terça-feira, 24 de maio de 2016

Redes e Poder no Sistema Internacional: A utilização das redes virtuais como instrumento de poder


A seção Redes e Poder no Sistema Internacional é produzida por integrantes do Grupo de Pesquisa “Redes e Poder no Sistema Internacional”, que desenvolve no ano de 2016 o projeto “Controle, governamentalidade e conflitos em novas territorialidades” no UNICURITIBA, sob a orientação do professor Gustavo Glodes Blum. A seção busca promover o debate a respeito do tema, trazendo análises e descrições de casos que permitam compreender melhor a inter-relação entre redes e poder no SI. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento da instituição.

A utilização das redes virtuais como instrumento de poder


Larissa Soares*


A sociedade moderna adquiriu nova configuração com os avanços tecnológicos, com a propagação dos meios de transporte, comunicação e energia, advindos da segunda Revolução Industrial. Segundo Ruy Moreira (2007), a partir disso ocorreu uma aceleração das interligações entre estes mecanismos, gerando crescentes fluxos de circulação sobre os territórios, dando origem e caracterizando a sociedade em rede. 

Deste modo, como sugerido na obra “Por uma geografia de Poder” do autor Claude Raffestin, a circulação da comunicação se tornam nos dias atuais uma forma de poder. Segundo o autor (RAFFESTIN, 1993, p. 202), “A circulação é a imagem do poder, mas o poder nem sempre quer se mostrar e, mesmo quando o faz, é sem o desejar”.   Partindo da reflexão da potencialidade que estes conteúdos podem atingir ao se disseminarem, e mesmo que este efeito ocorra de maneira inconsciente por parte dos agentes sociais, é evidente que possuem em seu âmago um objetivo pré-determinado a alcançar. 

A mídia, por exemplo, acaba por exercer influência de forma indireta nos indivíduos e na sociedade, modificando a opinião pública, as próprias agendas dos Estados, atuando como aparelhos ideológicos, construindo uma ordem fundada em seus próprios interesses. Consequentemente, se ocorre o rompimento das fronteiras físicas nessa “sociedade informacional”, na qual, se estabelecem redes de conexão cultural, política, e econômica diferentes, mas que sempre estão dispostas para a construção de uma realidade de acordo com um fim específico.  

Essa conjuntura tecnológica gera o aumento dos fatores socioeconômicos, mas por outro lado surge a segregação, com estabelecimento de hierarquias e a disputa pelo acesso a esse novo mundo globalizado. A partir de pesquisas realizadas com os dados de assinantes da internet em determinadas regiões, conseguimos encontrar a distribuição e o montante de pessoas que possuem o acesso a este dispositivo pelo mundo, como por exemplo, os Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, que ocupam o topo do ranking com a maior população usuária da rede virtual. Enquanto países da África Subsaariana possuem menos de 2% de sua população como detentora deste mesmo acesso. 

Como consequência, essa desigualdade quanto ao uso das tecnologias tem se tornado um fator agravante entre os países, gerando uma problemática em relação à exclusão do mundo informacional por parte dos usuários e não usuários da rede. Essa parcela da população se vê na necessidade de englobar este assunto a diferentes agendas políticas, econômicas e sociais, com o intuito de se estender o alcance destes conteúdos a minorias, que devido à segregação perdem voz e participação junto aos demais, tanto em seu âmbito interno quanto externo.  Chegando a ser considerado hoje elemento fundamental de direito dos Estados, o mundo virtual se tornou um sujeito de poder.

A convergência dos métodos anteriores para os modernos meios de comunicação, como o caso das redes sociais, possibilita o aproveitamento de diversas ideias, que sem o uso desta ferramenta não tomariam tal proporção.  Como exemplo, durante a Primavera Árabe (que envolveu as regiões do Oriente Médio e do norte da África), aconteceram algumas das mais impactantes manifestações da história, quando um jovem da Tunísia indignado com suas péssimas condições de vida, ateou fogo em seu próprio corpo como forma de manifesto.  Este ato acabou desencadeando uma série de protestos frente ao governo tunisiano, forçando a renúncia do ditador do país, que exercia este cargo há mais de 20 anos. Logo, com a ajuda de redes como o Facebook, Twitter e Youtube a revolução tomou repercussão, chegando às demais regiões que já perpetuavam um sentimento de descontentamento com suas políticas nacionais, resultando no ápice de seus protestos.

Por meio das redes de comunicação a revolução era narrada, e utilizada para convocar o povo às ruas, como também para determinar encontros ou fazer debates, buscando assim unificar esses grupos revoltosos contra o governo.  A propagação foi tamanha, que mesmo com o acesso da impressa internacional restrita a diversos locais destas regiões, os países ocidentais conseguiam ser informados a respeito dos acontecimentos, com o recebimento de vídeos e conteúdos, pelas brechas ainda existentes desse mundo imensurável das redes virtuais.

Os movimentos seguiam impactando a sociedade internacional, até que os chefes de Estados decidiram tomar medidas para impedir a entrada e saída de noticias, que serviam de armas eficientes diante da revolução.  Países como Egito e Libia tiveram seu acesso à internet cortados durante o estopim dos conflitos. A Síria, até os dias atuais sofre pressões internas e externas que objetivam a renúncia do presidente Bashar al-Assad, por meio disso, o governo passou a proibir o uso das redes sociais e a entrada de jornalistas estrangeiros. Ou seja, os governos se mostram conscientes com a liberdade desenfreada do fluxo de informação disseminado pelas redes, buscando com estes bloqueios impedir o surgimento de novas ideologias, de interceptar a comunicação com os demais Estados, para manter seu povo sob seu controle e vinculado ao sistema de organização desejado.

Em síntese, essas relações de assimetria geradas pela acessibilidade a internet são, a meu ver, um obstáculo a ser combatido pelos Estados e pelos próprios usuários das redes. O Facebook recentemente lançou uma ferramenta que busca levar esse acesso mundial a redes virtuais aos países da África, começando pela Zâmbia, a denominada Internet.org. Nitidamente, a globalização gera esta necessidade de conectar os indivíduos e com isto manter as informações e acontecimentos em circulação, o que por consequência tornara o Estado mais coeso.  Dessa forma, não somente interligar o mundo, mas como também utilizar essas ferramentas como instrumentos de poder de uso e controle intangíveis e por vezes imateriais, exercendo coerção sobre as ideias, comportamento e ações que permeiam o sistema coletivo. 

Seria interessante buscar, portanto, não uma distribuição essencialmente estratégica, mas que de fato venha a refletir positivamente em países, povos, grupos étnicos não representados perante a comunidade internacional, concedendo aos países em torno do globo um empoderamento mútuo desta acessibilidade digital. Como no exemplo anteriormente citado da Primavera Árabe, as redes podem e devem ser utilizadas para a promoção de causas democráticas, a fim de que estas minorias se tornem visíveis e passem a ser os reais porta-vozes de seus povos frente à sociedade global.  

Deixando no passado a “sociedade da informação” que tinha como único e principal objetivo a transmissão de conhecimento, para colocar em prática a sociedade informacional, que busca em seu fim especifico o conhecimento e a organização social embasados na informação, sendo esta última o elemento fundamental para produtividade e poder, quanto gênese da sociedade em rede.

* Larissa Soares é acadêmica do 5º Período do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA), e membro do Grupo de Pesquisa "Redes e Poder no Sistema Internacional".

Referências

MOREIRA, Ruy. Da região à rede e ao lugar: a nova realidade e o novo olhar geográfico sobre o mundo. ETC, espaço, tempo e crítica - Revista Eletrônica de Ciências Humanas e Sociais e outras coisas, n. 1 (3), vol. 1, 2007.

RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.

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