sexta-feira, 3 de maio de 2019

Redes e Poder no Sistema Internacional: O projeto de geopolítca(s) da Ditadura Militar no Brasil


A seção "Redes e Poder no Sistema Internacional" é produzida pelos integrantes do Grupo de Pesquisa Redes e Poder no Sistema Internacional (RPSI), que desenvolve no ano de 2018 o projeto "Redes da guerra e a guerra em rede" no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca compreender o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a relação na atualidade entre guerra, discurso, controle, violência institucionalizada ou não e poder. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.


O projeto de geopolítica(s) da Ditadura Militar no Brasil: a circulação e a contenção discursivas como fontes de legitimidade do regime

Tiago Viesba *

A ideia da circulação, ou seja, o movimento no espaço de determinados elementos, pode ser percebida a partir do apontamento de quais ou por meio de quais elementos que permitem essa conexão, sejam estes materiais ou imateriais. Mas, ao mesmo tempo, a contenção ou o ato de impedir o movimento desses elementos também pode ser entendido como o outro lado dessas relações.

Ao se pensar essas lógicas de permissão ou não da circulação, pode-se apontar como estas questões encontram-se permeadas por relações de poder. Ao contextualizarmos o movimento das coisas dentro da lógica de soberania do Estado Moderno, ou seja, dessa instituição politica que impõe e busca sua manutenção de existência numa realidade política, social ou econômica, a circulação ou contenção de bens materiais ou de ideias deve ser percebida como de fato uma forma de exercer essa soberania. Dizer o que pode ou não se movimentar ao longo do território faz parte de um projeto maior, no que se refere ao Estado westfaliano, uma instituição tipicamente territorial.

Durante o período da Ditadura Militar Brasileira (1964-1984), por meio dos chamados dispositivos de segurança, o Estado de uma forma ou de outra buscou a imposição de sua norma. Seja de forma jurídica ou pelo uso da violência, buscou formatar o funcionamento do território como um todo, sendo isso mais visível nas regiões ou atividades consideradas, pelos militares, como mais estratégicos para a manutenção do regime e de uma determinada ordem. 

Para tanto, os discursos propagados pelo governo eram marcados pela tentativa da construção de uma imagem político-social da realidade brasileira. Ideias como o desenvolvimento e modernização com segurança e controle eram a base de legitimação do regime. Essa circulação de discursos justificadores, conhecidos também como razoamentos, representou, na construção de seu ideário e disseminação, um dos elementos fundadores das estratégias de manipulação e controle, além de ser um dos índices da própria modernização e desenvolvimento que os militares apregoavam para propagar o mito do Brasil Grande.

A produção de imagens políticas (quer na cinematografia, na profusão do fotojornalismo, quer na disseminação da TV, no volume de cartazes, na construção das cidades e seus ícones) tornou-se emblemáticas da modernização autoritária. Essas mesmas variedades de canais de comunicação e multiplicidade de registros sob a égide da propaganda/censura ou da circulação/contenção, demonstram como esse Estado policial buscava, através da permissão do movimento de determinados discursos, uma construção de legitimidade e aceitação do regime por parte da população.

Um dos grandes paradoxos desse momento pode ser apontado como o próprio uso da censura e do investimento estatal no controle e manipulação da informação que circulava durante o regime. Na tentativa de informar as classes sociais para se envolverem nos projetos ou de e camuflar/negar o que ocorria nos chamados “porões da ditadura”, nada mais pode ser apontado como essas imbricações de relações de poder que tanto buscam evidenciar, anunciar e propagar, como esconder, diminuir e apagar.

A Ditadura se valia de quaisquer meios para atingir seus objetivos que apontavam na propaganda como sendo os da nação como representação máxima das necessidades e potencialidades da brasilidade, de sua segurança e perspectivas de desenvolvimento harmônico. O intruso, o desleal, o contrário, aquele que representava o fator de desagregação deveria ser extirpado e aniquilado. Assim, estar contrário ao regime era ser de antemão antipatriota, entreguista, a favor de ideologias e paradigmas que não diziam respeito à trajetória histórica e aos interesses do país.

Portanto, deveriam estar fora do cenário político e social, não eram cidadãos, mas sim criminosos, os tão propalados subversivos, que mereciam todas as formas discricionárias de tratamento. A bandeira do banimento/abandono do solo pátrio foi uma justificativa para o assassinato e perpetuação dos aparatos repressivos e da ostensiva ação militar no controle dos movimentos sociais populares e de resistência. Um canal de comunicação muito utilizado pela Ditadura no recrudescimento foi à produção de cartazes com os procurados, com os chamados inimigos da ordem. Inúmeros foram esses cartazes e vários os locais de sua ostentação. Os aeroportos eram lugares privilegiados para a sua exibição, apontando as portas de saída do país como elementos expressivos no controle dos movimentos internos.

Assim, entende-se como a permissão da circulação dos discursos pró-regime e, ao mesmo tempo, o uso da censura sobre ideias revolucionárias, estão inseridos em projetos maiores da manutenção e capacidade ou não de falar sobre a realidade político-social do país. Uma vez que a soberania pode ser analisada sobre a ótica de como é exercida, o projeto geopolítico do período dos militares representou a formação de políticas publicas no sentido de securitizar determinados temas e possibilidade a manutenção do status quo, a partir da movimentação ou não das ideias.


* Tiago Viesba é acadêmico do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e pesquisador do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".

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