Por Fernando Yazbek
Parece roteiro de Ian Flemming com
adaptação e direção de Sylvester Stalone. Ex-combatentes norte-americanos saem
numa missão secreta de entrar escondidos e armados num país pobre a fim de
derrubar o regime de um vilão caricato e anti-democrático. Na segunda-feira
(4), o presidente venezuelano Nicolás Maduro anunciou a prisão de Luke Denman
(34) e Airan Seth (41), que tentaram invadir a costa da Venezuela vindos de
lanchas colombianas. O Palácio de Miraflores trata o caso como uma tentativa
estadunidense de infiltrar “mercenários terroristas” que foram pagos para “assassinar
os líderes do governo revolucionário”, como pronunciou o Ministro do Interior Néstor
Reverol.
As
narrativas do governo bolivariano sempre despertam desconfiança dos países vizinhos e da mídia
internacional. A Colômbia trata o incidente como uma encenação infundada e, na
terça-feira (5), o presidente norte-americano Donald Trump sentenciou: “nada a
ver com o nosso governo”. Reconhecido por 50 países como presidente da
Venezuela - inclusive pelo Brasil -, o líder anti-chavista Juan Guaidó alegou
que a prisão dos americanos é uma cortina de fumaça utilizada por Maduro para
distrair a população. Nesta disputa de alegações, Terek Saab, procurador-geral
do Ministério Público da Venezuela, apresentou denúncia contra Guaidó, o
acusando de contratar os mercenários num contrato de 212 milhões de dólares com
a Silvercorp USA, uma empresa militar privada da Flórida.
O
discurso oficial da Venezuela poderia ter sido rapidamente desacreditado e
descartado pelas demais autoridades, dado o histórico de instabilidades políticas, jurídicas
e sociais de Caracas. Isto não fossem as declarações de Jordan Goudreau,
veterano das guerras no Afeganistão e Iraque, dono da Silvercorp USA. O
ex-combatente das forças especiais americanas publicou vídeo em redes sociais
no qual diz claramente que havia ajudado a organizar um golpe de estado contra
Maduro. Goudreau afirma ter treinado os mercenários e lamenta o fracasso da
missão. Outro tiro no pé da intentona golpista foi o depoimento de Juan José Rendón
ao The Washigton Post e à CNN. Rendón, que é chefe do comitê de
estratégia de Juan Guaidó, confessou na quinta-feira (7) que participava, desde
setembro de 2019, de negociações em Miami para levar 800 paramilitares
norte-americanos na captura do presidente constitucional Nicolás Maduro.
Munido
do vídeo do
boina-verde, das declarações de Rendón à mídia ianque e dos passaportes de
Denman e Seth, o governo venezuelano sai, mais uma vez, fortalecido. Mesmo com
as sanções econômicas impostas por Washington - ainda mais no contexto da
pandemia do coronavírus - Nicolás Maduro consegue manter-se com apoio das forças
armadas nacionais e de boa parte da população, que até agora não comprou o
discurso do desgastado Juan Guaidó.
Com
cada vez mais evidências
do envolvimento da Casa Branca para desestabilização do desafeto chavista, as
comparações com tentativas de golpes de Estado na América Latina promovidas
pelos Estados Unidos são inevitáveis. Em 2019, Donald Trump aplaudiu a renúncia
do presidente socialista boliviano Evo Morales e afirmou que a saída do líder
indígena cocaleiro era uma “forte mensagem” aos regimes “ilegítimos” da
Venezuela e da Nicarágua. O Departamento de Estado norte-americano , a despeito
da comemoração do presidente, negou que La Paz passasse por um golpe de Estado.
Mesmo
com o difundido senso-comum da interferência estadunidense em governos nacionalistas de esquerda
latino-americanos, o uso de tropas paramilitares para invasão e violência pode
parecer inusual, mas não é. Dois anos depois da Revolução Cubana de 1959, que
depôs o ditador cubano Fulgêncio Batista - fantoche dos EUA -, Washington
financiou uma ação militar para derrubar Fidel Castro. No contexto da Guerra
Fria, um país comunista há 200 quilômetros da Flórida preocupava a CIA,
departamento de inteligência americano. Para disfarçar o direto envolvimento
dos EUA, a ideia era armar cubanos exilados que fugiram da ilha na Revolução.
Quase mil e quinhentos homens foram treinados e paramentados com US$ 13 milhões
na costa sudeste americana. O plano era invadir a ilha pela Baía dos Porcos,
instalar um fronte de resistência anti-castrista e contar com a aderência do
povo. Um passo à frente de J. F. Kennedy, Fidel Castro conteve os ataques pelo
ar, por terra e por água favorecido pelo conhecimento do terreno pantanoso e
dos recifes e pelos 20 mil homens que defenderam a Revolução.
De
1912 a 1933, os EUA invadiram militarmente a Nicarágua para impedir que fosse construído,
na América Central, um canal que ligasse os oceanos Atlântico e Pacífico - pelo
Mar do Caribe - que não tivesse controle norte-americano. Manágua assumiu um
status de protetorado de Washington, libertada apenas em 1979 pelo legado
guerrilheiro de Augusto César Sandino da Frente Sandinista de Libertação
Nacional (FSLN). Da execução do revolucionário nos anos 30 até a “independência”
nicaraguense, o país sofreu por 40 anos a influência estadunidense na política
e na economia, somada a presença de fuzileiros navais. Quando Somoza, ditador
apoiado pela Casa Branca, foi derrubado pela socialista FSLN no fim dos anos
70, o grupo paramilitar conhecido como “Contras” se insurgiu em oposição ao
novo regime. Estes rebeldes receberam apoio militar, financeiro e logístico da
administração de Ronald Reagan na Sala Oval. Mesmo com o Congresso dos Estados
Unidos proibindo, em 1984, o patrocínio aos milicianos nicaraguenses, o governo
americano seguiu financiando os Contras secretamente. Atualmente, a Nicarágua
exige pagamento de indenização ordenada pela Corte Internacional de Justiça
contra os EUA ainda em 1986.
Do
incentivo ao terrorismo de tropas clandestinas, passando por apoio a ditadores
sanguinários e
chegando a bloqueios econômicos, a política externa norte-americana se
preocupa, na medida em que os EUA pirateiam e desviam respiradores na pandemia
do coronavírus, em acusar Cuba, que exporta médicos aos países mais afetados
pela covid-19, de tráfico humano. Com 80 mil compatriotas mortos pelo vírus e
outros tantos sem acesso à saúde, Donald Trump tem tempo de chamar Daniel
Ortega, presidente sandinista da Nicarágua, de déspota e Nicolás Maduro, na
Venezuela, de ilegítimo. Venezuela, Cuba, Bolívia e Nicarágua, somadas, não
atingem 200 mortes pelo novo coronavírus. Se as ações nas relações exteriores
de Kennedy, Reagan, Bush, Obama e Trump fossem feitas por qualquer país
latino-americano ou do Oriente Médio, este Estado estaria sob ataques de toda a
comunidade internacional. E não somente neste contexto de pandemia, que agrava
ainda mais a desumanidade das incursões militares sórdidas feitas na Venezuela
e do bloqueio econômico assassino à Cuba.
Somando
derrotas geopolíticas
e empilhando cadáveres, os Estados Unidos mostram que são apenas nas
produções de Hollywood em que os mocinhos norte-americano salvam o mundo dos
vilões bigodudos que querem dizimar a humanidade.
*As opiniões contidas no texto pertencem ao(à) autor(a) e não refletem, necessariamente, a posição do UNICURITIBA.
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