Prof. Dr. Carlos Magno Esteves Vasconcellos*
Na última sexta-feira (22/05/2020), o
Supremo Tribunal Federal autorizou (com cortes) a divulgação do vídeo de uma reunião que
o Presidente da República (Jair Bolsonaro) manteve com seus ministros, no dia
22 de abril. O propósito maior dessa reunião era comprovar ou não uma denúncia
do ex-ministro da justiça Sérgio Moro, sobre o principal motivo que o teria
levado à pedir exoneração do cargo que ocupava no governo, indicando que o
Presidente da República vinha tentando interferir de modo recorrente na Polícia
Federal (regional do Rio de Janeiro), com a finalidade de controlar as ações daquela
instituição, de modo à proteger sua família e seus amigos. Vale lembrar que o
Presidente da República vinha se defendendo da acusação, do ex-ministro Moro,
alegando que sua intervenção na Polícia Federal é uma prerrogativa do cargo que
ocupa.
Muito bem. O vídeo da reunião provou que
o ex-ministro tinha razão e o Presidente da República, de fato, vinha tentando interferir
na Polícia Federal (do Rio). O Presidente declarou na reunião (Serviço Público
Federal: MJSP – Polícia Federal):
Já tentei trocar gente
da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso
acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos
meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que
pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe
dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos
aqui pra brincadeira.
Essa questão é importante? Sim, muito. O
que acontece é que, na acusação do ex-ministro Moro, a ingerência do Presidente
da República na PF do Rio não era motivada por motivos técnicos, mas políticos:
proteger familiares e amigos. Proteger do que? Só pode ser de crimes praticados
por familiares e amigos (talvez Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz) e que
poderiam ser expostos e investigados pela PF. A prerrogativa do Presidente da
República para trocar o diretor geral da PF não inclui o direito à preservação de
sua imagem pública ou defesa de parentes e amigos contra investigações
criminais. Como explicou a advogada Maria de Lourdes Luizelli (https://luizellimaria.jusbrasil.com.br/ artigos/835923290/autoridade-deve-motivar-os-seus-atos-ainda-que-discricionarios?ref=feed,
27/04/2020):
Muitas dúvidas têm surgido nos
últimos dias acerca da possibilidade de alteração, pelo Presidente da
República, do Diretor-Geral da Polícia Federal. Mais do que a competência para
a tomada de tal decisão, o cerne do debate deve ser a obrigatoriedade de
exposição de motivação válida que a ampare.... A confusão entre Estado e
quem o gere é típica dos governos absolutistas e autoritários. O Brasil é um
Estado Democrático de Direito e, portanto, não está submetido a desejos e
interesses pessoais de quaisquer de seus gestores, senão à sua própria
conveniência e oportunidade, a ser concretamente aferida por meio dos fundamentos
expostos quando da tomada de decisões.
Assim, o vídeo da reunião deu razão ao ex-ministro
Moro, e mostrou que o ocupante da cadeira presidencial se utiliza de método
arbitrário, e mesmo criminoso, para proteger seus familiares e amigos contra
investigações criminosas.
Mas a tal reunião desnudou, também,
outras verdades sobre o atual governo federal.
Primeiro, é um governo amorfo. Os ministros
da Economia, Paulo Guedes, do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da Cidadania, Onyx Lorenzoni são convictos liberais, enquanto os ministros da Casa Civil, General Walter
Braga Netto, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho são,
manifestamente, defensores do intervencionismo econômico estatal.
Segundo, é um governo caótico: a reunião
foi convocada a pedido do Gen. Braga Netto (Casa Civil) para anunciar o Plano
econômico “Pró-Brasil”. Mas, não é ao ministro Paulo Guedes (da Economia) que
caberia a iniciativa de tal Plano? Além disso, o Plano apresenta um viés nitidamente
intervencionista, portanto, contrário aos princípios liberais defendidos pelo
comandante da Economia e apoiado (pelo menos publicamente) pelo Presidente da
República. O ministro Rogério Marinho (intervencionista) fez questão de reforçar
a importância dos gastos públicos no Plano (todas as citações que aparecerão no
texto, daqui pra frente, foram extraídas da transcrição dos pronunciamentos da
reunião ministerial, feita pelo MJSP
– Polícia Federal):
E eu tenho visto
governos extremamente liberais preparando programas de reconstrução, levando em
consideração a necessidade de que o Estado nacional passa a ter um papel
diferente como tomador de risco nesse momento em que há uma queda abrupta da
liquidez. O ministro Onyx fala com muita propriedade da Arábia Saudita, dos dez
bilhões de dólares. É bom lembrar, tá aqui o ministro Bento, que tá se pagando
para se retirar petróleo do mundo. Os países vão utilizar as suas respectivas
liquidez para resolver os seus problemas de infraestrutura e de retomada das
suas economias. Nós temos que ter segurança jurídica, senhor presidente.
Respeito a contrato, senhor presidente. Capacidade de alavancar recursos
privados com a inversão de recursos públicos sim!
Terceiro, é um governo sectário e
místico que se alimenta de fantasias, alucinações, e demagogia barata. Dividem
o Brasil em duas partes: uma parte boa, formada por pessoas que pensam e se
comportam como eles; e uma parte ruim, composta de todos que se opõem às suas
alucinações. A parte ruim é também chamada de “esquerda”. Em determinado momento da reunião o Presidente
da República disse:
Eu tô me lixando com a
reeleição. Eu quero mais que alguém seja re ... seja eleito, se eu vier
candidato, tá? Pra eu ter. .. eu quero ter paz no Brasil, mais nada. Porque se
for a esquerda, eu e uma porrada de vocês aqui tem que sair do Brasil, porque
vão ser presos. E eu tenho certeza que vão me condenar por homofobia, oito anos
por homofobia.
Quanta baixaria e invencionice insana! Recentemente,
o país assistiu eufórico ao golpe de estado contra a ex-Presidenta da República,
Dilma Rousseff, e a condenação, sem provas, do ex-Presidente Lula. Ambos da
chamada “esquerda”. Jair Bolsonaro inverte a realidade e os fatos a bel prazer.
É fruto de alucinação afirmar que se o Brasil eleger um Presidente de esquerda “eu
e uma porrada de vocês aqui tem que sair do Brasil, porque vão ser presos”.
Todos estavam no Brasil durante os 14 anos das gestões petistas e ninguém foi
preso!
Em sua demagogia desvairada, o
Presidente faz apologia dos pobres e acusa os líderes políticos do país de não
saber qual o “cheiro do povo”. Então diz que deseja levar seus ministros para
passear em Taguatinga (cidade-satélite de Brasília) para conhecerem a triste
realidade em que vive o povo. E eu pergunto: para que? Só para ver? Que ninguém
se engane com esse discurso fantasioso do Presidente da República: ele e seu
ministro da Economia, Paulo Guedes, estão fazendo enorme pressão sobre os
parlamentares para congelarem os salários dos funcionários públicos por dois
anos!
Em determinado momento da reunião, o
semianalfabeto ministro da Educação, Abraham Weintraub, resolveu dar o ar de
sua graça no recinto, tomou a palavra e continuou na mesma toada do Presidente:
E o que me fez, naquele
momento [aderir a candidatura de Bolsonaro], embarcar junto era a luta
pela ... pela liberdade. Eu não quero ser escravo nesse país. E acabar com essa
porcaria que é Brasília. Isso daqui é um cancro de corrupção, de privilégio. Eu
tinha uma visão extremamente negativa de Brasília. Brasília é muito pior do que
eu podia imaginar... Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia.
Começando no STF.
O STF pode ter muitos problemas, mas é
uma instituição indispensável à democracia, cujo objetivo é, entre outras
coisas, coibir as arbitrariedades do governo federal, seja ele qual for.
Ninguém que “luta pela liberdade” pode defender a prisão arbitrária dos ministros
do STF. Só a mente pueril de Weintraub concebe essa alucinação. Além disso, não
custa lembrar que a capital federal, ou seja, o “cancro de corrupção”, como
disse o ministro semianalfabeto, foi o habitat de seu chefe durante os últimos
30 anos!
Os embusteiros arautos palacianos da
liberdade também demonstraram inusitado desprezo por outras instituições
democráticas nacionais, tais como o Congresso Nacional (ministro Ricardo
Salles) e o Tribunal de Contas da União (ministro Paulo Guedes).
Quarto, é um governo avassalado,
submisso, típico representante da elite econômica brasileira. Apesar das
diferenças ideológicas entre liberais e intervencionistas há algo com o qual os
dois concordam: a incontornável necessidade do Brasil se desenvolver com
capitais estrangeiros. Guedes e Braga Netto se mostram muito mais preocupados
com o juízo dos estrangeiros sobre o ambiente de negócios no Brasil do que com
a situação do povo brasileiro.
O vídeo da reunião entre o Presidente da
República e seus ministros, que foi tornado público para esclarecer o conflito
entre o ex-ministro Sérgio Moro e o Presidente Bolsonaro, acabou por revelar para
o público brasileiro um perfil do atual governo federal: amorfo, caótico,
sectário, místico e avassalado. Na chefia do governo, ao que tudo indica, um criminoso.
* Professor titular das disciplinas de História
Econômica Mundial e Economia Política Internacional do Bacharelado em Relações
Internacionais do UniCuritiba.
Referências.
LUIZELLI, Maria de Lourdes. Autoridade deve motivar os seus atos, ainda que discricionários. Disponível em: https://luizellimaria.jusbrasil.com.br/artigos/835923290/autoridade-deve-motivar-os-seus-atos-ainda-que-discricionarios?ref=feed
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