Gisele Passaúra
Analisar as causas do
surgimento de guerras civis, inicialmente já se apresenta como uma tarefa
complexa pelo simples fato de não haver uma conceituação universalmente aceita
dentro da literatura especializada. Não apenas isso, mas examinar um fenômeno
de proporções tão dinâmicas caracteriza o estudo das guerras civis como um
desafio a qualquer pesquisador.
Ao averiguar as causas para o
surgimento de guerras civis, então, a literatura especializada tende a
dividir-se em dois grandes leques teóricos: greed
theory, entendido como as motivações
econômicas e grievance theory, visto como motivador o descontentamento da
população em vários níveis. A primeira evidencia o papel da escassez de
recursos naturais para o surgimento das guerras civis e a segunda considera
relevante o estudo da diversidade étnica ou religiosa, a organização política e
as desigualdades econômicas.
As causas para a guerra civil
são enumeradas em um nível populacional. Ou seja, como essa população se motiva
e como se articula para o conflito. Todavia, as teorias existentes, com algumas
exceções, falham ao não mencionar o papel das elites nessa equação.
(LINDERMANN, 2010, p.4). Lindermann, então, especula que as desigualdades
horizontais podem ser reflexos de disparidades dentro da própria elite. Para o
autor, um maior entendimento do comportamento da elite política de um país é
fundamental para compreender como a população articula-se para o conflito civil.
John e Putzel também chamam à
atenção para o fato de que as elites políticas podem não ser homogêneas e que
na verdade, apresentam-se engendradas em um arranjo político intrinsicamente
ligado aos movimentos sociais. Os autores, então, destacam a importância das
organizações políticas para a estabilidade dessa elite. (PUTZEL;JOHN, 2012
p.VI).
Para verificar como a elite se
relaciona à guerra civil, Lindermann introduz os conceitos de “Exclusionary elite bargain” e “Inclusive elite bargain”. A primeira
apresenta-se como uma coalizão de elites que falha ao estabilizar as agitações
sociais existentes. Enquanto a segunda age no sentido oposto, ao conseguir
amenizar as ebulições sociais que talvez possam haver. (LINDERMANN, 2010, p.5).
O autor faz a análise através
da verificação de como o poder é dividido dentro dessa elite e desenvolve seu
exame a partir de quatro diferentes prismas, a saber: divisão do poder
político, militar, econômico e territorial. O primeiro remete a como o acesso a
posições políticas e administrativas de poder podem relacionar-se com a competição
social dos grupos e como essa via pode ocasionar um reconhecimento ou status.
Um primeiro exame da divisão
política do poder pode ser verificada investigando a composição do governo.
Todavia, a pesquisa não deve ficar limitada aos chefes de governo, ministros e
etc., mas também precisa ser incluída na análise as posições de liderança o que
Lindermann chama de “inner core”
O aspecto militar apresenta-se
como crucial na competição social dos grupos por moldar o sentimento de segurança
e proteção dos mesmos. Para verificar a
homogeneidade da elite é fundamental examinar as principais lideranças no setor
militar.
Já o viés econômico pode ser
entendido como interesse material imediato na competição social dos grupos, no
entanto, estabelecer a divisão econômica do poder não se apresenta assim tão evidente,
já que os outros aspectos da divisão de poder também incluem o controle de
recursos econômicos. Um possível modo de avaliar essa divisão do poder
econômico talvez seja verificando o controle de importantes empresas estatais, dado
que as mesmas, notadamente, são responsáveis pelas maiores taxas de lucros dentre
as instituições públicas.
A divisão territorial, por sua
vez, pode promover aos grupos sociais estabelecidos localmente certa autonomia
para proteger seus interesses. Isso pode se apresentar como significante no que
concerne a competição social de grupos, pois líderes podem enxergar essa
situação como um compensador para a carência na divisão dos demais poderes.
Ao ponderar sobre os efeitos do
arranjo das elites, os líderes excluídos podem, então, ter incentivos imediatos
para mobilizar protestos e violência contra o Estado. ou seja, o
desenvolvimento de guerras civis pode ter como causa a inabilidade ou falta de disposição
do grupo político governante para conseguir suficientes graus de acomodação da
elite.
Em síntese, para analisar o
aparecimento de guerras civis é fundamental compreender em qual das duas
vertentes a elite de determinado país se encontra, se a mesma é caracterizada
como “Inclusive” ou “Exclusionary”.
Notadamente, ao se estudar as
causas da guerra civil, a literatura especializada tende a focar-se na
mobilização populacional. Entretanto, não necessariamente todas as causas podem
ser explicadas tendo como foco o cidadão comum, sendo fundamental uma maior
amplitude de pesquisa para examinar, também, o papel que a elite do país pode
ter nessa equação.
Gisele Passaúra é Internacionalista pelo
Centro Universitário Curitiba, e atualmente é pós-graduanda em Antropologia
Cultural pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
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