Placa comemorativa ao fim do regime de Vichy em Marseille,França.
*Por Ana Caroline Moreno
À margem de muitos livros didáticos
pelo mundo e dentre as mais vergonhosas memórias francesas (junto à coroação de
Guilherme II no Palácio de Versailles, provavelmente...), eis a França de Vichy
ou Le Régime: o “período negro” contemporâneo francês, que se inicia com o
fracasso da ingênua Linha Maginot e cujo fim – que completará sessenta anos em
2014 – dá-se com a intervenção dos exércitos de Gaulle e ajuda aliada.
Rapidamente derrotados pela
Alemanha, os franceses viram seu país vizinho e rival histórico impor um armistício
nada favorável em 1940, apenas 10 meses depois do início da guerra. O
armistício assinado pelo Primeiro-ministro Phillipe Pétain evitou uma fuga total
da liderança francesa para seus territórios na África, mas não a ocupação
militar de três quintos da França e sua completa submissão política. O verbo
“occuper”, inclusive, possui mesmo ares de tabu atualmente, e alguns franceses ainda
evitam utilizá-lo.
A humilhação franca já
começa com a assinatura do tratado, em mais capítulo da série ‘revanches
históricas’ – Hitler exige que ela aconteça no mesmo vagão onde a Alemanha se
rendera ao final da I Guerra, colocado no mesmíssimo lugar em que estivera em
11 de novembro de 1918. O país é então divido em duas zonas, sendo o norte e oeste
ocupado pelas tropas germânicas e italianas e o sul transformado em um governo
fantoche.
Além de perder suas colônias
na África, romper relações diplomáticas com a Inglaterra e sofrer grande êxodo
popular interno e externo (segundo o historiador Jean-Pierre Azéma, ao menos
seis milhões de franceses abandonaram suas casas no início da ocupação), o
governo colaborador viu-se obrigado a mandar os judeus franceses a campos de
concentração nazistas e mais uma vez a Alsácia-Lorena trocaria de dono,
passando outra vez ao controle alemão. A dominação desta deu-se através de uma
administração civil, não militar, o que sujeitou parte da população local ao
recrutamento militar alemão, com o objetivo de lutar contra as forças aliadas
das quais a França originalmente participava.
O exército francês “livre” é
reduzido a cem mil homens, as tropas são desarmadas e – numa irônica inversão
da I Guerra – o país é responsabilizado pela invasão, devendo assim arcar com
as despesas militares alemãs e outras indenizações. O regime é geralmente
dividido em quatro fases ou “vagues”: Vichy reacionária, entre 1940 e 1941 - por
haver dentro do governo títere diversos setores da direita, dos conservadores
aos reacionários; Vichy tecnocrata, até 1942, com ênfase na produção
industrial; Vichy pragmática, até 1943, na qual o líder Pierre Laval tenta
remeter mais lucro à Alemanha em troca de maior independência e por fim, Vichy
miliciana, fase de maior alinhamento ao nazismo e combate à resistência
nacional.
Essa resistência, liderada
por De Gaulle, agia desde o começo da ocupação nazista. Seus partisans encontravam-se tanto na zona
ocupada como na zona livre, assim como em países não-ocupados, principalmente
na Inglaterra – onde o próprio De Gaulle se exilara. Entretanto, apenas após o
desembarque dos aliados na Normandia em junho de 1944 é que a resistência
consegue libertar a zona ocupada, tendo como maior marco a “Batalha por Paris”
em agosto do mesmo ano. Mas tal triunfo ficara embaçado pelos quatro anos de
ocupação alemã e pela a perda de 25% da população judia.
Razões dentre as quais
Marechal Pétain seria julgado por colaboracionismo e alta traição após a guerra,
e pelos quais cumpriria prisão perpétua até sua morte em 1951. A “raposa velha”,
como apelidado pelos alemães, argumentaria ter sido o ‘escudo’ francês durante
o conflito, enquanto Marechal de Gaulle e os outros heróis da resistência
teriam sido a ‘espada’. Em seu julgamento, uma das poucas declarações dadas por
Pétain sustentou seu ponto de vista maquiavelista de justificar os meios pelos
fins desejados: "Um marechal francês jamais
pede perdão. Só Deus e as próximas gerações poderão julgar. Isso basta à minha
consciência e à minha honra. Deposito toda a minha confiança na França".
*Ana Caroline Moreno é graduanda em Relações Internacionais pelo Centro
Universitário Curitiba (UNICURITIBA)
"Não existem fatos, apenas interpretações." Nietzsche.
ResponderExcluirAh, e como as interpretações da história são irônicas! Se o general Charles de Gaulle é considerado o libertador da opressão nazista na França, Jean Moulin e a resistência francesa são o que nessa história?
Pétain aderiu e apoiou a ocupação do exército inimigo, porque viu nessa atitude a resposta para a França; De Gaulle fugiu para a Inglaterra, e liderou a resistência!? Enquanto isso Jean Moulin resistiu e liderou ações de ataques contra os alemães com sabotagens e guerrilhas, vivia escondido na clandestinidade e protegido por uma rede de apoio, sofreu tortura e foi morto desejando ver os franceses livres da opressão do inimigo. E no entanto De Gaulle volta para a França após a guerra e é recebido com louvores de campeão, herói e ídolo. Sem falar que para os nazistas De Gaulle era uma franga que se refugiou na Inglaterra e deixou os franceses. Para se redimir com o povo francês, concede a Jean Moulin um funeral com honras no Pantheon; não tanto para honrar Moulin, mais para sua remissão mesmo. Irônico no meu entender, muito mais do que assinar um documento num trem. Mas sempre tem alguém querendo levantar um novo Ídolo!