quinta-feira, 9 de maio de 2019

Direito Internacional em Foco: Um mar para a Bolívia




Por Amanda Marchiori, Sabrina Ferreira, Juliana Pacheco e Gabriel Morais Santoro**

A Bolívia, hoje, é um país sem acesso ao mar e que, apesar disso, conta com uma força naval em sua estrutura militar. Parece, aos olhos mais desatentos, somente uma estranha coincidência, mas, na verdade, o princípio pelo qual essa situação começou a florescer foi antes mesmo da Guerra do Pacífico, na qual Bolívia, Chile e Peru estiveram envolvidas.
A grande questão começa no final do período colonial na América Latina, quando territórios da América emancipados da metrópole Espanha utilizaram o critério Utis Possidetis para definir suas plagas, o qual entende que: “Aqueles que de fato ocupam o território em questão têm direito sobre ele”.

Adjunto à essa posição de delimitação de fronteiras, os limites que derivaram desse princípio não contavam com a precisão necessária para dividir países, uma vez que o terreno contava com regiões cobertas por florestas densas ou dominadas pelo clima desértico, havendo, também, a possibilidade de tribos guerreiras habitarem certas extensões. Eram, com uma certa frequência, torrões afastados de cidades, nas quais se concentravam o desenvolvimento e a vida cotidiana das colônias. Em suma, as delimitações foram marcadas por erros e falhas, que vieram a resultar em várias disputas ao longo da história.

Nesse cenário, durante os séculos XVI e XVIII, o Chile e o Peru foram colônias adjacentes, ao passo que o Chile sustentava a ideia de que seu território limitava-se somente ao norte com o Vierreinato del Perú. Seguindo essa linha de raciocínio, as constituições primas do Chile compreendiam sob sua jurisdição o deserto do Atacama, compreendendo, por conseguinte, uma faixa de costa marítima.

Para somar na situação, a Real Audiência de Charcas (mais alto tribunal da Coroa Espanhola localizada na Zona conhecida como Alto Peru) não previa nenhuma designação que pudesse ser considerada específica e que esclarecesse os limites da questão chilena. Enquanto isso, do lado boliviano, a Audiência de Charcas abrangia o Distrito de Atacama e o mar adjacente à sua jurisdição, abordando de norte (desde o rio Loa) a sul (Rio Salado), além do paralelo 25.

Em suma, pode-se observar que os limites entre Bolívia e Chile na extensão do deserto do Atacama tiverem uma origem incerta, valendo ressaltar que tais territórios inóspitos, negligenciados por um certo período, ganharam relevante valor por entre as partes depois de descoberto neles salitre, prata e guano.

Na década de 1860, na intenção de proteger carregamentos de guano e explorar minerais na região, o Chile toma fruição do porto de Mejillones, o qual, até então, se via sob jurisdição boliviana. Em resposta, o presidente da Bolívia da época, José Maria de Achá Valiente, não viu outra solução senão solicitar ao Congresso uma votação para a autorização de uma guerra diplomática com o fim de recuperar a enseada invadida.

Tentando resolver essa situação, ambos os países assinaram o Tratado de Limites, em 1866, o qual reconhecia “a antiga questão pendente entre eles” e que visava a “fixação de seus respectivos limites territoriais no deserto do Atacama e sobre a exploração dos depósitos de guano”, já que nos artigos I e II, era estipulado um paralelo como limite entre Chile e Bolívia e designava que os lucros originários da retirada de guano da extensão do litoral do Atacama seria dividido por entre as partes. Contudo, esse esforço somente ajudou para os dois países a formalizarem as dificuldades vividas até então.

A não satisfação plena sobre a questão levou a Bolívia, em 1873, assinar com o Peru o Tratado de Aliança Defensiva, o qual garantia apoio mútuo caso alguma das partes entrasse em um confronto bélico com alguma outra terceira nação, mas, observando o cenário em que se encontravam, entende-se o acordo com o fim de atingir o Chile caso as tensões se agravassem.

A Bolívia, que via a sua situação perante o Chile injusta, também adotou uma medida de taxar empresas chilenas situadas na porção boliviana do Atacama (10 centavos para cada 100kg de Salitre que fossem exportados), o que levou a um novo embate com Santiago, uma vez que este reconhecia o novo imposto como quebra de acordo comercial perante um acordo firmado no ano de 1874, no qual a Bolívia se comprometia a não cobrar novos impostos de empresas chilenas por 25 anos, ou seja, até 1899. Para tanto, a resposta chilena ocorreu militarmente: Uma embarcação chilena impõe um embargo ao porto boliviano e, logo após, promove a invasão.

Com as tensões agravadas, um representante peruano foi até Santiago com o fim de por um fim à invasão, contudo, ele era visto como parcial, uma vez que o Peru detinha um acordo de cooperação militar com a Bolívia, o qual era de conhecimento do Chile, apesar de seu caráter secreto.

As falhas nas tentativas de negociações levaram à Bolívia romper relações diplomáticas com seu vizinho e a declarar estado de guerra, acionando sua aliança com o Peru. Estava declarada a Guerra do Pacífico.

O Chile se mostrava cada vez mais militarmente superior, tanto por terra quanto por água e o conflito se estendeu até a dominação da capital do Peru pelo exército chileno, o que forçou os governos peruano e boliviano a negociarem a rendição

Foram estipulados diferentes acordos com os países, em um dos quais a Bolívia reconheceu a posse do porto que lhe restava (Antofagasta) ao Chile, o que resultou na sua perda  de costa para o Pacífico, ficando, assim, sem saída para o mar.  

Por conseguinte, nos dias de hoje, a falta de acesso ao mar leva a Bolívia a reivindicar à CIJ (Corte Internacional de Justiça) a sua tão desejada afluência. Essa atitude pode ser considerada como um meio do país buscar seus interesses econômicos, com objetivo de obtenção de poder, visto que, atualmente, o país é caracterizado como subdesenvolvido.

Neste contexto, ao analisar Chile e Bolívia, é possível perceber que há grandes diferenças entre os mesmos, sendo que  o Chile, apesar de contar com território menor, possui uma população maior e PIB corresponde a 7,2 vezes quando comparando ao da Bolívia . Vale-se ressaltar que, em quesitos militares, o Chile supera a Bolívia, com 15 mil combatentes a mais em suas forças armadas e um histórico de confrontos repleto de vitórias, por outro lado, o histórico boliviano é marcado por inúmeras derrotas desde sua independência em que perdeu vastos territórios e na Guerra do Pacífico, na qual perdeu sua saída para o mar, resultados esses, também, que tomam formas de consequências seu histórico de grande instabilidade política.

Ademais, os fatores expostos contribuem para atribuição de desvantagem boliviana diante do Chile, visto que ele está à frente da Bolívia em muitos aspectos e se recusa a negociar bilateralmente com o país, dessa forma, tais quesitos fazem com que haja uma busca por parte da Bolívia de condições favoráveis às suas demandas no foro internacional.

Além de seu histórico pós independência, no qual sofreu diversas derrotas, é de suma importância ressaltar que, ao perder a Guerra do Pacífico, a Bolívia perde não somente seu território, no qual há grande presença de nitratos, como salitre e guano (utilizados para criação de fertilizantes e pólvora, elementos importantes para o comércio, que por sua vez, atraiu e atrai diversas empresas chilenas), mas acabou por perder, também, a sua saída para o oceano Pacífico e seu consequente acesso soberano ao mar, fato este que se mostra de extrema relevância ao país, pois, na situação atual, o comércio internacional se mostra comprometido em razão das  dificuldades referente à logística, questões financeiras e outras, dado que, apesar de contar com meios de transporte, como ferrovias e aviões cada vez mais capazes, cerca de 90% do volume, o que representa aproximadamente 70% do valor do comércio mundial, é feito pelo mar.

Portanto, a ausência de acesso ao mar e aos nitratos como salitre e guano, afetou bruscamente o desenvolvimento econômico boliviano. Gary Rodríguez, o então economista e gerente geral do instituto Boliviano Comércio Exterior (IBCE), afirmou à BBC MUNDO que a Bolívia tem perdido a chance de que seu PIB cresça entre 1 e 3 por cento. Também o presidente da confederação de Empresários Privados da Bolívia (CEPB) Ronald Nostas, diz que por não ter saída ao mar o país perde 1.000 milhões de dólares por ano e 2% do PIB. Além disso, as dificuldades burocráticas e custos de importação e exportação dos portos chilenos impedem que a Bolívia cresça 1,5% por ano. Somam-se os atrasos na fronteira, encargos e imposições às cargas, dificuldades de importação e exportação e a escassez de infraestruturas adequadas, que possibilitam um crescimento desigual nos custos do comércio.

Sabe-se que a discussão Chile x Bolívia ganhou um foco ainda maior em 2013, quando o presidente boliviano vigente, Evo Morales, decide levar o caso ao Tribunal de Haia em forma de denúncia, de forma a vitória no caso seria uma ótima vantagem para sua recandidatura.

A discussão perdurou por aproximadamente cinco anos e, diante de muitos argumentos, é interessante que alguns dos mais relevantes sejam citados: Os bolivianos expuseram a forma com que a ausência de um acesso ao mar, e a impossibilidade de firmarem um porto próprio para a prática de importações e exportações afetaram significativamente a economia do país, também salientaram que o Chile havia se comprometido com a negociação, e que seria uma expressão de boa-fé a manutenção desse compromisso. Em contrapartida, o Chile alegou não ter se comprometido a acordar uma saída soberana ao mar, mas sim a escutar e argumentar com a Bolívia e que esse apelo judicial seria uma forma de tentar renegociar o tratado de 1904 – tratado de paz assinado pelos dois países, em que a Bolívia reconhece a posse de todo seu território marítimo ao Chile no final da Guerra do Pacífico, ato que seria vetado pelo Pacto de Bogotá.

Após todos esses anos, foi em outubro de 2018 que a corte expôs seu veredito, negando o acesso soberano ao mar para a Bolívia, ale como exemplo a afirmação que o Chile não possui e jamais possuiu a obrigação de boa-fé de negociar esse assunto, o que está intimamente ligado à pauta principal da decisão que é a seguinte: nenhum dos tratados assinados pelos dois países ao decorrer dos anos determinava a resolução dessa e outras questões internacionais, portanto, tal fato isenta o Chile de qualquer responsabilidade, porém, aconselhou os dois países a continuarem com um diálogo sobre o tema, para que possam manter a “boa vizinhança”, valendo ressaltar que a Corte de Haia também rebateu alguns argumentos bolivianos, como exemplo à afirmação que o Chile não possui e jamais possuiu a obrigação de boa-fé de negociar esse assunto.

Evo Morales, possuía uma excelente perspectiva sobre o assunto, e já falava sobre uma “nova era” para o país, uma vez que uma resposta positiva ao pedido boliviano traria muitos avanços econômicos e um grande potencial de desenvolvimento, além do fato de que uma recandidatura seria praticamente inevitável com essa desejável vitória, porém,  os planos não foram concretizados, e a possibilidade e mudanças tornou-se um tanto quanto utópica.


Referências:
https://veja.abril.com.br/mundo/haia-rejeita-pedido-da-bolivia-sobre-acesso-soberano-ao-mar/
https://brasil.elpais.com/brasil/2014/04/15/internacional/1397577253_116304.html
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43480669
https://guerras.brasilescola.uol.com.br/seculo-xvi-xix/guerra-pacifico.htm
https://www.brasildefato.com.br/2018/10/04/quanto-custa-a-bolivia-a-luta-por-uma-saida-soberana-ao-mar/
https://oglobo.globo.com/mundo/corte-internacional-nega-pleito-da-bolivia-para-obrigar-chile
-negociar-acesso-ao-mar-1-23115534
https://istoe.com.br/ha-140-anos-a-bolivia-perdia-sua-saida-para-o-mar/
https://www.direito.ufmg.br/revista/index.php/revista/article/download/1885/1787
https://www.telesurtv.net/telesuragenda/Como-afecta-a-Bolivia-no-tener-salida-al-mar-20170322-0035.html

**A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais do UNICURITIBA, com a orientação da Profa. Msc. Michele Hastreiter. As opiniões manifestadas no texto pertencem aos autores e não à instituição.  

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