A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter, e a supervisão da monitora da disciplina, Marina Marques. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.
O caso do Saara Ocidental
Giovanni Rigo, João Pedro Bub, Joh Kaida, Rafael Kouhei Sumiya
Por volta do século V d.C. o atual Saara Ocidental era
habitado por grupos nativos. No final do século XII, grupos oriundos do Iêmen
se assentaram na região e passaram a exercer sua influência, sendo o islã e o
dialeto hassanyya da língua árabe aderidos pelos nativos. Não existia um poder
centralizado, grupos nômades-pastoris se dividiam em tribos. Em 1885 a Conferência
de Berlim dividiu a África entre as grandes potências europeias, nessa ocasião
ficou acordado o protetorado espanhol na região. O Saara Ocidental está situado
no noroeste da África, sua fronteira abrange Marrocos, Argélia, Mauritânia e é
banhado pelo Oceano Atlântico. Seu território é rico em fosfato e minério de
ferro, e a pesca é uma grande fonte de renda. O conflito do Saara Ocidental é um conflito em curso entre
o povo
saarauí (nativo) contra
o Reino de Marrocos. É a continuação da insurgência
decorrida pela Polisário contra as forças coloniais espanholas em 1973 e 1975,
e se intensificou após a retirada da Espanha do Saara Espanhol.
De um lado Marrocos e Mauritânia começaram a reivindicar
a soberania sobre a região. A argumentação marroquina se baseava nas relações
de fidelidade entre os povos ali presente feita antes da colonização espanhola,
agregando um laço histórico ao argumento. E de outro, a tribo saaraui, que era
composta pelos povos nativos daquela região, estavam reivindicando seus
direitos sobre as terras do Saara Ocidental.
Foi solicitado então um parecer da Corte Internacional
de Justiça (CIJ) sobre o caso. Duas questões foram postas à Corte: antes da
chegada dos espanhóis, seria o Saara Ocidental um território que não pertencia
a ninguém (terra nullius)? Se sim, quais eram os laços jurídicos entre a região,
o Marrocos e a Mauritânia?
Em 16 de outubro de 1975 a CIJ emitiu o seu parecer, defendendo
que o Saara Ocidental não se enquadrava como um caso de terra nullius, invalidando
a reivindicação desses países de obter a soberania sobre o até então Saara
Espanhol, e classifica a situação como um caso de autodeterminação, apoiando a
descolonização. A tese histórica defendida pelo Marrocos, que relaciona as
ligações tribais com o sultão marroquino e o direito à soberania, foi refutada
pelo tribunal pois a existência da organização política saaraui capaz de
representar o seu povo e selar esses acordos demonstra que aquela população já
se organizava politicamente e os acordos demonstram que essas organizações já
possuíam controle territorial.
A Mauritânia e o Marrocos não acataram a decisão do CIJ,
no dia 6 de novembro, contestando a decisão do tribunal, o governo marroquino
iniciou a Marcha Verde, para forçar Espanha a entregar o território disputado
do Saara Espanhol, em que 350 mil marroquinos, civis e militares adentraram a
região. No mesmo mês é concebido o acordo de Madrid, o qual a Espanha oferece o
Saara Espanhol ao Marrocos e à Mauritânia em troca dos direitos de pesca e de
uma fatia de 35% das riquezas de fosfato. Entretanto a Espanha ainda possui
responsabilidade jurídica pela região, pois a transferência unilateral do
território não tem base jurídica e não possui reconhecimento jurídico
internacional.
No final do mês de novembro o território é invadido
militarmente pelo Marrocos e pela Mauritânia, desencadeando uma guerra de
libertação contra a Frente Polisário (Frente Popular de Libertação de Saguia El
Amra e Rio de Oro) criada pelos saauaris, movimento politico e militar a favor
da independência. Os saarauis foram apoiados pela Argélia e a Líbia, que
forneceram treino, armas, roupas e alimentos. Enquanto o Marrocos e a
Mauritânia foram apoiados pelos EUA e a França. Um grande contingente de civis
deixou aquela região devido ao conflito. No dia 26 de fevereiro de 1976 a Espanha
retira o seu contingente militar da região, no próximo dia a Frente Polisário
proclama a República Árabe Saaraui Democrática (RASD) contestando a soberania
do Saara Ocidental e sua legitimidade internacional. Em 1979 após três anos de
guerra, a Mauritânia assina um acordo de paz e se retira da região.
Negociações de paz começaram a ser feitas na década de
1980, quando a ONU e a Organização da Unidade Africana (OUA) se prontificaram a
mediar as negociações. Em 1988 a Frente Polisário e o Marrocos começam a
planejar um cessar-fogo e um plano para um referendo para determinar uma
independência ou integração com o Marrocos, esse acordo foi assinado em 1991.
Nesse ano é criada a MINURSO (Missão das Nações Unidas para o Referendo no
Saara Ocidental) com o objetivo de criar condições para realizar um referendo,
garantir o cumprimento do resultado e fiscalizar o cessar-fogo.
A realização do referendo não foi posta em prática, havia
um grande desentendimento entre as duas partes em relação aos critérios para
formar o eleitorado. Pouco progresso foi feito após o cessar-fogo, o Marrocos
não desejava abrir mão do território e não considerava a independência como uma
solução, e a Frente Polisário apenas aceitaria total emancipação e o reconhecimento
como Estado-Nação, ou seja, reconhecimento de sua soberania. Segundo José
Francisco Rezek, atributo fundamental do Estado, a soberania o faz titular de
competências que, precisamente porque existe uma ordem jurídica internacional,
não são ilimitadas; mas nenhuma outra entidade as possui superiores, logo
quando um Estado é reconhecido por outro, também é reconhecida sua personalidade
jurídica de direito internacional, que deve ter a sua soberania respeitada e
status de igualdade perante seus pares. O reconhecimento de um novo Estado é um
ato discricionário, não é obrigatório, portanto a decisão de um governo de
reconhecê-lo é tomada por um viés político.
Atualmente a República Árabe Saaraui Democrática (RASD)
possui instituições políticas como polícia, exército, sistemas legais,
parlamento nacional e conselho nacional, mas se encontra em uma situação de
Estado em exílio com a sua sede governamental localizada na Argélia. A RASD
mantém relações diplomáticas com mais de 70 países e é membro pleno da União
Africana, atuando de forma ativa na instituição. Mas seu processo de
independência ainda não está completo.
Os refugiados que escaparam das zonas de conflito se
encontram em campos na zona liberada, 15% do território controlado pela Frente
Polisário, e nos países vizinhos, principalmente a Argélia. O referendo
proposto primeiramente em 1965 pela ONU ainda não foi realizado. A influência
do Marrocos no cenário internacional, principalmente entre o ocidente,
proporcionou para o país uma vantagem na disputa que o propicia a não respeitar
o direito internacional. Em virtude da responsabilidade jurídica espanhola na
região, existe uma grande comoção da população civil do país a favor da
independência do Saara Ocidental. Em um artigo escrito pelo ator e ativista da independência
saaraui Javier Bardem para a CNN em dezembro de 2012, ele comentou: “Este mês
em particular é de grande importância, porque o Marrocos vai ocupar a
presidência rotativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas, apesar do fato
de ser errado fazê-lo enquanto ainda são negados os direitos humanos aos
saarauis. Temo que isso atrase o processo de resolver esse problema.
Legalmente, o Saara Ocidental tem a justiça do seu lado, da mesma forma que 2 +
2 = 4, então tudo o que bloqueia o progresso deve ser superado”.
FONTES CONSULTADAS:
FERREIRA, S. S.; MIGON, E.
X. F. G. A Estratégia de uma Guerra Esquecida: fundamentos estratégicos
aplicados à questão do Saara Ocidental. Política Hoje, Recife, PE (Brasil), v.
24, n. 2, p. 193-217, jul./dez. 2015.
Barata, M. J. (2012). IDENTIDADE, AUTODETERMINAÇÃO E RELAÇÕES
INTERNACIONAIS: O CASO DO SAARA OCIDENTAL. Tese de doutorado.
Estrada, R. D. (2014). Saara
Ocidental: história, geopolítica e perspectivas da “última colônia”. CADERNOS
DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS, v. 7, n.1.
REZEK, Francisco. Direito
Internacional Público – Curso elementar. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
http://edition.cnn.com/2012/12/13/opinion/western-sahara-bardem/index.html
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