Por Manuela Paola*
A crise na Venezuela toma
proporções catastróficas. Todos os dias, milhares de venezuelanos procuram
abrigo nos países vizinhos, fugindo da fome - que fez 64% dos venezuelanos
perderem 11 kg em um ano - e das condições precárias de vida que se instalaram
no país.
Três milhões de pessoas já
deixaram a Venezuela, de acordo com a ACNUR. O desemprego atingiu a marca de
38% e a porcentagem de trabalhadores que recebem menos de US$3,10 por dia é de
15,9%. O Fundo Monetário Internacional previu uma inflação de 10.000.000% em
2019. Os números nos ajudam a entender a realidade, apesar de serem
assustadores.
Mas como e por que a Venezuela vive uma das maiores crises da história?
O governo venezuelano acostumou-se
a ver no seu petróleo (a maior reserva do mundo) sua principal fonte econômica.
Desde de que Juan Vicente Goméz, que governou de 1908 a 1935, começou a
explorar as reservas de petróleo, a economia da Venezuela passou a depender
quase que exclusivamente desse material. Durante o governo de Carlos Andrés Perez(1974-1989),
isso foi muito positivo. Com a Crise do Petróleo de 1970 e o aumento no preço
dos barris, a economia venezuelana prosperou. No entanto, no segundo mandato de
Perez, aconteceram novas crises, que diminuíram o preço dos barris,
prejudicando o país. O então presidente tomou uma série de medidas de caráter
liberal, que acabou por desagradar o povo. Aconteceu, então, o Caracazo: uma série de manifestações
contra o governo, que se tornaram violentas.
Hugo Chávez encontrou na situação
sua chance de dar um golpe de Estado e tomar o poder. Nessa tentativa, Chávez
foi preso; quando solto, concorreu às eleições e venceu. A dependência do
petróleo não se modificou: a economia não se diversificou para dar espaço a
outros tipos de exportação. Enquanto o preço dos barris estava em alta, isso
não foi um problema. O país continuava lucrando com a exportação. Porém, nessa
época a crise política que se predomina até hoje começou a tomar forma. Em
2002, o presidente Chávez sofreu uma tentativa de golpe. Um dos motivos para
essa tentativa foi a criação da Lei Habilitante, que concedia poderes
extraordinários ao presidente, ou seja, ele poderia legislar sem precisar da
aprovação do próprio Poder Legislativo. A partir disso, a oposição fez diversas
tentativas de tomar o poder novamente, mas sem sucesso. Em 2006, Chávez foi
reeleito, porém houveram denúncias de que a eleição tinha sido fraudulenta. A
oposição começa a se fortalecer e fazer barulho contra o governo vigente.
Apesar disso, Chávez conseguiu
cumprir algumas de suas promessas de campanha: reduziu a pobreza e realizou a
distribuição de renda. Porém, para conseguir cumprir tais promessas, a moeda
teve de ser desvalorizada, o que causou dificuldades na compra de produtos para
necessidades básicas. Em 2012, o presidente Chávez foi reeleito, mas com seu
falecimento em 2013, Nicolás Maduro, vice-presidente, assumiu o poder de um
governo já fragilizado e em crise econômica e política.
Em 2014, o preço do barril de
petróleo caiu novamente. Por esse motivo, a Venezuela passou a produzir menos
dessa commodity: consequentemente, a receita do país diminuiu, por conta da sua
grande dependência do petróleo. Assim, a inflação passou a ser controlada
artificialmente para que o povo pudesse comprar, e somada com a desvalorização
da moeda, esta decisão apenas prejudicou o povo venezuelano, impedindo-os de
comprar produtos importados para necessidades básicas. Uma dívida externa
começa a se formar; a inflação cresce em disparada; a liberdade de expressão é
limitada; há desabastecimentos dos mercados, que forçam o aparecimento de
mercados negros. A crise, definitivamente, se instala. Em 2017, Maduro convocou
eleições para uma Assembleia Constituinte, responsável por elaborar uma nova
Constituição para o país. Essa convocação não agradou à oposição, que decidiu
fazer um plebiscito para saber a opinião do povo. No entanto, Maduro não recuou
e a eleição aconteceu normalmente, levando a crítica de que muitos dos eleitos
eram apoiadores de Maduro.
As eleições de 2018, que elegeram
novamente Maduro, foram consideradas por muitos Estados, inclusive o Brasil,
como fraudulentas. A posse de Nicolás Maduro no começo de 2019 esfriou
consideravelmente as relações com diversos países, como Estados Unidos, que até
então era seu maior comprador de petróleo, mas a partir de 2013 começou a impor
sanções econômicas ao país.
Outro fator que catalisou a
ruptura das relações entre determinados países, como o Brasil e diversos países
da Europa, foi a auto-proclamação de Juan Guaidó como presidente interino da
Venezuela, que até então era presidente da Assembleia Nacional, o único órgão
controlado pela oposição. Estados Unidos, Brasil, Canadá e mais outros 21
países reconhecem Guaidó como presidente interino do país. Do outro lado,
países como Rússia, China e Cuba reconhecem Maduro como legítimo presidente.
Na última semana de abril, Juan
Guaidó tentou um levante contra Nicolás Maduro. O autoproclamado presidente
teve o apoio de um grupo de militares e libertou de sua prisão domiciliar
Leopoldo Lopéz, também da oposição. Mas sem apoio militar suficiente e com a
grande parte do exército do lado de Maduro, a tentativa falhou. Maduro, para
mostrar quem estava do seu lado, fez uma marcha por Caracas ao lado do
exército.
O QUE DIZEM NOSSOS PROFESSORES:
A cada dia que passa, as tensões
na Venezuela aumentam, assim como na esfera internacional. É complexo prever
qual o passo seguinte dos dois líderes do país. Qual seria a melhor opção para a Venezuela, tendo em vista
as cartas que estão na mesa?
A professora de Teoria das
Relações Internacionais do UNICURITIBA, Janiffer Zapelon, respondeu à essa
pergunta: “Não existe solução ou opção fácil para resolver problemas
de instabilidade política, de crise econômica e/ou de crise humanitária. No
entanto, não acho que os problemas no país serão resolvidos retirando Maduro do
poder da forma como se tem proposto. Vivemos numa realidade bastante difícil,
diferente do que vimos na América Latina no início do século XXI em que se
defendia a priorização da Cooperação Sul-Sul. Assim, umas das opções seria que
os países da América do Sul, visando a estabilidade e o fortalecimento da união
e integração da região, auxiliassem a Venezuela buscando negociar de forma
pacífica um auxílio econômico, político e principalmente humanitário. No
entanto, o que nós vemos hoje na região é a desintegração e a forte
interferência dos Estados Unidos que busca retomar seu poder e liderança com os
países da América Latina. Defendo também que seria importante a redução das
medidas autoritárias no país e o aprofundamento democrático, mas sem
interferência dos Estados Unidos, algo bastante difícil no momento”.
Sobre os impactos políticos em relação à
continuação de Maduro no poder, a
professora ressaltou o fato da economia venezuelana depender fortemente
do seu petróleo, que, por sua vez, depende do preço dos barris. “Quando o preço do petróleo baixou, passou a ocorrer uma crise econômica
no país. Com o aumento das críticas ao governo Maduro, as tensões políticas se
agravam. Verificamos que quando um governo vai reduzindo sua legitimidade
política, que representa sua soberania doméstica segundo Stephen Krasner, este
passa a adotar medidas cada vez mais autoritárias a fim de se sustentar no
poder. Assim, devido ao debate interno no país, a tendência é que Maduro não
flexibilize suas decisões políticas.”
Sendo o Brasil parte do BRICS, o
professor de História Econômica Carlos Magno foi perguntado se há impacto no
agrupamento econômico com o apoio do Brasil a Guaídó. “Talvez. Rússia, Índia, China e África do Sul têm se mostrado solidários
ao Governo de Maduro. O Brasil quebraria a unanimidade política do BRICS em
relação à Venezuela. O país começaria a parecer o patinho feio do grupo.
Politicamente, isso não é bom. Principalmente porque o Brasil estaria dando
demonstração de seu alinhamento com os Estados Unidos. Uma consequência
possível seria o esfriamento dos diálogos e, consequentemente, das relações
econômicas (leia-se investimentos) dos demais membros do BRICS em relação ao
Brasil. No contexto atual do capitalismo mundial, penso que o impacto do apoio
do Brasil à Guaidó pode ser negativo para nosso país”.
Andrew Traumann, professor de
História do curso de Relações Internacionais no UNICURITIBA, conseguiu em
poucas palavras, descrever a situação da Venezuela: “Quanto à Venezuela, o que aconteceu foi que durante o boom das
commodities em meados dos anos 2000 com o barril do petróleo atingindo 130
dólares, o presidente Hugo Chávez aumentou e muito os gastos públicos como se
aquele patamar de preços fosse se manter daquela forma por tempo indeterminado.
Porém, com a retração chinesa e o aumento da produção pela Arábia Saudita o
barril despencou para 30 dólares. Some-se a isso a desastrosa política
econômica de Maduro com controle artificial da inflação, priorizar o pagamento
da dívida externa com China e Rússia, o aparelhamento das Forças Armadas, a
repressão a opositores e as sanções econômicas impostas pelos EUA desde o
governo Obama e temos a receita da situação atual”.
Uma das muitas palavras que pode
definir a Venezuela neste delicado momento é imprevisível. Hipóteses sobre a direção que o país seguirá são
formuladas todos os dias por historiadores, cientistas políticos e economistas,
mas a história provou que podemos sempre ser surpreendidos pelas decisões dos
governantes. Nos solidarizar, tanto humana como politicamente, com nossos
vizinhos é essencial para ajudar nessa crise econômica, social e política.
REFERÊNCIAS:
https://exame.abril.com.br/mundo/brasil-foi-avisado-sobre-acao-de-juan-guaido-dias-antes-diz-jornal/
** Manuela Paola é acadêmica do terceiro período de Relações Internacionais do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog Internacionalize-se, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter.
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