Por Maria Eduarda Siqueira*
A teoria dos Jogos de Dois Níveis, desenvolvida por Robert
Putnam em meados dos anos 1980, apresentou um modelo político de resolução de
conflitos internacionais entre democracias liberais. O objetivo do modelo
apresentado por Putnam era analisar situações políticas caracterizadas pelas
pressões provenientes das esferas internacional e nacional, uma vez que:
“É infrutífero debater se a política
doméstica realmente determina as relações internacionais ou se é o inverso. A
resposta para essa questão é clara: ‘Algumas vezes uma influencia a outra’ ”
[PUTNAM, 2010, p.147]
Seu modelo de análise descreve os níveis interno e externo,
como um ambiente no qual, no nível II, da esfera doméstica, os grupos perseguem
seu interesse pressionando o governo a adotar políticas favoráveis aos mesmos,
enquanto os atores políticos buscam o poder angariando apoio entre tais grupos.
No nível I, da esfera internacional, os governos nacionais buscam maximizar sua
capacidade de satisfazer as pressões domésticas, enquanto minimizam as
consequências adversas do ambiente externo (PUTNAM, 2010, p.151).
Dessa forma, é denominado Jogos de Dois Níveis a ideia de que
um corpo político joga, simultaneamente, dois jogos: um na arena interna e
outro na arena externa, e nenhum deles pode ser ignorado. Apesar de parecerem
contraditórios, existem grandes vantagens para que haja coerência entre ambos e
as mesmas são lembradas por Snyder e Diesing ao afirmarem que a previsão sobre
resultados internacionais melhora significativamente ao se compreender as
barganhas internas. (SNYDER & DIESING, 1977, p.510-525).
Neste contexto, é possível analisar o movimento BREXIT (união
das palavras Britain, Grã-Bretanha, e exit, saída) que se desenvolve no Reino
Unido com relação a sua saída da União Europeia desde meados de 2015, mas é
datado como um conflito histórico.
O Reino Unido, finalmente, ingressou na União Europeia em
1973 após uma série de tentativas. Sua entrada oficial teve de ser aprovada
pelos países já membros e foi possível somente após o afastamento de Charles de
Gaulle como estadista francês. Contraditoriamente, mesmo após o árduo ingresso
na União Europeia, o Reino Unido não adotou algumas das principais medidas do
bloco, como o uso do euro. Por esse histórico de conflitos e a não adoção total
dos princípios do bloco econômico, somado ao posicionamento geográfico do Reino
Unido, parte de sua população sempre apoiou a saída dos países da União
Europeia e, em outras palavras, parte de sua população na época não aceitou a
entrada dos países na União Europeia.
Com vista a esse cenário, se faz necessário uma análise de
David Cameron e seu governo que acreditava ser possível mudar a relação do
Reino Unido com a União Europeia. Grande defensor do bloco econômico e da
participação dos países nesse, o governo de Cameron, foi marcado por uma
política multilateralista que visava grande participação e cooperação do Reino
Unido no cenário internacional.
Voltando a análise de Putnam sobre os Jogos de Dois Níveis,
Cameron era visto como líder ou negociador-chefe - que não deve ter
preferências políticas independentes e sim buscar encontrar um entendimento que
será atrativo para suas bases, no caso, agrupando os níveis I e II. (PUTNAM,
2010, p. 153). Como promessa de campanha, foi realizado em 23 de junho de 2016
um referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia onde 52% dos
votos foram favoráveis à saída do RU do bloco econômico, tendo as pequenas ou
médias cidades e as regiões dominadas por ingleses e galeses como regiões com
maior porcentagem de votos pró BREXIT.
Dessa forma fez-se valer do que foi dito por Putnam onde
algumas ratificações poderiam envolver processos formais de votação no nível II
ou qualquer processo decisório que seja necessário para endossar ou implementar
um acordo formal ou informal do nível I. (PUTNAM, 2010, p. 153). Apesar da
votação ter acontecido com 43 anos de atraso, ela ainda assim representa a
vontade da população em não fazer parte do bloco econômico e representa também
a eclosão da pressão interna pela saída reprimida durante tantos anos.
Permanecendo a análise do referendo pró BREXIT, é importante
trazer à tona o conceito de win-set, ou conjunto de vitórias, estabelecido por
Putnam que já ressaltava que os conjuntos de vitórias do nível II são muito
importantes para estender-se aos acordos do nível I e que as preferências e
coalizões do nível II afetam diretamente o tamanho do conjunto de vitórias
(PUTNAM, 2010, p.154-157). No cenário em questão, a vitória do referendo a
favor da saída do Reino Unido demonstra que, apesar da longa permanência dos
países no bloco, a preferência da população/opinião pública fez com que, anos
após o acordo, o mesmo não fosse mais aceito e tivesse que ser contestado.
Segundo Putnam, a credibilidade (e, portanto, a capacidade de
obter acordos) no nível I é acentuada pela capacidade comprovada do negociador
em “executar” no nível II. (WINHAM, 1980, p.377-397; 1986). Dessa forma, o
negociador, após não ser capaz de executar o prometido em nível nacional,
renuncia ao cargo alegando que “Os britânicos votaram pela saída (da União
Europeia) e sua vontade deve ser respeitada”. Com a aceitação do pedido de
renúncia de David Cameron por parte da rainha Elizabeth II, assumiu o cargo de
primeira-ministra do Reino Unido a conservadora Theresa May, em 13 de julho de
2016.
Diferentemente da política que até então guiava o Reino Unido
no cenário internacional, May liderou um governo voltado ao unilateralismo onde
o foco central de suas ações deixava de ser a participação no cenário
internacional e visou proteger os países sob sua liderança em um contexto
principalmente econômico e político. Em suas primeiras falas oficiais após
assumir o cargo, May garante a construção de “[...] um novo papel (do Reino
Unido) audacioso e positivo no mundo”, além de prometer a proteção à união do
Reino Unido.
Dessa forma, May, uma conservadora determinada a defender o Projeto do
BREXIT, na tentativa de responder às expectativas da população, apresentou um
governo oposto ao último observado, com credibilidade e capaz de sobrepor as
vitórias esperadas no cenário nacional e internacional. Entretanto, suas
expectativa, e por consequência as expectativas da população britânica, não
foram atingidas e o resultado foi um governo desorganizado, com inúmeras brigas
internas e que, mais uma vez, não apresentou o prometido.
Marcada para o da 29 de março de 2019, a saída do Reino Unido
da União Europeia não aconteceu. Após a tentativa de um novo acordo com o
Bloco, o que levaria a um segundo referendo interno, e a intensa pressão do
Partido Conservador, May anunciou no dia 24 de maio sua renúncia ao cargo de
Primeira Ministra, com água nos olhos combinando com a típica garoa em uma
manhã cinzenta de Londres.
Enquanto seu sucessor não é definido, resta a dúvida de quem
assumirá o Reino Unido e se, diferente de Cameron e May, o escolhido será
alguém capaz de cumprir com o prometido ou se será mais um a tornar a
tradicional política inglesa em uma balbúrdia. E até que o novo Primeiro
Ministro seja anunciado, a chuva continuará caindo em Londres na esperança de
que não caia dos olhos do seu povo.
Referências
PUTNAM, Robert. Diplomacia e Política Doméstica: A Lógica dos
Jogos de Dois Níveis (PDF). Disponível em:
www.redalyc.org/html/238/23816091010/ . Acesso em 08 de abril de 2018.
*Maria Eduarda Siqueira é acadêmica do sétimo período de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA.
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