quinta-feira, 7 de abril de 2016

Direito Internacional em Foco: Grécia e União Européia - Crise, Soberania e Integração



A seção "Direito Internacional em Foco" é produzida por alunos do 3° período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter, e a supervisão do monitor da disciplina, Gabriel Thomas Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores e não refletem o posicionamento da instituição.



Grécia e União Européia: Crise, Soberania e Integração
Bianca Fabbri, Leonardo Sampaio e Mayara Santos

                
            A crise econômica grega, que aflorou com surpreendente força de uns anos pra cá, foi decorrente de uma série de fatores de diversas ordens. Podemos citar descasos governamentais, relativos às políticas de gastos públicos do país, como os valores despendidos para o salário de funcionários do governo, e também fatores subjetivos, como corrupção e sonegação de impostos. A situação é especialmente complexa devido ao pertencimento do Estado na União Europeia (UE). 

Para se entender a proporção do problema, basta uma breve olhada em certos números. O limite estabelecido pela UE de déficit público que os Estados-membros podem ter é de 3% do PIB do país. A Grécia chegou a exceder este limite em espantosos 320 bilhões de euros, somando um déficit equivalente a mais de 60% de seu PIB. É interessante notar, ainda, que há aproximadamente dez anos, visando entrar na zona do euro, a Grécia registrou déficits formais menores do que os reais, o que - em partes -  ajuda a entender a explosão inesperada no bloco. 

            Quando a crise parecia tornar-se insustentável, os credores da UE em união com o FMI propuseram medidas de austeridade, tais como cortes extremos em gastos públicos, aumento de impostos e reformas no sistema previdenciário e no mercado de trabalho. Estas medidas possibilitariam, do ponto de vista econômico, um eventual reequilíbrio que permitiria o pagamento das dívidas gregas com seus credores no exterior e a reconquista da confiança de investidores estrangeiros. Por outro lado, as medidas afetam principalmente os trabalhadores comuns, em situação já bastante precária, reduzindo sua capacidade de consumo, possivelmente aumentando o desemprego e representando, inclusive, um regresso de direitos sociais, como a previdência.

Com base nisso, Alexis Tsipras, Primeiro Ministro grego eleito sob a bandeira política de esquerda que prometia o confronto com a UE e suas medidas de austeridade, convocou um plebiscito. Este dava à população o poder de decidir se Sim, a Grécia deveria aceitar as medidas propostas por seus credores e manter-se na zona do euro; ou Não, não deveria aceitar tais imposições. Esta opção foi colocada como a defesa da soberania grega, tida como o direito da nação de determinar seu caminho econômico, social e político de forma autônoma. A decisão poderia acarretar na saída da Grécia do bloco econômico, resultando na volta de sua antiga moeda, o Dracma.

Por um lado, a saída do país do bloco tornaria mais fácil para a Alemanha dar suporte ao bloco financeiramente, considerando que uma economia em decadência não seria mais membro e, até então, muito do seu suporte era rejeitado pelo povo alemão, que achava injusta a participação de seu governo para ajudar um Estado que, segundo eles, criou seus próprios problemas. Por outro lado, a saída poderia implicar no enfraquecimento da UE como bloco econômico, um feroz ataque ao sonho de integração europeia de alguns. Ademais, havia o medo de que outros países em crise, como Itália, Portugal e Irlanda, seguissem o mesmo caminho de afirmação da soberania nacional em nome da defesa de suas populações. A integração, nesse sentido, foi vista como o fortalecimento do bloco como uma grande potencia mundial, ainda que implicando na redução de soberania de seus membros. 

Com mais de 60% dos votos, o Não saiu vencedor, de certa forma indicando o desejo da democracia grega pela soberania nacional. Não obstante, nas negociações ocorridas nos meses subsequentes, algumas que se arrastam até hoje, muitas medidas de austeridade acabaram sendo adotadas, em um relativo abandono da pauta inicialmente defendida pelo Syriza, partido de Tsipras, deixando a Grécia em posição similar à anterior.

É interessante notar que a soberania, construção histórica de derrubada da submissão dos Estados a autoridades superiores a eles, concretizada em Vestfália, pode ser vista de diversas maneiras. A interna, como capacidade de reger-se sem poder maior; a externa, como a igualdade entre os Estados. Em sua forma política, o poder do povo; jurídica, o poder originário de se declarar a positividade do Direito. Para o assunto que nos ocupa, podemos resumi-la como a impossibilidade de se ter o poder estatal limitado por qualquer outro. E é aí que o conceito esbarra com a normativa do bloco: no caso, a imposição de medidas de austeridade em detrimento da escolha da população.

A União Europeia é um bloco marcado pela supranacionalidade, que consiste na decisão dos Estados-membros de confiar a órgãos comuns os poderes necessários ao desempenho de tarefas de forma mais satisfatória do ponto de vista da integração, dando mais coordenação e ordem a um sistema superior aos Estados. Sendo assim, a abdicação de parte da soberania de um país para a participação de um ente comunitário não deve ser considerado uma eliminação desta. 

Ademais, é possível se arguir que a própria decisão grega de adesão ao bloco foi, em última instância, soberana, o que implicaria em sua subsequente obrigação de cumprir com a normativa do mesmo. Por outro lado, a liberdade real, e não formal, de escolha do país de aderir ao bloco, no contexto europeu, é bastante questionável. 

Com relação ao plebiscito, citamos Rosemiro Pereira Leal: “A soberania, como instituição jurídica, por seus fundamentos, pressupõe necessariamente a intervenção direta do povo de uma nação no regramento da conduta do Estado na elaboração e aplicação de suas políticas básicas e de seu comprometimento com os direitos fundamentais.” É dizer, o destino do país deve ser decidido pelo seu povo. Ora, se adesão ao bloco é decisão soberana, a saída certamente também é, ainda que vá contra a visão dos demais países.

Sobre essa base, algumas questões muito complexas que se levantam são: Até que ponto a UE pode aguentar a dívida grega sem sacrificar outros países membros, igualmente soberanos, e com os quais a Grécia havia se comprometido mediante acordo? Ou, até que ponto é certo que um país que optou pela soberania para proteger seu povo permaneça dentro do bloco, mas não aceite se submeter à normativa deste, como tem ocorrido?

Torna-se visível que, democraticamente, visando manter a soberania do Estado grego, as decisões do governo necessitam se fundar no seu povo, já que, independentemente de suas escolhas, será este que sofrerá as consequências. Apesar de a integração econômica não significar a abdicação da soberania, as resoluções da Alemanha para a crise visivelmente objetivam a proteção do euro e do bloco, e não uma preocupação com os cidadãos gregos ou a soberania do país. 

De toda forma, tanto optando pela saída da União Européia quanto pela aceitação das medidas de austeridade, certo é que o povo grego deverá lidar com a diminuição de certos benefícios para que, mesmo em um futuro distante, o país volte a ter saldos positivos e aprenda a lidar com seus gastos.




FONTES CONSULTADAS:
LEAL, Rosemiro Pereira. Soberania e Mercado Mundial. Editora de Direito, 1999.
http://economia.estadao.com.br/blogs/fernando-dantas/grecia-soberania-x-integracao/
FONTE DA IMAGEM:
http://economia.uol.com.br/album/2015/06/29/impasse-entre-grecia-e-credores-afeta-populacao.htm


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