sexta-feira, 15 de abril de 2016

Direito Internacional em Foco: A Crise dos Reféns no Irã


A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.  
 
A Crise dos Reféns no Irã

Caroline de Moura, Eron Ferreira e Mateus Nascimento

 
 
            No dia 4 de novembro de 1979, um grupo de estudantes iranianos invadiu a embaixada estadunidense em Teerã, capital do Irã, tomando mais de 60 americanos como reféns. Ataques também ocorreram nos consulados dos Estados Unidos em  Tabriz e Shiraz. Os atos fizeram parte de um amplo contexto de revolta popular iraniana contra o país, mas podem ser considerados como reação imediata à decisão do presidente estadunidense Jimmy Carter de permitir que o deposto Xá do Irã, Reza Pahlavi - autocrata pró ocidente - permanecesse nos Estados Unidos para suposto tratamento de câncer, negando sua extradição. Tais fatos foram o cenário e base para a criação e produção do aclamado filme "Argo". 

            O acontecimento de grande proporção, conhecido como Crise dos Reféns, tornou-se alvo dos holofotes no mundo todo. As raízes da crise remontam a 1951, quando o democraticamente recém-eleito primeiro ministro iraniano, Muhammad Mossadegh, anunciou um plano de nacionalização da indústria de petróleo no país, que até então havia sido explorado por corporações americanas e britânicas.

            Em resposta ao plano, a CIA, estadunidense, e o serviço de inteligência britânico, preocupados com a ameaça aos seus anseios comerciais, criaram um plano para remover Mossadegh do poder e substituí-lo por um líder mais receptivo aos interesses ocidentais. O Projeto TPAJAX, como se denominou o plano, fez com que Reza Pahlavi, pró ocidente, assumisse o poder autoritariamente e lá permanecesse até sua própria derrubada, em 1979. Tal derrubada, que funda a atual República Islâmica do Irã, foi produto de um grande movimento popular. Neste contexto é que Pahlavi foge aos Estados Unidos, os iranianos exigem sua extradição para que seja julgado em seu país e o presidente estadunidense nega o pedido.

            Durante a Crise dos Reféns no Irã, tanto o Governo dos Estados Unidos quanto a Guarda Revolucionária Iraniana, movimento que toma o poder seguido à derrubada de Pahlavi, atuaram com pouca consideração com o Direito Internacional ou a praxe diplomática, cada lado utilizando-se das transgressões do outro para justificar as suas próprias.

            O ato de os Estados Unidos terem concedido asilo ao deposto Xá e se recusado a extraditá-lo para fins de julgamento como criminoso, o que ele certamente era, foi considerado ilegal pela Guarda Revolucionária Iraniana. A concessão do asilo, embora ato discricionário e soberano, é reservada à perseguição por crimes ou motivos políticos, e não como escape a julgamento de crimes comuns, como o exigido pelos iranianos.

            O Irã, em contrapartida, violou o Direito Internacional quando invadiu, ou ao menos permitiu, a invasão da embaixada e consulados norteamericanos, tomando civis estadunidenses inocentes como reféns, justificando tal ação como uma retaliação ao golpe americano de 1953 e à negação do pedido de extradição. 

            No dia 29 de novembro de 1979, os Estados Unidos iniciaram um processo contra o Irã na Corte Internacional de Justiça (CIJ), acusando o país de violar várias obrigações decorrentes não só do direito internacional consuetudinário como também de quatro tratados, três sendo acatados como relevantes pela Corte: as Convenções de Viena de 1961 e 1963, relativas, respectivamente, a relações diplomáticas e consulares; e o Tratado de Amizade, Relações Econômicas e Direitos Consulares entre Estados Unidos e Irã.

            Dada a urgência do caso, poucos dias depois, ainda longe de uma decisão definitiva, a CIJ determinou por unanimidade a imposição de medidas provisórias exigindo, entre outras coisas, que o Irã libertasse os reféns, garantisse sua saída segura do país e restaurasse a embaixada americana, o que não foi feito. 

            Nesse meio tempo, os Estados Unidos organizaram uma operação militar, chamada Eagle Claw, com o objetivo de colocar fim à crise. A operação foi um fracasso, oito soldados americanos e um civil iraniano morreram. A atitude foi considerada uma agressão pelo Irã; e violação de Direito Internacional certamente houve com a invasão do território aéreo iraniano no curso dos eventos.

            Além da operação, algumas ações foram tomadas por parte dos Estados Unidos como medidas de represália, ou contramedidas, ao Irã. Entre elas, um embargos de bens contra a nova República Islâmica, no valor de 8 bilhões de dólares, assim como e a expulsão de dezenas de iranianos do país, entre eles estudantes. 

            Somente após a morte de Reza Pahlavi, em 1980 nos Estados Unidos, o Irã retomou  as negociações com os EUA. Então, no dia 19 de janeiro de 1981, depois de 444 dias, os reféns foram libertados como parte do Acordo de Argel. Este Acordo foi constituído na cidade de mesmo nome, tendo a Argélia como agente intermediário, com o objetivo de por fim ao conflito.

            Entre as exigências do Acordo, constava que os EUA deveriam revogar todas as sanções comerciais que foram dirigidas contra o Irã no período de novembro de 1979 a janeiro de 1981. Uma das cláusulas mais importantes levava os Estados Unidos a comprometer-se em não intervir nos assuntos iranianos, indireta ou diretamente, por ações políticas ou militares. Além disso, os Estados Unidos teriam de retirar todas as acusações apresentadas contra o Irã na Corte Internacional de Justiça. 

            Apesar de o acordo de Argel ter sido decisivo para o fim do conflito entre as duas nações, é importante notar que, no ano anterior, por decisão do processo iniciado em 1979, o Irã havia sido condenado pela CIJ por violar as Convenções de Viena de 1961 e 1963.

            Ao permitir a invasão da embaixada por parte dos estudantes iranianos, violou a Convenção de 1961 no que diz respeito à inviolabilidade diplomática dos agentes bem como da embaixada em si, infringindo, dentre vários dispositivos, o Art. 29 que afirma que “a pessoa do agente diplomático é inviolável. Não poderá ser objeto de nenhuma forma de detenção ou prisão. O Estado acreditado deve tratá-lo com o devido respeito e adotará todas as medidas adequadas para impedir qualquer ofensa a sua pessoa, liberdade e dignidade”. Relevante é a decisão da Corte, que nesse aspecto afirma que, embora a invasão não possa ser atribuída ao Estado do Irã, “O Estado [...] estava sob a obrigação de tomar medidas apropriadas para proteger a embaixada [...] e não fez nada para prevenir ou parar o ataque [...]”

            A Convenção de 1963 foi violada em similar sentido, por estabelecer como prerrogativa a inviolabilidade também das instalações consulares, cabendo destaque ao Art. 31, parágrafo 2, o qual afirma que “[...] o Estado receptor está sob dever especial de tomar todas as medidas apropriadas para proteger as premissas consulares contra a intrusão ou o dano e prevenir qualquer distúrbio à paz do posto consular ou violação à sua dignidade.”.  

            Assim sendo, a sentença expedida pela Corte Internacional de Justiça decidiu que o Irã havia violado as obrigações que tinha com os EUA, sendo estas de inteira responsabilidade do governo do Irã. Reforçava ainda, devido ao não cumprimento da medida provisória, que o Irã deveria libertar imediatamente os cidadãos dos Estados Unidos detidos como reféns e que nenhum membro do pessoal diplomático poderia ser mantido no país ou ser submetido a qualquer processo judicial. Embora o Irã tenha levantado como argumento a operação militar comandada pelos Estados Unidos na tentativa de resgate, a CIJ decidiu que tal fato, independente da legalidade, não poderia ter sido levado em consideração pelo Irã em qualquer decisão relativa aos reféns.

            Por fim, a sentença afirmava que o Irã deveria reparar os prejuízos causados aos EUA e que a quantidade de tal reparação seria decidida pela Corte. 

            Uma curiosidade é que o filme “Argo”, lançado em 2012, que conta a historia de seis funcionários estadunidenses que conseguiram escapar do país se passando por uma equipe de filmagem canadense, ganhou o Oscar de melhor filme em 2013.


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