Artigo
apresentado na disciplina de Análise de Política Externa e Relações
Internacionais, ministrado pela Profa Dra Janiffer Zarpelon, do curso de
Relações Internacionais do Unicuritiba. As opiniões apresentadas no artigo não
representam a visão da instituição.
* Letícia Vargeniak
1. GOVERNOS
ANTERIORES À ALLENDE
Após a divisão dos partidos de esquerda na década de 50, onde uma ala
passou a apoiar Carlos Ibánez – coronel do exército chileno que havia governado
o país após um breve golpe militar em setembro de 1924, que abriu as portas
para os demais golpes – e outra Salvador Allende, o Chile enfrentou um
fortalecimento teórico dos ideias de esquerda nas academias e um
enfraquecimento prático tremendo, que culminou na eleição de Ibánez, após
retornar do exílio, em um governo que perdeu força ao final do exercício, no
ano de 1958, e posteriormente o de um presidente de direita.
Sucessor de Ibánez, Jorge Alessandri propôs e instituiu um inicial
governo tecnocrata. Porém, após o terremoto de maio de 1960, o mais forte já
registrado na história chilena, o país viu-se obrigado a aceitar a “ajuda” de
reconstrução oferecida pelos Estados Unidos no governo de Kennedy sob a falsa
bandeira principiológica do plano “The Alliance for Progress” (A
Aliança para o Progresso) que, entre outros, era um freio elaborado pelo
governo estadunidense aos países da América Latina para conter possíveis
efeitos secundários da revolução cubana.
Em 1961, Alessandri perdeu cadeiras no congresso e
precisou modificar o então governo tecnocrata para um essencialmente político,
na esperança de sobreviver ao termino da legislatura. Porém, após apresentar um
projeto de lei de reforma constitucional, supostamente em atenção às políticas
exigidas pelos Estados Unidos em razão do acordo Aliança para o Progresso, perdeu
o apoio do próprio partido, que passou a apoiar outro candidato para as
eleições de 1964.
2. INTERFERÊNCIA
NORTEAMERICANA NA POLÍTICA DOMÉSTICA CHILENA
O Chile foi o experimento que se
desse certo seria apresentado ao mundo como sucesso capitalista em oposição à
ideais socialistas. Em razão disto, a campanha de 1964 foi fortemente
financiada pela CIA (Central Intelligence
Agency) sem que, verdadeiramente, os candidatos favoritos soubessem, como
ficou demonstrado por documentos revelados posteriormente pela agência[1].
O opositor de Salvador Allende, Eduardo Frei Montalva, foi eleito graças ao
financiamento positivo de sua campanha e o negativo à campanha de Allende.
Na década de 1960, no auge
da guerra fria, o mundo estava dividido entre URSS e EUA, devido,
principalmente, aos últimos grandes avanços tecnológicos e aeroespaciais. Ambos
os países buscavam Estados “apoiadores” através de seus imperialismos ideológicos
para criarem uma grande política de alianças. De um lado criou-se a NATO (North
Atlantic Treaty Organization; em
português, OTAN, Organização do Tratado do
Atlântico Norte), pacto militar com intenção de frear o
avanço pós-guerra da URSS na Europa, do outro, a OVD (Organizatsiya Varshavskogo Dogovora; em
português, Pacto ou Tratado de Varsóvia[2]), que objetivou a união, primordialmente militar, dos
países socialistas do leste europeu. A América Latina não ficou fora disso, e o
Chile foi usado como um laboratório para o fomento de novas práticas
econômicas.
3. VIA CHILENA PARA O
SOCIALISMO
Porém, toda a manipulação externa do bloco ocidental
não foi suficiente. Em razão da superficialidade das medidas que foram tomadas
em seu mandato, houve também, e novamente, uma divisão partidária da própria
base governamental. As alas mais pobres e populares do então Partido Democrata
Cristão foram seduzidos pela proposta da “via
chilena para o socialismo”.
Em três de novembro de 1970,
com 36,6% dos votos, Salvador Allende, membro do Partido Comunista Chileno,
toma posse da presidência apoiado pela coalizão Unidade Popular. ‘’Queremos
construir o socialismo com democracia e liberdade, com sabor de vinho tinto e
cheiro de empanada”, disse Allende, o qual defendeu uma revolução socialista
por meio de mudanças profundas no sistema econômico, social e político do país
e da América Latina sem revolução armada. Foi o que fez. E assim, começou a
ganhar a simpatia de países vizinhos.
O seu plano de governo era
baseado em três pilares principais: a) nacionalização de riquezas e estatização
de meios de produção b) maior participação na política por parte dos
trabalhadores e c) a implantação do Estado Popular.
Em 1971
nacionalizou o principal produto exportado chileno, o cobre, e fez disso
sinônimo da ‘dignidade nacional’; expropriou cem milhões de hectares de terra
acelerando assim o processo da reforma agrária; aumentou os salários e congelou
os preços das mercadorias. Nas palavras de Gilberto Maringoni: ‘‘foi o primeiro
governo da história do Chile que contou com a participação de quatro ministros
operários, três comunistas e um socialista. A direita não tolerou isso”[3].
A introdução de um sistema
participativo, a nacionalização de matérias primas e a estatização de setores
importantes da economia possibilitaram a introdução, entre outros, de temas
próprios da agenda internacional socialista na gestão industrial. A aproximação
da direção para com os trabalhadores gerou além de aumentos salariais, novas
formas de organização e atuação política e um crescimento considerável na
economia, até 1972, quando o país enfrentou novas crises político-econômicas
que vieram abalar o governo de Allende.
4. NOVAS INTERFERÊNCIAS
ESTADUNIDENSES
Os Estados Unidos adotaram
uma medida rígida de não aceitação de ideais socialistas na América Latina após
a Revolução Cubana, e foi a partir disso que o mandato de Allende começou a ser
(extraoficialmente) sabotado.
Por meio de sanções
econômicas e apoio secreto da CIA a grupos internos de resistência, o governo
de Allende começou a ruir. O principal grupo opositor era o de extrema direita
autoritário e paramilitar Frente Nacionalista Patria y Libertad que
ficou conhecido por praticar atos terroristas contra o governo de
Allende. A CIA ainda financiou greves e manifestações em setores estratégicos
como a greve dos Caminhoneiros em 1972, para desestabilizar de vez a economia
chilena. E foi assim que a inflação do país, em dezembro de 1973, segundo a
agencia europeia inflation.eu, chegou a 508,03%.
Em
meio a esta crise e sendo parte integrante dela, “criou-se no Chile” uma Junta
Militar comandada por Pinochet e fortemente apoiada, financiada e dirigida
pelos Estados Unidos que tomou o poder por meio de um golpe de Estado puro e
televisionado em 11 de setembro de 1973, com a intenção primordial da retomada das
políticas econômicas de cunho capitalista e, também, para tentar impedir o
fortalecimento de correntes de esquerda no sul da América.
Assim, como em
matéria política, economicamente, e não poderia ser diferente, a junta militar
governada por Pinochet foi dirigida pelos americanos do “Chicago Boys”. Grande
parte das empresas nacionalizadas no governo Allende foram privatizadas, como
mencionado anteriormente, em razão do status de “laboratório” de políticas econômicas
neoliberais que era o Chile naquele momento. Apesar de tudo, todos os campos do
sistema político estatal falharam miseravelmente, com a exceção da economia,
que, até hoje, é bandeira levantada pelos saudosistas apoiadores da ditadura
militar chilena.
5.
A TEORIA DOS JOGOS DE DOIS NÍVEIS
A teoria dos jogos
de dois níveis cunhada por Robert Putnam busca entender e analisar as relações
de poder num dado período através de dois parâmetros, o nacional e o
internacional. Putnam tenta entender, assim, o complexo jogo que envolve as
relações internacionais. O primeiro nível, segundo o autor, diz respeito ao
nível internacional enquanto o segundo, o nível nacional ou doméstico, tendo os
dois níveis igual importância.
Putnam descreve a
estrutura de ganhos esperados como Win-set.
Quanto mais concordância entre os dois níveis, menos negociações os agentes
terão que fazer, ou seja, a probabilidade de ratificação de acordos é maior; a
isso, Putnam chama de Win-set maior.
Por outro lado, quando há pouca concordância ou nenhuma entre as partes, diz-se
Win-set menor. A distribuição de
poder entre as instituições políticas do nível nacional e as estratégias dos
agentes no nível internacional são determinantes para o Win-set. Há também a possibilidade de haver concordância entre o
nível 1 e 2, gerando assim uma outra modalidade de Win-set
"interativo" e não somente delimitado pela abrangência
político-geográfica.
5.1
Nível Internacional (Nível 1)
Analisando o
governo de Allende no nível internacional, percebe-se que o cenário foi
complexo, pois, como supramencionado, o mundo estava vivendo um dos períodos
mais intensos da Guerra Fria. Ainda que
aliado informalmente aos aliados do Pacto de Varsóvia, a América Latina, longe
do bloco soviético, sofria intervenções norte americanas não somente de cunho
econômico.
Devido à forte
polarização da época, as negociações, para não dizer impossíveis, eram muito
difíceis, pois, ou a nação se alinhava com Estados Unidos, ou com a URSS, sem
haver margem para acordos fáceis para além disso.
Por ter implantado
um governo de viés socialista através do voto e sem violência o governante
chileno ganhou o prêmio Lênin da paz, da União Soviética. Como ideologicamente
Salvador Allende alinhou-se com o bloco soviético, também, personalidades como
Fidel Castro, eram de comum visita ao país.
Em razão dessas
visitas, alianças e inclinações, não havia possibilidade de negociações com o
bloco capitalista americano. Ou seja, devido a situação, o Win-set era pequeno
pois não era fácil conseguir dialogar com países de fora do bloco comunista.
5.2
Nível Doméstico (Nível 2)
No nível doméstico
as circunstâncias também não eram favoráveis. O exército estava cooptado aos
interesses dos Estados Unidos e recebendo apoio financeiro da CIA. No Chile, as
Forças Armadas receberam um auxílio de 45 milhões de dólares do Pentágono. Além
disso, mais de 4 mil oficiais do Exército chileno foram treinados pelos Estados
Unidos e este mantinha mais de 40 agentes da CIA infiltrados no movimento de
oposição à Allende. Ademais, havia o grupo de oposição que crescia no
país, a Frente Nacionalista Patria y
Libertad.
Allende ainda possuía grande apoio popular em
razão das suas propostas e forte proximidade com influenciadores da época, como
Pablo Neruda (Nobel da literatura de 1971), orgulho nacional, era, além de mal
visto pelos sabotadores estadunidenses, um dos seus melhores amigos. Porém, tal
fato não ajudou a equilibrar as oposições no poder.
Em virtude disso, o Win-set doméstico também era pequeno, pois, as divergências entre
as instituições políticas eram diversas e devido a intervenção norte americana
a estrutura do governo de Allende estava prejudicada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme descrito nos tópicos anteriores, a
evolução da política chilena até a eleição de Salvador Allende foi turbulenta.
As crises estruturais e intervencionismos internacionais culminaram no
previsível, assim como ocorreu em quase toda a América Latina, golpe de 11 de
setembro, que resultou no suicídio de Allende (com a espingarda que recebeu de
seu amigo Fidel Castro) durante o bombardeiro do Palácio da Moeda, sua residência
e também sede do governo.
Internamente, não havia possibilidade de
negociações que não fossem submissões aos interesses estadunidenses. Pois,
conforme mencionado, tanto o exército como o parlamento havia fortes ligações
com o bloco ocidental. As tentativas de revoluções nas bases sociais e
econômicas foram quase todas revogadas após o golpe.
Externamente, o cenário era pior. Em meio à
Guerra Fria não havia palco para barganha e/ou negociações. Aqueles que não
alinhavam-se com o ocidente sofriam boicotes econômicos ou políticos dele, além
de tornarem-se, ideologicamente, alvos iminentes de intervenções de todos os
graus. O contrário não era verdade, porém, a presença de agitadores e agentes
infiltrados nos governos “pró-Ocidente” eram bastantes comuns.
A previsibilidade do golpe deu-se,
justamente, pelo quadro desolador de apoio interno e externo que Allende
possuía em seu governo. Os Win-sets menores asfixiaram doméstica e
internacionalmente o país, até propriamente o colapso das estruturas
político-sociais, que encerraram em uma ditadura sanguinária por vários anos.
REFERÊNCIAS
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Salvador Allende. Movimento, 2018. Disponível em: <https://movimentorevista.com.br/2018/09/influencia-dos-agentes-externos-na-queda-de-salvador-allende/>. Acesso em: 25 de março de 2018.
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Jorge. O Chile de Allende: uma tentativa de política internacional
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* Letícia
Vargeniak é estudante do curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA.
[1] Disponível em: <https://foia.state.gov/searchapp/DOCUMENTS/PCIA3/00009AA3.pdf> Acesso em: 25 de março de 2018.
[2] Disponível em: <http://treaties.un.org/doc/Publication/UNTS/Volume%20219/volume-219-I-2962-Other.pdf> Acesso em: 25 de março de 2018.
[3] Disponível em: <https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/-A-direita-e-os-EUA-nao-queriam-um-socialismo-com-democracia-no-Chile-Seria-contagioso-/6/28567> Acesso em: 25 de março de 2018.
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