ano da sua comunicação ao Secretário Geral da OEA, que ocorreu no dia 10 de setembro, como previsto no artigo 78 da Convenção Interamericana. Enquanto o prazo deste aviso prévio não expirar, a Corte ainda terá jurisdição em relação às violações cometidas pelo Estado venezuelano, que não ficará isento de possíveis condenações.
É preocupante que um país membro da OEA aja desse modo diante de mecanismos de garantia dos direitos humanos construídos a duras penas no continente. É de se refletir inclusive, sobre o futuro do sistema interamericano se atitudes como essa viram moda entre os países que assinaram e ratificaram a Convenção.
O próprio Brasil andou questionando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, quando esta editou uma medida cautelar em abril de 2011, determinando que o Estado brasileiro suspendesse as obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, e adotasse medidas urgentes para proteger a vida e a integridade pessoal dos indígenas da bacia do rio Xingu. O governo brasileiro não gostou do que considerou ingerência em seus assuntos internos, e reagiu suspendendo sua contribuição financeira para a OEA por alguns meses, bem como retirando a sua candidatura a uma vaga na Comissão de Direitos Humanos. Segundo a Professora Flávia Piovesan, “até então, o Brasil tinha uma postura muito mais aberta, mais cooperativa com o sistema internacional de proteção”, mas neste episódio “o Brasil respondeu de maneira agressiva, atacando o sistema interamericano”, o que segundo ela denota uma mudança de postura do país em relação ao respeito incondicional pelo sistema interamericano de direitos humanos que vinha sendo colocado em prática[3].

      
*Para maiores detalhes sobre a saída da Venezuela do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, inclusive para saber o que ocorreu com os outros dois países que tentaram fazer o mesmo, recomendamos a leitura do artigo do Prof. Juan Carlos Sainz-Borgo, “Denuncia de la Convención Americana de Derechos Humanos. Una revisión a partir de tres intentos”, publicado originalmente no livro: Gonzalez Ibañez, Joaquin. “Protección Internacional de Derechos Humanos y Estado de Derecho. Studia in honorem Nelson Mandela” Washington College of Law, American University, Washington DC; Universidad Alfonso X El Sabio, Madrid; Ibañez Editores. Bogotá: 2009, e disponível em: http://www.noticiasclic.com/podra-chavez-sustraer-a-venezuela-de-la-cidh

Thiago Assunção é Mestre em Direitos Humanos e Professor de Direitos Humanos nos Cursos de Direito e Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba.
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