Filipe Figueiredo, autor do podcast Xadrez Verbal, que aborda Política, História e muitos outros assuntos de extrema importância, foi o convidado para a aula inaugural do primeiro semestre de 2018 do curso de Relações Internacionais. Filipe falou sobre o senso comum das Relações Internacionais e seus estereótipos relacionados à carreira diplomática. Após a palestra, concedeu a seguinte entrevista ao Blog Internacionalize-se.
Blog Internacionalize-se: Você falou sobre o papel da universidade para
romper com o senso comum nas Relações Internacionais. O que você diria então
que é o papel dos professores e dos alunos nessa tentativa de
superar o senso comum no debate sobre RI?
Filipe: Olha, falar do papel do professor eu acho que é
muito ligado à questão de, tanto fazer, quanto incentivar a dar a cara à tapa –
para usar um termo mais coloquial. É aquela coisa de estar presente no
debate e saber se posicionar. Quando eu digo saber se posicionar, é porque
muitas vezes tem alunos - e isso acontece com qualquer curso, em qualquer área -
que passam o curso inteiro, quatro ou cinco anos sem abrir a boca. "Ah não, mas
eu estou tímido, ah não, mas eu sou retraído". Tudo bem, mas uma coisa são seus
traços pessoais, outra coisa é você saber se posicionar, você saber fazer uma
afirmação em público e em voz alta. Então, acho que esse acaba sendo o grande
incentivo, você ir além do conteúdo, ser uma – a palavra não é bem cientista,
mas uma pessoa ativa naquele campo. Independente da posição que a pessoa tem. A pessoa pode ser de esquerda, de direita, ou
de centro, mas ela conseguir pronunciar isso, e argumentar sobre isso. É no vácuo do silêncio que surgem ideias
absurdas, ou que surge a falta de ideias, ou que surge justamente o senso
comum, as respostas fáceis, as respostas simples, que muitas vezes estão
erradas. Se
uma resposta cabe em um tweet, ela está errada. É mais ou menos isso. Então, se
for falar da questão do professor é essa: incentivar os alunos e alunas a
dar a cara à tapa. E aí no caso eu falei de alunos e alunas especificamente, porque muitas vezes
em relação a alunas isso (de não saber dar a cara à tapa) costuma ser até pior, e vindo de casa, inclusive,
então a pessoa saber falar em público, se pronunciar, porque só assim que ela
vai conseguir difundir esse conhecimento que ela está adquirindo.
Blog Internacionalize-se:
E nesse contexto polarizado que a gente tem o “dar a cara à tapa” muitas vezes
pode significar, inclusive, literalmente, né.
Filipe:
É, infelizmente.
Blog Internacionalize-se:
E como é que a gente lida com isso? Como é que a gente lida com essa
intolerância à diferença?
Filipe:
É uma resposta complicada porque acho que cada pessoa vai ter seu próprio
mecanismo. E, além disso, eu estaria mentindo se eu dissesse que eu sei o meu
próprio mecanismo. Eu reajo de diferentes formas, em diferentes situações.
Blog Internacionalize-se: Eu imagino que você já tenha levado muitos tapas nas suas exposições.
Filipe:
Sim, sim. Mas, e por isso que eu disse, às vezes dependem até de outros
fatores. Fatores da sua vida pessoal, você reage com mais ou menos leveza. Mas
a minha recomendação sempre costuma ser, e foi até uma coisa que eu mencionei
na palestra de ontem, aquela frase do Marco Túlio Cicero, que é: delicadeza
impõe obediência. Se a pessoa chega te xingando por alguma
posição, e você responde, não necessariamente com polidez, porque é necessário
ser firme, mas com argumentação, isso acaba muitas vezes desarmando outro. Mas
isso vai depender também de cada pessoa, da reação de cada pessoa, e outra
coisa: de prática também. A primeira vez é muito pior do que a décima, ou a
vigésima. Então acaba tendo um “quê” de individual e seria muita pretensão
minha querer dar uma resposta universal. Então minha “dica” seria essa, de
tentar dar sempre respostas argumentativas porque você acaba até desarmando o
outro. Ou no mínimo você cansa o outro de te xingar. Porque o cara que te
xinga, ele quer ser xingado de volta, ele é meio masoquista, então se você não
dá isso para ele de volta, ele às vezes acaba até desistindo.
Blog Internacionalize-se: Você atua com produção de conteúdo para a internet, num cenário em que a quantidade de informação é abundante. Neste contexto, o problema é separar o joio do trigo. Que conselho você daria para os
nossos alunos saberem selecionar o que é um material de qualidade,
um bom podcast, para um podcast que não é muito bom. De um Fake News para uma
notícia de verdade. Como fazer para selecionar isso, para separar a informação
que é boa da que não é?
Filipe:
Olha, aí é um exercício até de metodologia - metodologia da história - que é
certificação de fontes. Então por exemplo, se eu estou vendo um vídeo no
YouTube em que uma pessoa, aí tem aquela famosa frase do Carl Sagan, inclusive,
o astrônomo: "alegações extraordinárias requerem evidências extraordinárias".
Então, se tem um vídeo em que eu vejo uma pessoa dizendo que: "se todo mundo
tivesse direito a ter um carro o mundo ficaria saturado e ninguém conseguiria
sair do lugar". Mas ela não apresenta nenhuma fonte para isso, nenhum
referencial: "olha, tem esse autor, tem esse estudo, tem essa estimativa". Ou
então: "eu fiz essa estimativa baseado nesse e nesse número, que eu tirei
daqui e daqui". Você não deve confiar, você não deve levar adiante. Você referenciar
fontes parece que é uma coisa que é chata, pesada acadêmica, mas ela pode ser
feita de forma mais leve. Que é aquela coisa de você falar: "olha, segundo
estudo de fulana de tal, se todo mundo tiver um carro, aí ninguém vai sair do
lugar". Ou então: "olha pessoal, eu peguei um número aqui de carros que existem
no site tal, e peguei esse outro número aqui no site tal e fiz aqui uma conta
de tal maneira que deu esse resultado, então eu cheguei à conclusão". Você
apresentando subsídios da sua conclusão, as referências da sua conclusão. Essa
acaba sendo às vezes a maior, porque muitas vezes a questão do Fake News, e
especialmente no YouTube, é muito fácil você ter uma pessoa falando para a
câmera sem dar nenhum subsídio do que ela está falando, nenhuma prova. E veja,
quando eu estou falando de subsídio, eu não estou falando necessariamente de um
diploma. Não é porque uma pessoa é formada em história que ela vai saber tudo
de história. Eu, por exemplo, muitos aspectos de história brasileira mesmo são
um vácuo na minha formação. Agora, se alguém me fizer uma pergunta sobre esses
vácuos, eu vou saber pelo menos referenciar um autor ao invés de tentar suprir
esse vácuo com ladainha, com bobagem, tentando passar por conteúdo. Acho
que o grande exercício acaba sendo esse, de verificar fontes, de verificar de
onde vem aquelas informações. Se elas não são tiradas da cachola, porque o
tirado da cachola pode ser desde megalomania, confusão, até mentira pura e
simples. Os alunos que estavam aqui com a gente até agora há pouco mencionaram que
assistem ao Nerdologia. No Nerdologia eu sempre faço questão de colocar fontes
e um Saiba Mais. Tipo um site que você pode entrar para ver mais coisas. Fonte
de onde eu tirei, então às vezes pode ser um livro um pouco mais inacessível,
mas se alguém estiver duvidando disso, se alguém quiser verificar isso, ou se
alguém quiser ir além, está aqui. Então eu acho que esse acaba sendo o
principal exercício.
Blog Internacionalize-se: Uma última pergunta, para a gente encerrar. Acredito que muitos alunos dessa nova geração têm como modelo vocês, e o trabalho que vocês fazem no ambiente virtual, e talvez queiram seguir esse caminho. Que conselho você daria para alguém que deseja ter um podcast, ter um canal no YouTube. Como começar?
Filipe:
Faz, porque é fazendo que você vai aprender. Não tem essa de “ah, eu nunca fiz
edição de vídeo, eu nunca mexi em edição de podcast, eu não sou formado sei lá
em rádio e TV, ou algo assim”. Não. Primeiro porque 90% da internet,
especialmente quando se trata de conteúdo mais científico, político, a gente
está falando de um conteúdo muitas vezes mais amador. Amador inclusive no sentido
mais positivo da palavra. São pessoas que amam esse determinado assunto e
querem falar sobre ele. E segundo: você vai aprendendo fazendo. O primeiro
episódio do seu podcast vai ser muito pouco parecido com o quinquagésimo. É
nesse tempo que você vai aprender. Então o negócio é fazer. E outra coisa, e aí
isso é curioso, para você melhorar, você precisa do retorno das pessoas, e você
só vai ter o retorno das pessoas a partir do momento em que você fizer. Você
vai receber críticas destrutivas? Vai, mas você também vai receber críticas
construtivas. Desde: "olha, o volume da música está muito alto"
até sugestões de um quadro, sugestão de uma abordagem: "olha, vocês poderiam
fazer no programa uma questão mais econômica também". Então a minha sugestão é
essa: faz. Porque é fazendo que você vai ter o retorno. Você ficar naquela do
tipo: eu quero fazer uma coisa bem, quero estudar, me preparar, uma coisa com
bastante esmero, aí você vai entrar em um loop, uma piração perfeccionista, que
nunca vai estar bom o suficiente, e aí você nunca vai fazer nada. Então vai lá
e faz, publica e vê no que dá. Esse é o
caminho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário