sexta-feira, 22 de junho de 2018

Direito Internacional em Foco: Caso das atividades paramilitares na Nicarágua

Placa de rua em Managua (1983). Tradução: Morte ao Imperialismo Yankee. 4° aniversário da Marinha Sandinista


A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter, e a supervisão da monitora da disciplina, Marina Marques. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.

 
Caso das atividades paramilitares na Nicarágua

Gabriel Wasilewski, Isadora Fonseca, Mariana Camargo



O caso das atividades paramilitares na Nicarágua, de 1984, foi um marco importante para a jurisprudência internacional. Como não possuía precedentes, a decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ) se tornou emblemática ao proibir o uso da força como norma jus cogens e ao fortalecer o princípio da não intervenção. A importância do conteúdo dos jus cogens reside no fato de ser uma norma imperativa de Direito Internacional. Em opinião separada após o julgamento, o juiz Nagendra Singh, ao afirmar que o princípio do não uso da força é de jus cogens, coloca tal instrumento como vital para a paz e o progresso da humanidade[1].

O presente caso encontra-se em um momento de acirramento da Guerra Fria, em que os Estados Unidos da América financiou um grupo paramilitar contrário ao regime sandinista na Nicarágua.  A relação política conturbada entre a Nicarágua e os Estados Unidos vêm de longa data, influenciando diversas eleições e ajuda militar à presidentes liberais, como Astolfo Diaz e Emiliano Chamorro. O governo revolucionário sandinista, apesar de democraticamente eleito, ameaçava a segurança dos EUA, que o acusava de ser influenciado pelo comunismo soviético. A partir do financiamento de armamentos, munições, treinamentos e táticas de guerra dos “contras”, um grupo armado de direita contrário ao regime vigente na época, os Estados Unidos contribuía com a desestabilização do país.
No dia 9 de abril de 1984, a Nicarágua processou os EUA perante a CIJ, sendo que a base jurídica utilizada pelo país da América Central foi a violação das obrigações contidas na Carta da ONU, mais especificamente seu artigo 2°, que afirma “Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas”.
 Ainda houveram violações à tratados bilaterais assinados entre os países, como o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, concluído em Manágua no ano de 1956. Seu artigo XXIV, artigo 2°, dispõe que “qualquer disputa que venha a ocorrer entre as partes, quanto à interpretação ou à aplicação do presente Tratado e que não puder ser solucionada de uma maneira satisfatória pela via diplomática será levada perante a Corte Internacional de Justiça, a menos que as partes concordem em solucioná-la por outros meios pacíficos”.

Eles ainda argumentam que sua soberania foi violada por conta de ataques armados, invasão de suas águas territoriais e espaço aéreo e utilização de intensa propaganda contra os revolucionários, intimidando-os e coagindo-os. 

Adotando como base o livro de Francisco Rezek, na abordagem sobre soberania, o autor argumenta que a mesma se trata de: "como atributo fundamental do Estado, a soberania o faz titular de competências que, precisamente porque existe uma ordem jurídica internacional, não são ilimitadas; mas nenhuma outra entidade as possui superiores" e "Ela é hoje uma afirmação do direito internacional positivo, no mais alto nível de seus textos convencionais." Ou seja, todo Estado é dotado (e tem o direito) de soberania no Sistema Internacional, visto que não há uma ordem superior no mesmo.

Porém, a violação da soberania de um Estado em relação a outro pode gerar um atrito entre ambos a partir do momento em que os respectivos interesses de cada um entram em conflito, colocando em risco as relações entre os mesmos, como acordos diplomáticos e até mesmo o reconhecimento mútuo perante o cenário internacional.

O presente caso também trouxe à tona discussões acerca da Cláusula facultativa de jurisdição obrigatória. Segundo Francisco Rezek, “esta cláusula, agregada ao Estatuto da Corte desde o início de sua primeira fase, é de aceitação facultativa: pode o Estado ser membro das Nações Unidas e parte no Estatuto, preferindo, contudo, não firmá-la. Seus signatários se obrigam por antecipação a aceitar a jurisdição da Corte sempre que demandados por Estado também comprometido com a cláusula — o que vale dizer, em base de reciprocidade”.

Foi a partir da controvérsia com a Nicarágua que os EUA, curiosamente, iniciaram ressalvas em relação à cláusula: sua aceitação da autoridade da Corte não se aplicaria a conflitos com países da América Central. Hoje em dia, já fora da cláusula, os EUA a repudiam por inteiro. 

Apesar de contestada pelo país réu, a Corte afirmou sua jurisdição. Já em 1984, os EUA abandonam o processo. A sentença foi promulgada dois anos após o mesmo, em que a decisão da CIJ consistia em decisão favorável à Nicarágua. Aceitando as acusações referentes às violações da soberania nicaraguense, houve intensas alterações nos princípios jurídicos de não intervenção e o não uso da força. Após tal caso, a Corte Internacional de Justiça reafirmou o princípio de solução de controvérsias por caminhos pacíficos.


Referências Bibliográficas:
REZEK, Francisco. Direito Internacional público – Curso elementar, 16° edição. Saraiva, 2016
RONALDO, Pablo. A legítima defesa como exceção ao uso unilateral da força: o caso das atividades militares e paramilitares na Nicarágua. UFF, 2015.
ORLANDO, Fredys. A Corte Internacional de Justiça e o caso Estados Unidos x Nicarágua. Brasília, 1995.


[1] ICJ, Summary of Judgments, Judgment of 27 June 1986 – Case concerning military and paramilitary activities in and against Nicaragua” (Nicaragua v. United States of America).

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