terça-feira, 15 de setembro de 2020

#BoycottMulan

 


        O lançamento do live action do clássico filme Mulan da Disney tem causado grande comoção entre os fãs da animação de 1998, mas também tem deixado outras pessoas curiosas sobre o resultado do remake. A estreia do filme estava marcada para o mês de março deste ano, mas com os acontecimentos advindos da pandemia do novo coronavírus, o evento foi cancelado e o filme foi lançado no começo deste mês, na plataforma de streaming da Disney, a Disney Plus. No Brasil, o filme deve ser disponibilizado ainda este ano. 

Contudo, além das mudanças técnicas e do impacto da pandemia na sétima arte, o lançamento do filme tem chamado atenção em razão do movimento de boicote que tem ganhado espaço nas diferentes redes sociais nos últimos dias. O movimento já havia começado antes mesmo do lançamento do filme, motivado pelo pronunciamento de Liu Yifei, atriz da personagem Mulan. A atriz se manifestou em favor das forças policiais em Hong Kong, quando os protestos no país estavam em seu ápice — devido às mudanças nas políticas de extradição de cidadãos para a China. Na internet, a declaração de Liu Yifei levantou a hashtag MilkTeaAlliance (Aliança do chá com leite), onde ativistas pró Hong Kong e Taiwan, e simpatizantes do movimento defendiam o boicote ao filme, acusando a Disney de se ajoelhar perante Pequim, e Yifei de suportar a violência policial. 

Neste mês, o movimento pelo boicote foi reavivado após a liberação do filme na plataforma de streaming, isso porque nos créditos do filme há agradecimentos a oito autoridades governamentais da região de Xinjiang, no noroeste da China, inclusive à agência responsável pela segurança pública de Turpan, na qual associações de direitos humanos denunciam a existência de campos de reeducação política de uigures. Os uigures são uma minoria muçulmana que vivem na região próxima de Xinjiang, e, segundo a AP News, essa e outras minorias muçulmanas têm sido mantidas trancadas em “campos de reeducação”, onde são expostos à um “programa de assimilação” por parte do governo chinês, em resposta a décadas de resistência ao controle chinês. De acordo com o The Guardian, estima-se que ao menos 1 milhão de pessoas foram detidas nesses campos, onde muitas das mulheres presas foram submetidas a esterilizações e abortos forçados.

As autoridades chinesas defendem os campos como centros de treinamento. Nesse sentido, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores Zhao Lijian, recentemente declarou que não há campos de reeducação em Xinjiang, e que “o estabelecimento de centros de educação e treinamento vocacional em Xinjiang é uma tentativa positiva e uma exploração ativa do contraterrorismo preventivo e da desradicalização. (...) Não houve ataques terroristas violentos em Xinjiang por mais de três anos.” (em tradução livre do inglês). Apesar disso, diversas agências de notícia têm divulgado reportagens denunciando as transgressões aos direitos humanos na região, e ainda em 2018 (quando as filmagens para o filme iniciaram), um estudo da ABC já indicava a existência desses campos. Espera-se que a Walt Disney ainda se posicione sobre a questão (ainda que a postura da empresa esteja amparada pela sua política de lucros), mas fica claro que o conhecimento dos campos por parte da companhia é quase que indiscutível, já que a região na qual o filme foi gravado possui diversos desses campos. 

De forma geral, podemos destacar o papel dos ativistas e simpatizantes na divulgação da situação, tendo as hashtags BoycottMulan e MilkTeaAlliance como foco da disseminação dos acontecimentos. Além disso, o movimento tem crescido rapidamente não somente entre os ativistas asiáticos, mas também entre a comunidade das redes sociais, chamando atenção dos espectadores sobre a brutalidade policial em Hong Kong, a encarceração em massa, o desrespeito aos Direitos Humanos na China Continental e a passividade de grandes empresas nessas situações.

 

Referências

Calls to boycott Mulan rise after Disney release. The verge, 07 de setembro de 2020. Disponível em: <https://www.theverge.com/2020/9/7/21426274/mulan-disney-boycott-hong-kong-china-liu-yifei-protests-xinjiang-streaming>.

Disney+ indica que 'Mulan' será lançado no Brasil custando R$ 112,90. Olhar Digital, 17 de agosto de 2020. Disponível em: <https://olhardigital.com.br/cinema-e-streaming/noticia/disney-indica-que-mulan-sera-lancado-no-brasil-custando-r-112-90/105312>.

DOMAN, Mark, et al. China’s frontier of fear. ABC News, 31 de outubro de 2018. Disponível em: <https://www.abc.net.au/news/2018-11-01/satellite-images-expose-chinas-network-of-re-education-camps/10432924?nw=0>.

KUO, Lily. Disney remake of Mulan criticised for filming in Xinjiang. The Guardian, 07 de setembro de 2020. Disponível em: <https://www.theguardian.com/film/2020/sep/07/disney-remake-of-mulan-criticised-for-filming-in-xinjiang>.

Na China, militantes pró-democracia pedem boicote ao filme da Disney 'Mulan'. Entretenimento UOL, 04 de setembro de 2020. Disponível em: <https://entretenimento.uol.com.br/noticias/rfi/2020/09/04/na-china-militantes-pro-democracia-pedem-boicote-ao-filme-da-disney-mulan.htm>.

Produção da Disney, “Mulan” é alvo de boicote por cenas filmadas na China. Isto é, 09 de setembro de 2020. Disponível em: <https://istoe.com.br/campanha-de-boicote-a-mulan-aumenta-por-cenas-filmadas-em-xinjiang/>.


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